A corrida, cada vez mais popular entre os brasileiros, atrai pessoas em busca de saúde e até superação pessoal e bem-estar emocional. Mas o que muitos não veem nas fotos de medalhas e nas postagens de pódio é a rotina e os desafios enfrentados por quem decide encarar quilômetros como estilo de vida. Por trás do ato aparentemente simples de correr, existe uma preparação complexa, que envolve muita disciplina, planejamento, cuidado físico e equilíbrio emocional.
O nutricionista e educador físico Lucas Resende destaca que o sucesso na corrida está na construção diária de hábitos consistentes. “Disciplina, constância e paciência. Um bom desempenho é construído no dia a dia, com regularidade nos treinos, descanso de qualidade e alimentação coerente com a prática da modalidade”, afirma. Para ele, mais do que depender de motivação, é preciso comprometimento: “Não é só correr — é fazer o que precisa ser feito mesmo quando a motivação oscila. O que não é fácil para alguém que não ganha para treinar/competir, pelo contrário, nós atletas amadores pagamos para isso”, ressalta sobre os custos que o universo da corrida traz.
A jornalista Danila Bernardes, corredora amadora há oito anos, vive essa realidade. Atualmente ela segue uma planilha de treinos enviada por um grupo de corrida, que organiza suas atividades semanais com variações entre treinos longos, tiros, velocidade e regenerativo. “Concílio esses treinos com outras atividades físicas, como crossfit e um pouco de musculação“, conta. Ela admite que gostaria de ter um acompanhamento mais personalizado, mas que, no momento, mantém o que é possível financeiramente.

Foto: Arquivo pessoal
Lucas compara treinar sem planejamento com viajar sem um mapa e diz que o papel de uma assessoria de corrida é essencial. “Uma assessoria traça o caminho mais eficiente, evita excessos e lesões, e adapta a preparação conforme a rotina e objetivos do aluno“, avalia. De acordo com ele, além de só seguir uma planilha, fazer parte de uma comunidade faz a diferença.
Daniela começou a correr em um momento de dificuldade pessoal, para aliviar crises de ansiedade. “A corrida me salvou dessas crises“, lembra. Aos poucos, foi se dedicando mais e começou a obter bons resultados. Hoje, chama a corrida de “complemento da terapia”.

Foto: Arquivo pessoal
Como os corredores se alimentam?
A alimentação é outro pilar importante na preparação. Para Lucas, estratégias como o famoso “macarrão na véspera” podem funcionar, mas precisam ser adaptadas a cada atleta e tipo de prova. “Frutas, arroz, batata, pães e até bebidas esportivas ou géis carboidratados têm papel importante”, diz, lembrando que cada um funciona de um jeito diferente, por isso é tão importante ter um acompanhamento profissional, principalmente de um nutricionista.
Mesmo sem seguir uma dieta rígida, Danila prioriza alimentos mais naturais no dia a dia e faz ajustes antes das provas. “Como um carboidrato, proteína e durmo cedo. Mas, no dia mesmo, se a corrida for pela manhã, só me hidrato e como uma banana. Sempre levo gel de ‘carbo’ para ir tomando no percurso. E, depois da prova, como igual uma capivara raivosa“, brinca.

Foto: Arquivo pessoal
A água é sempre bem-vinda, segundo o nutricionista; de 15 a 20 minutos, 150 a 200ml são suficientes para te manter bem hidratado durante a corrida. “Já provas acima de 1h exigem reposição de carboidratos. A orientação geral é incluir o macronutriente em gel, bebida ou alimento leve”, explica Lucas.
Outro ponto fundamental na preparação do corredor é o descanso. “Priorize noites bem dormidas nos três dias anteriores à prova. Noite pré-prova costuma gerar mais ansiedade, então, o acúmulo de descanso antes dela é estratégico“, recomenda o profissional, que alerta também sobre o risco de atividades antes, até mesmo as mais leves como as caminhadas.
Durante a prática, ele explica que é preciso saber lidar com imprevistos, já que sempre farão parte do processo: “Corrida é adaptação. Se o calor subir, reduza ritmo e priorize hidratação. Treinar o plano B é parte essencial da preparação.”
Desafios
A jornada de Danila incluiu momentos difíceis. No ano passado, ela sofreu uma tendinopatia no glúteo após se preparar para uma meia maratona. “Justamente porque estava fraco”, reconhece. Desde então, passou a incluir mais treinos de fortalecimento e liberação com fisioterapeuta. “Hoje tomo mais cuidado, inclusive com treinos mais leves. Além disso, eu faço liberação com uma fisioterapeuta, semanalmente. Cuido da alimentação e tomo creatina para recuperação muscular.”
Danila logo colheu frutos disso. Voltou a correr após a lesão e completou uma prova de 10 km com medo, mas sem dor. “Consegui realizar a prova sem desconforto e com excelente resultado“, conta.

Foto: Arquivo pessoal
Lucas destaca que o aspecto emocional é tão importante quanto o físico, por isso ele recomenda trabalhar a autoconfiança, acreditar no processo e se cercar de pessoas positivas.
Para isso, Danila tem uma frase que repete para si mesma em dias difíceis: “Já me decepciono com tanta coisa na vida, não posso ser mais um motivo de decepção pra mim mesma. Não posso falhar comigo.”
No entanto, os dois também concordam que muitos iniciantes erram ao desejar resultados imediatos. “Querer correr demais, cedo demais, pode gerar prejuízos no processo“, alerta Lucas, enquanto Danila reforça a importância de correr com leveza e prazer.
“Eu diria para não pensar em resultado, esquecer a tal da performance. Para encarar a corrida como o momento de extravasar os pensamentos, de viajar, de se conectar consigo mesmo, de aproveitar a paisagem ou a companhia de alguém. Se divirta, ou não terá sentido.”
Entre as conquistas mais marcantes da jornalista está sua primeira meia maratona. “Consegui terminar em segundo lugar na categoria por idade. Foi uma grande conquista por causa de todo percurso. Chorei muito, na chegada.”