Fotos: Vanessa Castro
Visionário. É assim que os filhos de Antônio Hilário de Souza, o fundador do parque de diversões Nicolândia, descrevem o patriarca, falecido em 2001. Responsável por idealizar e erguer o patrimônio dos sonhos no Parque da Cidade em 1978, seu Nico, como era conhecido, trocou as roletas de cassino por montanhas-russas e investiu no carisma com as crianças para dar vida ao mais lúdico cartão-postal de Brasília. O business, ainda familiar, resiste ao tempo e atrai mais de mil visitantes ao dia.
O homem por trás das luzes pirotécnicas e dos brinquedos marcados no imaginário brasiliense nasceu em uma família humilde de Mariana, no interior de Minas Gerais. Obstinado a usar a imaginação fértil para ascender, o caçula de quatro filhos deu o primeiro passo para a construção do parque onírico no início da vida adulta, ao embarcar para o Rio de Janeiro e tão logo começar os trabalhos no ramo do entretenimento. Inicialmente, seu Nico caiu no breu empesteado por cigarro dos cassinos.
Anos se passaram, mas a avidez dele por dias menos cinzentos permaneceu. Após tomar fôlego como empreendedor na noite, o mineiro ganhou dois brinquedos em um acerto de contas e apostou as fichas no jeito com as crianças para abrir o próprio parque temático, em princípio itinerante. O playground rodou o Brasil até estacionar em Goiânia. A parada despretensiosa na capital de Goiás viria a definir o futuro do sonhador e, de certa forma, do Parque da Cidade em Brasília.
Se pode sonhar, pode fazer
O lema de Walt Disney, para um encantador de crianças como seu Nico, convém. Na cidade vizinha ao Distrito Federal, o mineiro conheceu o amor da vida, dona Maria, e tomou conhecimento da data de inauguração da nova e promissora capital do País. O empresário acreditou em Brasília e sonhou junto com Juscelino Kubitschek, tomando a decisão de concretizar dois dos desejos mais latentes no coração do Planalto Central: constituir família e fixar o parque de brinquedos.
Entre altos e baixos dignos de montanha-russa, com passagens velozes por lugares como o estacionamento da Torre de TV e o da Igrejinha, o Nicolândia de seu Nico foi inaugurado oficialmente na mesma data em que foi o Parque da Cidade, há 45 anos. “Foi uma correria até a inauguração. Estreamos com dez brinquedos, em uma Brasília ainda em construção”, rememora a viúva Maria, hoje com setenta anos. Ela admite sempre ter dado pitacos no negócio do marido, com quem viveu por três décadas.
O centro de recreação, então, mudou de lugar novamente, mesmo sem sair do parque. A alteração para mais perto do Parque Ana Lídia, onde permanece até hoje, foi essencial para o deslanchar da empresa, nas palavras de dona Maria. A sugestão do ponto mais chamativo para as crianças e de fácil acesso, inclusive, foi dela. Já expandido ao limite, o playground ocupa 17 mil metros.
Mãe de Marcelo e Marco Antônio, de 52 e 47 anos, respectivamente, a goiana criou os filhos pelos “corredores” do Nicolândia. “Marcelo chegou a tomar um choque na infância ao brincar descalço nos trilhos do trem fantasma”, conta, afirmando que as normas de segurança felizmente endureceram com o tempo, sobretudo com a chegada da ABNT NBR 15.926, em 2011. A regra regulariza o uso de brinquedos em parques de diversões no Brasil, assegurando o bem-estar dos visitantes e resguardando a empresa em caso de eventuais acidentes.
Novo Nicolândia
Seu Nico frequentou e lapidou o império até os últimos dias de vida, ciceroneado por Maria e os dois filhos. Ele faleceu aos 87 anos. Marcelo e Marco, por escolha, nunca tiveram outro emprego. Aprenderam a força do trabalho no “quintalzinho de casa”, observando o pai. “Vital ter muito amor e dedicação pelo parque, que funciona nos piores dias para se trabalhar: sexta, sábado, domingo e feriados”, pondera o caçula. O local ainda abre de terça a domingo durante as férias escolares.
Recentemente, graças ao empenho dos sucessores, a empresa modernizou os brinquedos — alcançando a marca de 32 atrações — e passou por um rebranding. No aniversário de Brasília de 2023, ganhou o nome de Novo Nicolândia, além de um logo diferenciado com o emblema de um quadradinho, em referência ao formato do DF. “Somos um dos parques de diversões mais longevos do País e temos orgulho da nossa capital”, exclama o primogênito.
Importados da Itália, os brinquedos do Nicolândia recebem manutenção e são personalizados por uma equipe local. Destaque para a atração radical 360, único exemplar da América Latina. Mas a mais emblemática é a suntuosa roda-gigante, claro. O playground emprega 120 pessoas e o mais antigo funcionário ostenta 30 anos de casa.
O maior looping enfrentado pela empresa até então foi a pandemia de Covid-19. A sobrevivência do negócio só foi possível graças ao Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), um auxílio do governo voltado aos setores de entretenimento e turismo. Sob risco de interrupção, o salva-vidas ainda está em vigor.
Cinquentenário e atração aquática
O Nicolândia já iniciou os preparativos para a festa de 50 anos. Em 2028, além de ações diversas, deve receber a primeira atração aquática, um investimento astronômico. A boa-nova é revelada com exclusividade à GPS. O fator novidade somado ao clima seco da capital federal parecem ser a receita para o sucesso, e é nisso que os proprietários apostam.
Outros lançamentos ainda devem ser trazidos até lá, haja vista que a vida útil de megabrinquedos é reduzida. “O público também gosta e precisa de novidades. Reunimos diversas faixas etárias de uma mesma família no nosso parque justamente por sabermos mesclar bem os brinquedos clássicos, como o tobogã, com os mais radicais, a exemplo do Super Frisbee”, declaram, em coro, Marcelo e Marco.
De lá de cima, apesar das ofuscantes luzes das atrações mais modernas tentarem roubar a cena, seu Nico de certo está orgulhoso, sobretudo ao ver a terceira geração do clã de mangas erguidas no playground. De geração em geração, os bisnetos Marcelo Henrique, Luana Maria e Marco Antônio Filho já atuam no parque.
@nicolandiaparqueurbano
www.novanicolandia.com.br
*Matéria escrita por Bruna Nardelli para a revista GPS 39
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