Psicológica, verbal, patrimonial ou física. Todas essas versões integram o rol de violências contra a mulher. Na luta para combater as agressões e o feminicídio, a Secretaria de Saúde (SES-DF) trabalha para fortalecer o atendimento na rede e capacitar os profissionais que acolhem as vítimas. O objetivo é que os casos sejam identificados e notificados com maior rapidez.
Segundo dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), o aumento do número de notificações traz mais visibilidade às ocorrências nas unidades de saúde, possibilitando análise e planejamento de ações de intervenção.
Entre 2014 e 2023, o Distrito Federal registrou mais de 62 mil notificações de violência contra a mulher. Dessas, 12,2 mil ocorreram apenas no ano anterior, conforme o Sinan. A média é de quase seis mil notificações ao ano e cerca de 400 ao mês – o que equivale a 13,1 ocorrências diárias. Desse total, mais de 60% são originárias da Atenção Secundária à Saúde.
Agilidade
“Focamos a rapidez do acolhimento dessas pacientes, fornecendo assistência imediata, humanizada, especializada e ágil por uma equipe multiprofissional em todos os níveis de atenção”, detalha a diretora da Saúde Mental da SES-DF, Fernanda Falcomer.
Para ela, a informação é a principal forma de evitar atos de agressão. “Saber onde procurar ajuda é um passo importante para tirar as mulheres do ciclo de violência”, reforça a diretora. No DF, os espaços de acolhimento estão espalhados pelas regiões administrativas (RAs) e representados pelas 17 unidades do Centro de Especialidades para a Atenção às Pessoas em Situação de Violência Sexual, Familiar e Doméstica (Cepav).
No centro, a vítima é acolhida e passa por uma conversa inicial. Esse contato pode ocorrer por uma busca espontânea ou por encaminhamento de outros pontos, como hospitais e emergências, unidades básicas de saúde (UBSs), delegacias de atendimento à mulher (Deam I e II) e conselhos tutelares.
De acordo com a secretária de Saúde, Lucilene Florêncio, a capital federal conta com a maior rede de serviços voltados a vítimas de violência, com histórico de atuação reconhecido nacionalmente. “Ainda assim, queremos tornar nossos profissionais cada vez mais sensíveis à identificação dos casos, aumentando a capacidade de proteção dessas mulheres”, ressalta.
A iniciativa vai ao encontro de ações de combate lançadas recentemente pelo governo do DF. “O Plano Distrital de Combate à Violência e de Proteção à Mulher é um caminho para o fortalecimento de políticas públicas voltadas à prevenção do feminicídio”, ilustra a gestora.
Violência ultrapassa gerações
Bárbara (nome fictício), 53, compartilha sua história marcada por décadas de violência. Ao longo de sua vida, testemunhou o sofrimento da mãe refletido em função da brutalidade do pai. Suas irmãs também foram vítimas do ciclo de abuso. Foi somente após buscar ajuda que ela percebeu a gravidade de sua própria situação.
Há cerca de um ano, Bárbara encontrou apoio no Cepav. “Estava extremamente debilitada, sofrida e em estado de pânico”, conta. “Com o tratamento, comecei a me sentir mais forte e capaz de dizer ‘não’. A gente precisa aprender a reconhecer que merece mais do que a situação a que foi submetida. Não me calo mais, não quero viver com medo”.
O “basta” rompeu um padrão que se repetia há mais de 30 anos – período que durou seu casamento. “Quando a gente cresce observando a violência dentro de casa, é complicado percebê-la como algo que não deveria acontecer”, lembra Bárbara. “Minha jornada foi muito difícil, mas, ao aprender a me amar e a me proteger, consegui me libertar dessa realidade. Quando vejo esse processo, sinto admiração por mim mesma”.
Com a ajuda dos profissionais do centro, ela afirma que pôde, enfim, alcançar segurança e apoio: “No momento em que eu pisei aqui e tive o primeiro contato, senti como se o Cepav tivesse me segurado no colo e dito: ‘Vamos resgatar a sua vida. Nós estamos com você’”.
Agressão disfarçada
A promotora de justiça Liz Elainne de Silvério e Oliveira Mendes, colaboradora do Núcleo de Gênero do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e da Comissão de Prevenção e Combate ao Feminicídio, aponta que existe uma percepção clara e imediata das violências físicas e sexuais, mas nem sempre se percebe a violência moral, psicológica e patrimonial.
“Não temos as chamadas cifras ocultas que outros estados e municípios enfrentam”, pontua. “Ainda assim, mesmo no DF, muitas mulheres deixam de denunciar a violência. É fundamental que todos os serviços da rede funcionem como portas de entrada ao cuidado integral, encorajando as mulheres a denunciarem ou, em casos graves, realizando a comunicação externa à Polícia Civil e à Polícia Militar.”.
Denuncie
A juíza titular do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Riacho Fundo e coordenadora do Núcleo Judiciário da Mulher do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF), Fabriziane Figueiredo Stellet Zapata, afirma que o sistema de Justiça tem trabalhado para identificar medidas protetivas, determinar o uso de tornozeleiras eletrônicas, acionar o programa de segurança preventiva Viva Flor e a Diretoria de Monitoramento de Pessoas Protegidas (DMPP), além de efetuar prisões preventivas.
Ainda assim, segundo a juíza, “Na vasta maioria dos casos, a denúncia é determinante para romper o ciclo de violência”, reforça.
Atendimento à mulher
As delegacias de atendimento especial à mulher (Deams) operam 24 horas por dia e oferecem atendimento especializado às mulheres vítimas de violência. A Deam I fica na EQS 204/205, Asa Sul; a Deam II, na QNM 2, em Ceilândia.