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Lula Mattos: filme A Substância é genial, atual e dinâmico

Demi Moore, protagonista do filme, é cotada para indicação ao Oscar 2025 pelo papel
Demi Moore em A Substância | Foto: Divulgação

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O argumento do longa não é nenhuma novidade no cinema. Desde a Hollywood clássica, o filme Crepúsculo dos Deuses já abordava o tema do etarismo e da objetificação da mulher.

Mas, o desenrolar da narrativa em A Substância é genial, atual e dinâmico, levando o espectador a identificar-se por inteiro com sua personagem protagonista, e a envolver-se profundamente com suas angústias e medos.

Ela é Elisabeth Sparkle (Demi Moore), uma mulher de meia-idade, outrora uma grande estrela, que agora enfrenta o ostracismo e só lhe resta comandar um programa de ginástica na TV.

Logo em sua primeira cena, a diretora Coralie Fargeat utiliza-se da imagem desgastada de uma estrela dourada de Elizabeth Sparkle… no chão da Calçada da Fama.

Um dia, o gerente da emissora (Dennis Quaid) a demite, alegando imposição dos patrocinadores para substituí-la por uma garota mais jovem.

Desesperada, Sparkle decide experimentar uma droga clandestina e suspeita, vendida no mercado negro, que promete replicar as células de seu corpo, e criar uma outra versão sua, porém mais jovem (magistralmente interpretada por Margareth Quailley).

No entanto, para que isso aconteça há uma regra explícita para o uso dessa nova droga, que deve ser rigorosamente obedecida: as duas versões de Elisabeth não poderão subsistir simultaneamente. Elas serão obrigadas a revezar-se a cada semana, isto é, enquanto uma Elizabeth age, a outra deve permanecer escondida em casa, inconsciente.

Mas, de que modo Sparkle, após experimentar a droga e viver sua versão mais jovem e radiante, se resignará em voltar a ser a mulher madura que é hoje, se ela vê que o mundo, lá fora, está pronto para abraçar e aplaudir somente o viço e a beleza da juventude?

A quebra dessa cláusula, por parte da protagonista, é o motor de todo o desenrolar da narrativa.

Demi Moore interpreta uma personagem que lembra sua própria vida. Quando mais jovem, Moore fez muito sucesso com sua beleza. Mais tarde, inconformada com o inevitável avanço da idade, submeteu-se a inúmeros procedimentos estéticos, o que lhe rendeu muitas críticas.

Agora, com uma boa dose de coragem, Moore expõe-se por inteiro, ao exibir sem escrúpulos todos os sinais da passagem do tempo em seu corpo, sem quaisquer restrições. Por esse papel, ela é cotada para indicação ao Oscar 2025, de melhor atriz.

No longa, a diretora Coralie Fargeat faz diversas referências ao cinema de outros autores: cita Cronenberg (com exposição de vísceras, e muito sangue), lembra Wes Anderson (com seus cenários de uma estética impecável, corredores imensos, vazios), replica em uma cena a famosa foto de Marylin Monroe (pousando numa cama, com lençóis de seda que mais se parecem um embrulho de presente), constrói simbolicamente uma figura da Medusa, e ainda refere-se à parte suja de Hollywood, ao utilizar o sobrenome do produtor Harvey Weinstein, acusado de estupro, para nomear o personagem de Dennis Quaid, o gerente inescrupuloso da emissora em que Elisabeth Sparkle trabalha.

A certa altura da narrativa, a diretora Fargeat não se contenta simplesmente com o uso bem-educado de seus simbolismos e, sem qualquer cerimônia, parte para exibir o monstruoso e grotesco que nos rodeia neste mundo real. Faz super-close em bocas-que-mastigam-spaghettis-emitindo-ruídos, executa desfoques e angulações nas transfigurações de corpos, e extrapola nas deformações de pontos-de-vista, moralidades, sentimentos e almas.

Faço aqui uma observação muito pessoal, ressaltando que, a meu ver, o filme poderia perfeitamente abdicar de seus 25 últimos minutos finais. Entendo a ideia da diretora Fargeat em querer exagerar ao máximo o grotesco de suas imagens, e surpreender mais, e cada vez mais, em excessos e exageros, a parte visual e sensorial de sua história. Afinal, essa é a marca registrada e mais visível dos nossos tempos.

Porém, as cenas finais restringem-se em desdobrar o grotesco em mais grotesco, e depois um pouco mais e mais do mesmo, até o último take, tornando o filme inevitavelmente repetitivo, sem que se acrescente um novo plot, ou qualquer fato novo.

Aclamado no Festival de Cannes 2024, onde ganhou o prêmio de Melhor Roteiro, o filme está sendo considerado um “novo clássico contemporâneo” do subgênero do terror, conhecido como ‘Body Horror’.