Bento Gonçalves (RS) – Confesso que não me contive em sorrir discretamente toda vez que via alguém parar em frente ao estande com uma expressão de surpresa: “Brasília faz vinho?”. A reação era imediata diante da placa com letras garrafais anunciando “VINHOS DE BRASÍLIA” sobre a bandeira do Distrito Federal. Sim, Brasília faz vinho — e mais do que isso: faz vinho bom, com identidade e personalidade.

Foto: Cesar Silvestro/Vagão Filmes
Na sua primeira participação na Wine South America, a maior feira de vinhos da América Latina, realizada em Bento Gonçalves (RS), a capital federal estreou com o pé direito: nove vinícolas locais (Brasília, Ercoara, Triacca, Miro, Oma Sena, Marchese, Alto Cerrado, Casa Vitor e Hórus), cerca de 70 rótulos e muita curiosidade dos especialistas. E eu, como brasiliense apaixonada por vinho e pela minha cidade, estive lá para ver – e provar – tudo de perto.

Nove vinícolas do DF participaram da Wine South America (Foto: Divulgação/Setur-DF)

Foto: Cesar Silvestro/Vagão Filmes
Uma estreia marcante para uma região jovem
Com vinhedos jovens, com cerca de sete, oito anos, Brasília não tem clima frio o ano inteiro, não tem neve nos vinhedos e não tem tradição centenária. Mas tem altitude, insolação intensa, amplitude térmica no inverno seco e uma técnica que vem mudando o jogo: a dupla poda.
“Brasília talvez seja o terroir mais jovem do Brasil, mas já se destaca pela qualidade dos vinhos. Diferentemente da maioria das regiões tradicionais do mundo vitivinícola, estamos colhendo no inverno, quando temos as melhores condições climáticas. É uma produção nova, mas cheia de premiações e personalidade”, explica Ronaldo Triacca, sócio da Vinícola Brasília e proprietário da Vinícola Triacca.

Degustação na Vila Triacca (Foto: Cesar Silvestro/Vagão Filmes)
A técnica da dupla poda, desenvolvida pela Epamig, permite que a videira produza no período seco do ano, resultando em vinhos mais concentrados e elegantes. É assim que surgem os tintos estruturados, brancos surpreendentes e rosés que encantaram até os críticos mais exigentes que passaram pelo estande brasiliense na feira.

Foto: Cesar Silvestro/Vagão Filmes
Brasília na taça
Entre os rótulos apresentados, estavam o branco Cobogó, da Vinícola Brasília, o Primitivo da Marchese, o Syrah da Casa Vitor, premiado como o melhor do Brasil, além do Viognier da Ercoara, eleito recentemente o melhor branco do País.
“Nós, como jovens vinhedos, participarmos da Wine South America é muito representativo.

Artur Farias apresenta os vinhos da Vinícola Brasília (Foto: Cesar Silvestro/Vagão Filmes)
As pessoas se aproximam perguntando com espanto: ‘Brasília faz vinho?’. E saem encantadas com o que provaram. O que temos aqui é diversidade e autenticidade”, afirma Artur Farias, gerente comercial da Vinícola Brasília. “Queremos que as pessoas não apenas se surpreendam, mas se apaixonem.”
Com o apoio do Governo do Distrito Federal (GDF) e do Sebrae-DF, o estande brasiliense foi um dos mais movimentados da feira. O ineditismo, aliado à qualidade dos rótulos, atraiu profissionais do setor, compradores internacionais e a imprensa especializada.
“Brasília está conquistando seu espaço como polo vitivinícola. Essa participação é um marco. O vinho é capaz de transformar cultural e economicamente uma região. E o que estamos vivendo agora é só o começo”, diz Erbet Correia Araújo, da Vinícola Ercoara.

Vinhos da Ercoara (Foto: Cesar Silvestro/Vagão Filmes)
Enoturismo: a nova rota do Cerrado
Com produção crescente e premiações nacionais e internacionais, Brasília também desponta como destino de enoturismo. A paisagem do PAD-DF, no entorno do Plano Piloto, começa a desenhar seu próprio “eixo dos vinhedos”, em referência ao Vale dos Vinhedos gaúcho.
“Quando alguém diz que pegou um avião só para visitar a Vinícola Brasília, como já ouvi falarem, sabemos que algo está mudando. Estamos começando a receber turistas não só do DF, mas de outros estados e até de fora do País”, comenta Artur Farias.

O evento contou com apoio da Secretaria de Turismo do DF, representados por Yula Moura, Bruno Tempesta e Grazielle Carvalho (Foto: Divulgação/Setur-DF)
E o potencial é real. Segundo Bruno Tempesta, assessor da Secretaria de Turismo do DF, o objetivo é usar o vinho como vetor de desenvolvimento turístico, valorizando o que Brasília tem de único. “Temos uma cidade com mobilidade exemplar, um céu reconhecido como patrimônio imaterial, gastronomia vibrante e agora experiências vínicas. Brasília é muito mais do que turismo cívico, é um convite sensorial”, afirma.

Foto: Cesar Silvestro/Vagão Filmes
Um brinde ao futuro
Participar da Wine South America foi, para Brasília, mais do que uma vitrine: foi um divisor de águas. Em um cenário nacional ainda dominado pelos vinhos do Sul, o Cerrado entra oficialmente no mapa dos grandes terroirs do Brasil, com uma produção sofisticada, sustentável e pronta para crescer.

Foto: Cesar Silvestro/Vagão Filmes
“No mundo do vinho, ainda somos um bebê, mas já pulando degraus e com muita qualidade”, diz Triacca.
Como brasiliense, saí da feira com a sensação de que estamos apenas começando a contar essa história. E ela tem tudo para ser inesquecível.
Sim, Brasília faz vinho. E faz muito bem.