Não faz muito tempo que Yvonne Strahovski, que interpreta a bela, implacável e complicada Serena em O Conto da Aia (The Handmaid’s Tale), foi forçada a assistir a cenas iniciais da crueldade de sua personagem. Claro, Serena estava sendo cruel com a heroína que sofre há muito tempo, June (Elisabeth Moss). Não foi uma experiência agradável de reviver.
“Eu estava morrendo. Queria vomitar! Foi horrível”, disse Strahovski em entrevista, ao comentar sobre as filmagens exibidas no painel de um evento. “Voltar e olhar para aquilo foi insuportavelmente chocante.” A essa afirmação, os fãs da série provavelmente responderiam: “Nós sabemos, Serena! Nós mesmos passamos pelo inferno e voltamos, por 56 episódios.”
Estupros. Enforcamentos em massa. Tiroteios. Tortura. Crianças arrancadas de mães, línguas arrancadas de bocas. E mais. O intenso drama do Hulu (no Brasil, disponível pela Paramount+) sobre um estado totalitário que trata mulheres como propriedade, baseado no romance de Margaret Atwood, pode ter sido brilhante. Mas toda essa luz veio da mais completa escuridão. Então louvado seja, fãs leais: os criadores da série sentiram sua dor. Esta, a sexta e última temporada, está diferente.
Ainda será Gilead. Como o sempre citável Comandante Lawrence de Bradley Whitford diria: “Gilead vai Gileadear”. Mas será mais acelerado e mais satisfatório. Haverá catarse e redenção – recompensas por toda essa lealdade dos fãs.
Pode até haver… leveza? Sim. Acredite na própria June. Moss, que não apenas estrela, mas também dirige quatro episódios desta temporada, diz que foi por volta da temporada 4 ou 5 que os criadores perceberam que queriam se afastar “da escuridão excessiva e explícita”.
Claro, a série dificilmente se transformou em uma sitcom. “Não seríamos The Handmaid’s Tale se não tivéssemos esses momentos sombrios”, ela diz. “Seria desonesto.” Mas, nota ela, “queríamos trazer mais leveza e humor.”
É útil nesse sentido a caracterização inteligente de Whitford como Comandante Lawrence, que lança frases memoráveis como “Serena, você está sofrendo de uma deficiência de ironia?” (um trocadilho entre as palavras da língua inglesa irony e iron, que significa ferro).
Whitford confirma as suspeitas de que ele próprio inventou essa. “Eu conto essa piada há anos”, diz ele. “Eu sugeri… e estou muito orgulhoso disso.”
A série também está acelerada. Eric Tuchman, showrunner junto com Yahlin Chang, reconhece que as pessoas começaram a achar a produção “difícil de assistir… e isso era, honestamente, como nós, escritores, começávamos a nos sentir.”
Então, da forma como passou a evitar a crueldade mais extrema, a série também abandonou o que ele chama de “o ritmo mais lânguido” do passado.
“Tínhamos muitas histórias que queríamos contar em dez episódios”, diz Tuchman. “Queríamos que a temporada tivesse uma sensação de momento e fosse propulsiva.”
Agora ou nunca
Chang acrescenta: “Era uma coisa do agora ou nunca – esta é a última chance que temos de contar essas histórias com esses personagens”. Podemos esperar menos olhares infinitos nos olhos lacrimejantes de June. Há coisas a serem feitas. É hora da decisão: você é bom ou mau?
Vários personagens flertaram com o outro lado, moralmente, na série – boas pessoas fazendo coisas terríveis, pessoas terríveis ocasionalmente fazendo o bem. Agora, é hora de todos tomarem uma posição.
“As pessoas não permanecem as mesmas”, diz Moss. “Alguém vai para o lado sombrio, alguém vai para a luz. Mas… você não pode simplesmente avançar, evitando escolher um lado. Em determinado ponto, você tem que escolher.”
Claro que sempre soubemos onde June estava, como a bússola moral do programa – mesmo que muitos espectadores ficassem chocados/perplexos/irritados cada vez que ela voltava para Gilead por vontade própria.
Mas June vai ser June, como Lawrence diria. Quando a deixamos, na 5.ª temporada, June acabara de fugir de Toronto, onde a maré estava virando contra os refugiados de Gilead.
Ela embarcou em um trem rumo a oeste, com a bebê Nichole. Então, ouviu o choro de outro bebê, e acabou que Serena, sua antiga torturadora em Gilead, também estava lá, com seu próprio bebê. “Tem uma fralda?”, Serena perguntou. Embora o que ocorra nessa viagem seja um spoiler, é seguro dizer que a relação entre June e Serena permanece… Espinhosa.
Redenção
A própria Strahovski não tem certeza se Serena pode se redimir. “Ela se suavizou. Fez escolhas redimíveis. E se houver algum momento mais redimível, pode ocorrer nesta temporada”, Strahovski adverte, completando: “Não sei se alguma coisa disso é totalmente perdoável”.
E então temos Tia Lydia. O próprio nome provoca terror para aqueles que se lembram das coisas horríveis que ela fez com aquelas aias. Mas Lydia já está mostrando sinais de mudança. (Ela também será central em uma sequência futura, The Testaments, baseada em um romance posterior de Atwood.)
Ann Dowd diz que tudo se resume ao amor – por Janine, sua aia favorita. “O amor muda tudo”, diz Dowd. “É a coisa mais poderosa do mundo.”
Os atores de O Conto da Aia também mudaram. “Esse papel realmente me empurrou para cantos que eu nunca imaginei”, conta Strahovski. “Isso me fez uma atriz melhor, 100%.”
Quanto a Moss, ela diz que toda a sua vida profissional mudou nesta série. Não apenas como atriz, mas como diretora e produtora. “Para mim, isso foi enorme”, afirma. “Eu amo muito atuar, mas eu precisava de algo mais para me dedicar… Eu queria estar mais envolvida em todos os aspectos do que fazemos, e eu aprendi muito.”
Atualidades
O Conto da Aia Tale estreou em 2017, seis meses antes de o movimento #MeToo explodir. Em 2022, Roe vs. Wade (a decisão que assegurou o direito ao aborto nos Estados Unidos) foi anulada.
“Como mulher, agora tenho menos direitos do que quando comecei no programa”, diz a showrunner Yahlin Chang. “Eu nunca pensei que perderíamos Roe vs. Wade, mesmo trabalhando no programa… E isso realmente começa a se infiltrar em nossa escrita.”
Whitford menciona o dilema das vítimas de estupro grávidas “que não têm acesso a contracepção ou cuidados com aborto, ou ao atendimento médico de que precisam.” “Certamente está em nossa consciência”, diz ele. “É uma razão pela qual você precisa de uma série como esta, sobre resistência.”
Quanto a Moss, ela prefere citar a contínua relevância da história de Atwood, 40 anos depois do lançamento do livro que deu origem à série. “Claro que tinha uma relevância que não se podia ignorar em 2017”, ela diz. “Mas eu não sei em que época esse livro e esse material não foram relevantes… Você olha para o programa e pensa, ‘Deus, eles estão tentando fazer essa conexão?’ Não, eu acho que estamos apenas tentando ser honestos e contar a história dessas pessoas neste lugar, e acontece de ser algo incrivelmente relevante e presente.”