Lulu Santos não era o último romântico quando afirmou isso em 1983 – uau, 40 anos -, mas talvez seja ele o caso único de um romântico pop posicionado em um lugar muito específico da música brasileira. Seus 70 anos, que ele diz ser apenas uma efeméride usada para justificar a turnê que irá começar em junho, podem ser também uma oportunidade para discuti-lo um pouco mais. Um roqueiro dos anos 80? Apesar de ter surgido ali, ele já disse não ser. Um autor de MPB? Apesar de transitar também ali, não é o caso, não no sentido “sacro” do termo. E talvez esteja por aí um importante ponto na essência do artista que, ao mesmo tempo, dessacraliza a MPB sem desvirtuar sua riqueza e relaxa o rock sem frustrar sua relevância.
À parte das teorizações sobre si mesmo, Lulu diz que apenas aposta no feeling da felicidade quando cria o show com o qual vai percorrer o País. A turnê se chama Barítono, nome de uma região de canto mais grave – não tão grave quanto o baixo – e que se tornou sua região de canto, experimentada com mais evidência pela primeira vez, como ele recorda, com a canção Esse Brilho em Seu Olhar, do álbum O Ritmo do Momento, de 1983. Mais tarde, em 2000, ao lançar Lulu Santos Acústico MTV, Lulu baixou as tonalidades das canções em um tom, um ato visto por alguns críticos com desprezo, como se a idade começasse a dar sinais de limitações vocais. “Era onde minha voz ficava mais confortável. E o curioso é que as pessoas que se lembram das músicas que estão naquele disco se lembram mais dessas versões acústicas do que gravações das originais.”
Nos graves
Confortável como barítono, Lulu se prepara para sair pela estrada quando já tiver completado 70 anos. Seu aniversário será na quinta, dia 4, e o primeiro show da turnê será em 3 de junho, em São Paulo, no Espaço Unimed. Mas a data será lembrada. Ele fará, no próprio dia 4, um show no Rio de Janeiro. O espetáculo fechado para amigos, mas a Globo e seus braços – Multishow, Canal BIS e Globoplay – irão transmitir. Em alta conta na emissora – só como jurado do programa The Voice ele está há 11 anos -, Lulu será ainda homenageado pelo Altas Horas, no dia 6 de maio.
Sobre o tema que escolheu como nome da turnê, a classificação de sua voz, Lulu diz em um texto de divulgação: “Admiti tardiamente várias coisas importantes sobre mim, entre elas o fato de ser um barítono, cantor de tessitura vocal grave. Desde que ‘assumi’ essa condição, como costuma acontecer com essas coisas, facilitou enormemente minha vida e arte. Sou barítono com paixão, gosto dos graves, gosto de como minha voz soa nesta região”. Ele falou sobre o disco Acústico: “O primeiro passo foi em 2000 quando gravei e lancei o álbum Acústico. Ali, por conforto e sabedoria, baixei um tom de boa parte do repertório e funcionou perfeitamente. Agora, 20 anos depois, percebi que, se baixasse mais um tom, algumas canções voltariam a ser cantáveis sem sobressaltos ou esforço”.
Analista
É curioso também vê-lo como jurado do The Voice, o programa que escolhe pessoas aptas a seguirem em suas carreiras artísticas levando em consideração aquilo que mostram em suas performances. “O que nos faz girar a cadeira é a sensação, o arrepio, o algo novo. Não é exatamente a qualidade técnica de um cantor ou cantora.” O The Voice, um dos cases de sucesso da emissora, flagra o ponto que realmente importa. “Nunca serão candidatos ou candidatas ruins, porque existe uma pré-seleção, mas procuramos por aqueles que se destacam.” Esse destaque pode explicar muita coisa.
Há cantores e cantoras que são artistas e cantores e cantoras que são apenas cantores e cantoras. E isso nem sempre impede uma carreira de acontecer. Mas testemunhar esse processo e identificar onde está o ponto em que a chave vira, ainda que esse sentimento não tenha sido nomeado, é o grande charme do programa. Não é a estridência, a quantidade de melismas, o uso de outros recursos vocais nem a performance de um candidato o que está em jogo. É a profundidade da emoção que ele provoca e a forma como consegue sustentá-la e até inverter seus registros, transitando da nostalgia para o êxtase, por exemplo, naqueles poucos instantes em que está em cena. Lulu analisa o que sabe fazer.
Casado com Clebson, 38 anos mais jovem, o artista renova seu público com regravações que recebe em muitas frentes. Uma das mais recentes veio dos DJs e produtores Scarlatelli, BARC e Reeis. Eles usaram Sábado à Noite, do álbum Calendário, de 1999, para criar um remix. A divulgação do trabalho diz: “Eles entregam uma versão mais funky, preservando os vocais. É leve, nostálgica, atemporal e deliciosamente dançante”.
*As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.