Nos últimos anos, uma tendência tem ganhado espaço nas redes sociais e até mesmo nas prateleiras de grandes livrarias, com suas obras interativas: o retorno dos hobbies manuais. Do tricô à marcenaria, passando pela cerâmica, bordado, crochê, pintura e encadernação artesanal, atividades antes associadas a gerações passadas ou a nichos muito específicos estão voltando à moda com força total.
Impulsionado por uma busca coletiva por bem-estar e desconexão do mundo digital, o interesse por atividades feitas com as mãos cresceu especialmente com o isolamento social causado pela pandemia da Covid-19. De acordo com a psicóloga Leninha Wagner, a tendência ainda revela um movimento psicológico de resgate do humano em meio ao ritmo acelerado da vida moderna.
“Atividades manuais funcionam como um antídoto para essa sobrecarga psíquica. Ao tocar o barro, sentir sua textura e transformar a matéria em algo concreto, o indivíduo rompe com a lógica abstrata do digital e do excesso de informação. O corpo entra em ação, a mente desacelera e se permite uma experiência sensorial que regula emoções e reduz ansiedade. É quase um retorno à simplicidade perdida”, explica.
Segundo a especialista, o fenômeno pode ser interpretado como uma necessidade inconsciente de reconexão consigo mesmo e com a própria história emocional.

Foto: Reprodução/@esterdiamantino.art
Ao que tudo indica, os hobbies manuais não são apenas uma moda passageira, mas uma resposta cultural às demandas de um mundo hiperconectado. Enquanto a tecnologia avança, cresce também a necessidade de desacelerar, e é com materiais às vezes resgatados da infância que muitos estão encontrando esse novo equilíbrio.
Em Brasília, cafeterias foram invadidas por aulas, principalmente de aquarela, que atraem grupos de mulheres unindo o hobby com café ou brunch servido pelo local. A artista visual aquarelista Ester Diamantino percebeu o aumento na procura. Ela explica que é comum ter alunas de diversas áreas e carreiras profissionais, que buscam um hobby leve, sem cobranças ou exigência de perfeição.
“Elas querem relaxar, cultivar a paciência e a criatividade em um espaço acolhedor, onde possam se expressar livremente e se conectar com outras mulheres. Buscam a leveza como estilo de vida e o afastamento de sintomas de burnout e estresse intenso relacionados ao trabalho. Recebo desde iniciantes até mães com filhos, casais e grupos de amigas experimentando a aquarela pela primeira vez. A procura tem crescido, especialmente em períodos de férias e em momentos de busca por reconexão criativa”, conta.

Foto: Reprodução/@esterdiamantino.art
O fenômeno é visível tanto no aumento da procura por materiais quanto na quantidade de cursos e tutoriais online que são disponibilizados ultimamente. Plataformas como YouTube e TikTok viraram vitrines para criadores de conteúdo que ensinam técnicas manuais, muitas vezes resgatando saberes tradicionais com roupagens contemporâneas. A hashtag #handmade, que significa feito à mão, ultrapassa os 100 milhões de visualizações, enquanto termos como slow crafting e “artesanato moderno” ganham espaço no vocabulário das novas gerações.
Segundo dados do Sebrae, o setor de artesanato movimenta mais de R$ 50 bilhões por ano no Brasil, e esse número vem crescendo com a valorização daquilo que é feito à mão. Para muitos, o hobby virou também uma fonte de renda extra ou até um novo modelo de negócio.
Mas o hype dos hobbies manuais vai além da estética ou da produtividade. Eles oferecem benefícios emocionais. Essa reconexão com o tempo mais “lento” parece ser a fórmula para uma era marcada pela ansiedade digital e pela lógica do imediatismo.
Segundo Ester, durante as aulas, a aquarela se torna uma forma de meditação ativa. “Durante duas horas de aula, conseguimos colocar o barulho dos pensamentos e a agitação do mundo em modo silencioso. Vejo um aumento na autoconfiança, na paciência, na aceitação e no olhar mais atento aos detalhes. A aquarela nos convida a sermos menos controladoras e a observar o processo com atenção e calma. Além disso, a prática desperta um senso de presença que é raro no dia a dia“, comenta.
E se engana quem pensa que existe uma idade ideal para começar qualquer prática do tipo. “Qualquer momento é válido para começar. Já dei aulas para crianças e para pessoas com mais de 70 anos. A aquarela é gentil com todos, pois respeita o tempo de cada um. E nunca é tarde para despertar ou reencontrar a criatividade“, afirma Ester.