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O futebol e suas lições para a vida

Por assistir as Copas do Mundo desde 1974, já consigo separar erros e acertos das seleções sem emoções afloradas

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O ruim de ficar velho é que você começa, efetivamente, a ter mais história que muita gente. Curiosamente, este também é o lado bom.

Vamos pegar a máquina do tempo e volytar ao passado. Em 1982, o Brasil perdeu para a Itália e não chegou na fase semifinal, eliminada no triangular das quartas, ao lado da Argentina. Na época, a imprensa caiu de pau no time de Telê Santana. Hoje, aquela seleção é considerada, por muitos, como a “melhor de todos os tempos”.

Mas não é uma coisa, nem outra. Era um excelente time, que perdeu quando não podia perder.

Por mais óbvio que seja, muitas vezes o que decide um jogo de futebol é o momento, o detalhe. Por mais que tenhamos organização, estrutura e craques, é o dia do jogo que decide a classificação, o campeonato. Aceitemos isso.

E foi isso que ocorreu na última sexta-feira (9), no jogo contra a Croácia. Um jogo que não era fácil, contra os atuais vice-campeões do mundo, seleção que tem uma estratégia: passar da primeira fase e, depois, se classificar do jeito que der.

Foi assim em 2018, quando a mesma Croácia que passeou pela primeira fase sem tomar conhecimento da Nigéria (2 x 0), Argentina (3 x 0) e Islândia (2 x 1) sofreu com prorrogações e pênaltis contra Dinamarca e Rússia, e com tempo extra contra a Inglaterra, antes de ser derrotada pela França na final. E está sendo assim nesta Copa, com uma primeira fase pior, mas já com duas disputas de prorrogações e penalidades máximas vencidas, contra Japão e Brasil.

A Croácia tem uma estratégia que, até aqui, vem dando certo. Mas sempre tem o detalhe decisivo. Na sexta, a Croácia jogou bem. Travou o Brasil nos primeiros 45 minutos. Aguentou o 0 x 0 por mais 60 minutos, sofrendo com o ataque verde e amarelo. Mas aí veio o detalhe: uma jogada com duas tabelinhas deu certo e, pimba, Brasil 1 x 0. Podia ser aeliminação deles.

Passaram-se mais 11 minutos para que outro detalhe mudasse tudo. Um Brasil, que deveria ter sido cauteloso depois da sofrida vantagem obtida, apostou em atacar, quando defender era melhor – tal como fez em 1982, contra a Itália. No lance do gol croata, a seleção teve várias chances para evitar o contra-ataque, mas não entendeu o que diz um antigo provérbio alemão: “o diabo mora nos detalhes”.

E lá foram os croatas e empataram. Depois, vieram os pênaltis. E o avião da volta, a caça às bruxas, a guerra “estamos eliminados porque o Tite é petista” versus “caímos porque o Neymar é bolsonarista”. E nada de vermos os detalhes, a moradia do diabo, segundo os alemães…

No calor pós-jogo, li que o Brasil perdeu a vaga na semifinal porque resolveu atacar e porque não atacou. Tive vontade rir. Afinal, estava atacando ou defendendo quando a Croácia veio com quatro contra quatro e os detalhes (eles, de novo) acabaram por decretar o empate? Não vou dar spoiler. Reveja o lance.

Só posso adiantar uma coisa, que é de uma obviedade incrível: o futebol é diferente da vida, por isso é tão legal. Na vida, você tendo consistência, o caminho está garantido. No futebol, uma bola vadia decide tudo. É um jogo passional, que cria “entendedores” a cada quatro anos. Ou, como diria o falecido técnico Otto Glória, é um esporte em que o treinador é “bestial em um dia e uma besta no outro”.

Meus olhinhos já torceram por um time treinado pelo saudoso Otto. E já viram, em campo, ao vivo, Pelé, Maradona, Messi e Mbappé, entre muitos outros. O futebol me ensinou que é único por ser imprevisível. Ainda mais em torneios curtos e de fases com mata-mata. Aí quem tem sangue gelado, como os croatas tiveram pela segunda Copa seguida, pode se dar bem.

Voltemos, de novo, a 1982. A Itália daquele tempo é, hoje, um time subvalorizado. Mas levou a Copa invicta, com três empates da primeira fase contra Peru, Polônia e Camarões e vitórias sobre Argentina (campeã do mundo), Brasil (time de espetáculo), Polônia e Alemanha. Vitórias cuja diferença máxima foi de dois gols. Já o Brasil de 1982 é supervalorizado, com quatro vitórias (uma delas suadíssima, contra a extinta União Soviética) e uma derrota. Coisas da paixão, que é cega.

Vamos para 24 anos sem ganhar uma Copa. Bem, o Brasil já ficou 24 anos (1970-1994) sem ganhar uma Copa. Demorou 28 anos (1930-1958) para ganhar a primeira. A Itália esperou de 1938 a 1982 (longos 44 anos) para passar da segunda para a terceira conquista. A Alemanha, depois de esperar 24 anos para a primeira, ficou 20 anos para ganhar a segunda (1974), 16 anos para ganhar a terceira (1990) e mais 24 anos para levar a quarta (a fatídica Copa de 2014).

Ganhar Copa não é fácil. Nem mesmo para os maiores vencedores.

Mas há detalhes (de novo…). Em cada conquista dos campeões, houve o momento da virada de chave. O gol de Jairzinho contra a Inglaterra em 1970; a marcação cerrada em Cruijff em 1974; Paolo Rossi desandando a marcar contra o Brasil em 1982; o impecável primeiro tempo alemão contra o Brasil, em 2014; a cabeçada de Zidane em Materazzi em 2006. Momentos, erros e acertos que decidem jogos. Detalhes…

O ciclo de Tite acabou. Mas se, daqui a quatro anos, Vinicius Júnior e companhia trouxerem a taça, terá dedo dele ali. Foi o cara que ousou escalar uma linha de frente com mais atacantes que marcadores, algo que não ocorria há décadas. Ele é bom? É, mas não é ótimo ou perfeito. Nesta Copa acertou algumas vezes e errou muito. Perdemos. É da vida.

Não defendo ou odeio o Tite e seus comandados. Só que passei a entender melhor, após cinco décadas de vida, o que é o futebol.

E entender o futebol (não “de futebol”, por que isso é ainda mais complicado) é aprender a lição primorosa que ele dá, pelo menos aos brasileiros: foi da tragédia do Maracanã, em 1950, que veio o mito Pelé; foi da derrota pela nossa soberba de 1966 que nasceu o timaço indiscutível de 1970; foi da mediocridade tática de 1990 que floresceu o título com organização e criatividade dos homens de frente de 1994 (hoje, lamentavelmente, desvalorizado pela maioria); e foi da bagunça de 1998 que surgiu a geração de 2002.

E isso é o outro lado encantador do futebol: ele ensina que é uma maravilha. Não só a ganhar a perder. Mas também a sobreviver e a se reinventar. Como já fizemos na seleção brasileira.