Na vida, há pessoas que te marcam profundamente. E talvez você nem precise ter contato diário com elas. Eu, por exemplo, nunca trabalhei com o Sérgio Amaral, diretor de jornalismo da Band Brasília. Mas ele conseguiu me mudar. Para melhor. Nesta quarta-feira (7), Serginho terminou sua missão na Terra. Aos 66 anos, acabou sua luta contra um câncer, que durou cinco anos. Para tristeza de seus amigos e, especialmente da Márcia, sua mulher; do Henrique, do Renato e da Marília, seus filhos; e da Luna, sua neta, por quem era apaixonado.
Durante bom tempo, tive conversas semanais com ele. Atleticano roxo, era ponderado e bom ouvinte. Honrava a tradição mineira. Ali falávamos de vida, de reconstrução, de novos objetivos e, sobretudo, do limitado controle que podemos ter de nossas vida. Um pouco mais velho que eu, ouvia minhas angústias típicos dos homens acima dos 50 anos, entre copos de água mineral sem gás – sim, jornalistas podem ser amigos bebendo água. E aprendemos muito, com leituras conjuntas, naquelas manhãs de sábado.
Quando tive de me afastar do nosso grupo, por motivos alheios à nossa vontade, ele não titubeou e, junto a outras pessoas iluminadas, não deixou o barco perder o rumo. Era grande. Aliás, era um sujeito gigante e imortal.
Se nas relações pessoais e humanas ele era assim, na profissão seguia a mesma filosofia. Mesmo diretor de importantes veículos, em pouco tempo deixava de ser o Sérgio para ser o Serginho, e logo virava um amigo das antigas. Havia quem o chamasse de “_doutor_”, pois ele também chamava alguns assim. Não aquele “_doutor_” cheio de pompa, mas um íntimo e próximo “_doutor_”, uma parceria em que ele, seus comandados e seus amigos se tornavam mais parceiros nos relatos históricos.
Foi assim que ele esteve nos principais fatos políticos das últimas décadas. Não havia pauta dificil. Fim do ciclo militar, redemocratização, Constituinte de 88, planos econômicos, Real, impeachments presidenciais, PC Farias, eleições… Tudo era fácil na cabeça articulada de um homem que adorava a política, mas que não tinha o menor apreço pela politicagem. Nascido profissionalmente, assim como eu, nos tempos da máquina de escrever e das rudimentares câmeras dos anos 1980 e 1990, tinha o olhar claro, que desmistificava. E sabia evoluir ao longo dos tempos, sem perder de vista um lema: jornalismo bom é o que alcança o povo. “_Doutor, doutora, pensa na dona Maria!_”, dizia, quando um texto não era claro para todos.
Falava com presidentes, ministros e governadores do mesmo jeito com que batia papo com seus amigos. Dos primeiros, extraía informações. Dos amigos, companheirismo. Nunca recusou-se a dividir uma de suas fontes. Era um homem sem a vaidade mundana. Bondoso, leal e acessível são adjetivos mínimos. Eu prefiro dizer que se tratava de um homem grandioso por sua simplicidade e companheirismo, que o levou, em mais de 40 anos de jornalismo, a dirigir empresas como SBT e Record TV. Desde 2011, estava no Grupo Bandeirantes, onde foi diretor de jornalismo da TV Band, em Brasília.
No processo eleitoral deste ano, estive com ele nas reuniões prévias dos debates. A conversa, lógico, sempre se estendia um pouquinho a mais. Depois do pleito, voltei a vê-lo no final de outubro, em sua casa. Nunca desistiu de se curar do câncer. Passou os últimos cinco anos em busca daquilo que realmente é a cura: autoconhecimento, alquimia da alma, conquistas humanas e mentais. E, por isso, sua morte não encerra sua vida. Abre, sim, um ciclo de memórias e de histórias de um homem que nunca se envaideceu por estar na tela, na mesa de debates do Canal Livre ou em qualquer programa de TV. Afinal, Serginho gostava mais da camisa do Galo das Alterosas que do terno e da gravata, que também sabia envergar com igual elegância.
No fim, Sérgio Amaral deixa um legião de fãs – amigos, conhecidos, políticos, telespectadores. Mas nunca será o fim, pois o Serginho é maior que a morte. Nestas horas, me socorro com a frase de Chico Anysio. Perguntado se tinha medo de morrer, certa vez, o homem das mil caras e vozes afirmou que não. “_Eu tenho é pena_”. Chico estava certo. É uma pena, para este mundo, estarmos sem o Serginho. Mas um dia a gente se encontra, amigo!