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O Brasil está carente de bossa nova

Depois de décadas intoxicado por uma televisão aberta que não está à sua altura, propositora de valores sem valor nenhum, o Brasil viu as epidemias do sertanejo e do funk romperem, como uma horda de blindados russos, todas as fronteiras do bom gosto e da sofisticação, relegando ao ostracismo aquela velha bossa que se tornaria a nossa mais que extraordinária bossa nova.

A lei suja do mercado e o cifrão gordo do jabaculê impuseram às novas gerações de brasileiros o parvo sertanejo dito “universitário” ou a vulgaridade obscena do funk a desdenhar do axioma de Miguel de Cervantes de que “onde há música não pode haver coisa má”.

Que reclamem os que se sintam ofendidos com o meu urro de indignação, mas reivindico o direito de colocar o dedo em riste na cara desses “comunicadores”, Faustões et caetera, que com suas programações chinfrins trouxeram para a boca de cena essa porcariada toda disfarçada de “música”…Não é por acaso que neste país os dez maiores salários da televisão sejam pagos a mascates de lixo cultural!

E como tudo isso foi possível? A desculpa recorrente é a de que o povo gosta de porcaria…Gosta nada!! O problema é que o povão não tem acesso ao que presta pois só conhece a “canja-de-galinha-fria” da nossa televisãozinha aberta.

Isso é ainda mais grave quando se sabe que televisão é concessão do Estado!! Não dever-se-ia obrigá-la à contrapartida de interesse público?! Mas o Estado, além de omisso, é mesmo promíscuo nesta relação, alimentando com dinheiro dos nossos impostos o desvario cultural. E os resultados são assustadores: hoje, por exemplo, 75% dos cariocas de quinze anos não sabem mais quem foi Tom Jobim… chega a ser inacreditável que, na cidade berço da bossa nova, cometeu-se mesmo a estupidez de versar dinheiro do contribuinte para promover o…FUNK !! Justamente o funk que, como os pombos urbanos, não precisa de nenhum estímulo para proliferar…

Diante dessa realidade, ouvindo nossas crianças cantarem a chulice dos refrãos contemporâneos, ter esperança é quase um ato revolucionário… Seria ainda possível sonhar com um país onde Francis Hime e Marcos Valle sejam mais conhecidos do que Anitta? Ou que as harmonias mágicas de Tom e Lyra substituam a overdose diária dessas duplas de chapéu texano e botas de pular-brejo?

Enquanto aqui chafurdamos no funk e no sertanejo, no primeiro mundo Henry Salvador, Lisa Ekdahl, Stacey Kent, Diana Krall, Madeleine Peyroux, Ella Fitzgerqld, Sarah Vaughan, Oscar Petersson, Frank Sinatra, Diana Krall, Joan Chamorro, Arpialto, Perpetuum Jazzile e tantos outros mamaram e mamam copiosamente nas tetas generosas da nossa velha e sempre jovem bossa nova.

Para mim, o remédio para esse mal seria a nossa grande música ser matéria obrigatória nas escolas públicas! Tão urgente quanto a matemática e o português, dever-se-ia estudar e escutar Tom, Vinícius, Lyra, João Gilberto, Nara, Astrud, Johny Alf, Bôscoli e seus herdeiros Edu, Djavan, Chico, Caetano, Gil… Ah, imaginem só que Brasil seria esse…!! Nesses tempos de submissão patológica à internet, a obrigatoriedade de ouvir em escola esses trovadores de exceção embalaria melhor os nossos pequenos e formaria adultos mais sofisticados. Isso sem contar no papel que exerceria na preservação deste patrimônio imaterial que coloca o Brasil no “sommet” do mundo civilizado. Seja em Paris, Londres, Roma ou Tokyo, a nossa velha bossa seduz como nunca ouvidos embevecidos por esse “som” que vem d’além mar.

Enfermo de uma imensa saudade de cinquenta anos atrás, quando já estávamos cem anos à frente de hoje em dia, interrogo a mim mesmo: quantos ministros da cultura serão ainda necessários para descobrir esta obviedade? Quando a escola pública vai engajar-se nessa romanesca aventura e a televisão, sob o peso da lei, comprometer-se com o que presta?

A grande música brasileira é identitária e precisa ser objeto da atenção do Estado!

Ouso daqui mandar um recado ao presidente Lula: presidente, urge um SUS para o estado comatoso da nossa grande música brasileira.

Foto: Robert Zuckerman

*Antonio Veronese é um pintor ítalo-brasileiro que se divide entre o Brasil e a França. É autor de obras como ‘Tensão no Campo’ ( Congresso Nacional); ‘Famine’ (FAO, Roma) e ‘Save the Children’ (símbolo dos 50 anos das Nações Unidas). Com mais de 70 exposições individuais em todo o mundo, Veronese é considerado pela crítica francesa como “um dos dez pintores vivos que já deixaram seus rastros na história da Arte”.

Antonio Veronese

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