Reportagem especial de João Pedro Nunes
Desde sua criação, há mais de 40 anos, a comercial das quadras 205/206 Norte chama a atenção pelo seu estilo único, se comparado com as demais do Plano Piloto. Justamente pela sua arquitetura diferente, o local recebeu o apelido de “Nova Babilônia”, em alusão ao antigo império.
A quadra foi projetada pela arquiteta Doramélia da Motta e inaugurada em 1979, com várias peculiaridades, como um túnel subterrâneo interligando os dois lados da comercial, os arcos geométricos e o comércio virado para a parte residencial, e não para entrequadra.
As quadras da Asa Norte, diferentemente das da Asa Sul, não seguiram uma uniformidade de ocupação, previsto no projeto original de Lúcio Costa. A 205/206, no entanto, segue o modelo de uniformização da Asa Sul, mas com um projeto totalmente distinto, tanto na ocupação, como na volumetria.
A ideia de Lúcio Costa definia, a princípio, a fachada principal voltada para a parte residencial, mas que foi abandonada ainda na ocupação da Asa Sul. Na Asa Norte, todos os blocos isolados têm fachadas viradas não apenas para as superquadras, como também para as ruas, o que atrai clientes que passam pelas calçadas.
No momento de elaboração, o projeto das comerciais foi planejado para atender as necessidades dos clientes da maneira mais eficiente possível. A ideia inicial era ter os serviços essenciais como farmácias e padarias, lavanderias e, até mesmo, um posto dos Correios. Já no segundo andar, estariam os serviços secundários, como consultórios, escritórios, gráficas, etc.
As coberturas, por sua vez, seriam áreas de lazer, mais reservadas e bastante arborizadas. Esta é uma das únicas partes do projeto que foi cumprido, além dos jardins suspensos (origem do nome “Babilônia”) e bares, que ajudam a animar o local, criando um ambiente confortável para quem frequenta o espaço.
De impopular para cult
Inicialmente, a quadra não teve aceitação da população, principalmente por possuir um caráter distinto. Porém, com o passar do tempo, o aspecto se tornou mais atraente, possuindo um caráter vanguardista, progressista e liberal na ocupação, o que chamou a atenção de arquitetos, artistas e empreendedores do meio criativo.
Na opinião do arquiteto Daniel Mangabeira, uma das referências em patrimônio histórico de Brasília e ex-presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do DF (CAU-DF), a particularidade da quadra é a unicidade que ela apresenta, e não necessariamente a qualidade de sua arquitetura.
“A visão crítica da autora se sobrepôs a questões estéticas e transcendeu seu uso, impondo um novo conceito de uso comercial que é bem positivo no meu ponto de vista. Hoje, com a multiplicidade de ocupações, de comércios e usos, é extremamente benéfico para a cidade termos um exemplo que transgrediu a lógica de ocupação comercial”, relatou.
Por um período de tempo, a quadra passou a impressão de estar “abandonada”, em razão da falta de cuidados e a ausência aparente de estabelecimentos no local. Porém, a comercial passou por um processo de revitalização nos últimos 15 anos, com o intuito de trazer de volta à “vida”, e devolver o movimento para o lugar.
O pet shop Armazém Rural, por exemplo, foi uma das primeiras lojas a abrir na quadra no processo de reocupação, juntamente com uma academia. Recentemente, também inauguraram pelo menos dois bares na comercial, além de uma hamburgueria (Rico Burguer), para promover mais movimentação no espaço.
Segundo Adriana Tavares, que trabalha no pet shop há três anos, as movimentações na quadra ainda são baixas, em decorrência da pouca quantidade de comércios no lugar. Contudo, afirmou que o movimento melhora de noite, com a início do funcionamento dos bares. Adriana relata também que não acha a disposição da comercial prático, pelo fato de as lojas ficarem “escondidas” da rua.
“Não gosto muito da ideia da quadra, acho que a ideia deixa as lojas pouco visíveis. Quando alguém vai passar aqui, a referência é ‘aquela quadra estranha’, porque se não a pessoa passa reto e nem percebe que tem lojas nesses prédios”, argumenta.
Outro estabelecimento que foi aberto no local é o escritório de arquitetura Casulo. A dona do local é a arquiteta Camila Abrahão, que relatou um movimento por parte das outras pessoas envolvidas com a comercial para cuidar da quadra que havia sido “deixada de lado”. Segundo ela, o movimento faz a manutenção dos prédios de uma forma a manter o design original, para que a quadra sobreviva de uma forma saudável.
Camila conta também que, apesar de o fluxo de pessoas ser menor em razão do posicionamento das lojas, as peculiaridades arquitetônicas da comercial são interessantes para o funcionamento da quadra, como a passarela subterrânea que permite o trânsito entre os prédios sem precisar atravessar a rua.
“Antes da abertura dos bares, acho que a passagem era insegura, principalmente de noite, mas o aumento do movimento acabou deixando o trânsito entre os prédios pela passarela menos perigoso. Costumo passear com meu cachorro por lá, para evitar a rua, e me sinto segura, por sempre ter movimento em volta”, relatou.
*A reportagem integra uma série especial do GPS em homenagem aos 63 anos de Brasília. A publicação do conteúdo, na visão editorial do portal, tem o objetivo de difundir e de eternizar as histórias sobre a nossa capital federal.