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Mídia estatal da Turquia projeta vitória de Erdoğan nas eleições

No poder desde 2003, revezando-se nos cargos de presidente e primeiro-ministro, ele vai governar o país por mais cinco anos

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O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdoğan, de 69 anos, venceu a eleição e vai governar o país por mais cinco anos, estendendo seu poder até 2028. Erdoğan está no poder desde 2003, entre mandatos de primeiro-ministro e presidente. A projeção é da mídia estatal da Turquia.

 

Vitorioso nas urnas três vezes como premiê e outras duas como presidente, após promover mudanças nas regras eleitorais e na Constituição, Erdoğan tem 52,1% dos votos, à frente do adversário, Kemal Kiliçdaroglu, 74, que tem 47,8%. Os números são divulgados pela agência de notícias estatal, a Anadolu.

 

Apesar de ter sido a disputa mais acirrada da história política de Erdoğan – é a primeira vez que uma eleição presidencial vai para o segundo turno no país -, o presidente turco reeleito teve 26 milhões de votos, 3 milhões a mais que seu adversário. Erdoğan dominou a votação no centro do país, assim como o Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP), liderado por ele, e que obteve votação expressiva nas eleições parlamentares duas semanas atrás.

 

O adversário de Erdoğan, Kemal Kiliçdaroglu, ainda não se manifestou sobre o resultado. À frente de uma coalizão de seis partidos, ele votou em Ancara, capital do país, onde convidou os seus apoiadores a permanecerem próximos das urnas após o encerramento da votação, para acompanharem a contagem.

 

Os dois candidatos votaram perto das 12h (6h, em Brasília), ambos acompanhados pelas mulheres. Tanto Erdoğan, em Istambul, quanto Kiliçdaroglu, em Ancara, pediram que os eleitores fossem às urnas, diante de um clima aparentemente mais tranquilo em comparação com o primeiro turno, quando foi registrada afluência de 88%.

 

Assim que a votação foi encerrada, às 17h locais, o atual presidente agradeceu aos eleitores no Twitter e instigou os partidários a “cuidarem das urnas até o resultado final”, na observação da contagem de votos. “Agora é hora de proteger a vontade de nossa nação até o último momento”, escreveu.

 

O resultado indica que a crise econômica, que alimentou as esperanças da oposição de derrubá-lo, é uma pauta em segundo plano para a maioria dos turcos. Principalmente sua base eleitoral coloca os interesses nacionais em primeiro lugar, em uma pauta identitária que muitas vezes coincide e se funde com a do Islamismo, que esteve na origem da carreira política do líder conservador.

 

De acordo com a rede al-Jazeera foram reportados ataques a observadores eleitorais, cédulas pré-preenchidas com votos em Erdogan e pessoas sendo impedidas de votar. O presidente do Conselho Eleitoral Supremo da Turquia, Ahmet Yener, disse, no entanto, que a votação não foi prejudicada. “Não houve nenhuma situação negativa que tenha sido refletida em nosso conselho e que tenha impactado o processo de votação”, afirmou, a repórteres.

 

Turquia rumo à autocracia

A votação expressiva agora deve consolidar o domínio de Erdoğan na vida pública da Turquia, um país estrategicamente localizado entre o Ocidente e o Oriente, membro da Otan, mas cortejado pela Rússia e pela China. Para analistas, a vitória deve dar controle ainda mais firme de Erdogan e seu governo cada vez mais autoritário.

 

“Erdoğan tem apoio dos setores conservadores e religiosos do eleitorado de 64 milhões de pessoas, e é reconhecido como o homem forte que posicionou a Turquia como protagonista na geopolítica e deu voz ativa aos religiosos”, afirmou diz Soner Cagaptay, que chefia a pesquisa sobre a Turquia no Washington Institute, organização de pesquisa política, e é autor do livro “Um sultão no outono”, sobre as mazelas do período Erdogan no poder.. “Essa concentração de poder, que começou coma reforma que acabou com a figura do primeiro-ministro e se estendeu com a perseguição política de adversários, deve aumentar ainda mais agora”.

 

A campanha de Erdogan se concentrou nos avanços que ele disse que a Turquia conseguiu sob seu governo, como um país modernizado por megaprojetos como pontes e aeroportos e uma potência global independente que produzia suas próprias armas militares. Ele também atacou ferozmente a oposição, alegando que eles eram apoiados por grupos “terroristas”, no que analistas disseram ser um sinal de desespero, já que ele flertou com a derrota pela primeira vez em anos.

 

Em uma tentativa de atrair os eleitores duramente atingidos pela inflação, Erdoğan aumentou os salários e as pensões e subsidiou as contas de eletricidade e gás, ao mesmo tempo em que apresentava a indústria de defesa e os projetos de infraestrutura da Turquia.

 

A resiliência do presidente turco, quando consecutivas pesquisas previam sua derrota, denota o controle sistemático de seu partido sobre os meios de comunicação e os tribunais do país (a Freedom House, entidade que classifica o estado da democracia nos países, baixou a colocação da Turquia de “parcialmente livre” para “não livre” em 2018).

 

Mas o autoritarismo vai muito além de votos e tiros. Televisão, música, monumentos e memoriais foram as principais alavancas de um projeto político: uma campanha de ressentimento cultural e renascimento nacional que culminou em maio, nos carpetes azul-esverdeados instalados sob a abóbada de Hagia Sophia.

 

Fora da Turquia, essa reviravolta cultural é com frequência descrita como “islamista”, e Erdogan e seu Partido Justiça e Desenvolvimento, conhecido como AKP, realmente passaram a permitir expressões de religiosidade anteriormente banidas, como as mulheres cobrirem o cabelo com véus dentro de instituições públicas.

 

Mas esta eleição sugere que o nacionalismo, não a religião, pode ser o verdadeiro fio condutor da revolução cultural de Erdoğan. Suas celebrações do passado otomano – e o ressentimento dos que supostamente o odeiam, seja no Ocidente ou dentro da Turquia – caminham ao lado de esforços nacionalistas não relacionados com o Islã.

 

O país organizou campanhas agressivas pela devolução de antiguidades greco-romanas levadas para museus no Ocidente. Equipes estrangeiras de arqueologia tiveram permissões de trabalho canceladas. A Turquia se posiciona na vanguarda obscura de uma tendência vista por toda parte hoje, principalmente nos Estados Unidos: uma política cultural de ressentimento perpétuo, quando a indignação é mantida mesmo após a vitória.

 

Crise econômica à vista

O índice de inflação na Turquia está em 44%. Os consumidores têm visto seus salários comprar cada vez menos comida, e agora, gastos do governo em benesses e esforços para sustentar o valor da moeda ameaçam o crescimento econômico e poderiam empurrar o país para a recessão.

 

O desafio será duro para Erdoğan. “A economia relativamente forte dos trimestres recentes foi produto de políticas insustentáveis, portanto muito provavelmente haverá contração ou recessão”, afirmou Brad Setser, especialista em comércio global e finanças do Council on Foreign Relations.

 

“Os trabalhadores turcos se sentirão mais pobres quando o valor da lira cair”, afirmou ele sobre a moeda local. “As pessoas terão mais dificuldade de encontrar emprego para ganhar um salário que cubra o custo de vida.”