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Ligando os pontos: por dentro da collab Yayoi Kusama X Louis Vuitton

Dez anos após juntarem forças, grife francesa e artista japonesa retornam unindo moda, arte e tecnologia — e levantando bons questionamentos sobre história, cultura e robótica

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**Uma bolinha amarela invade um prato de porcelana no Japão**. Logo, uma azul se junta a ela, espalhando-se pela mesa de jantar. Agora vermelha, a forma esférica surge em suas mãos, sobe o antebraço, os ombros e o colo. Tão súbito é acompanhada por outra, por sete, por vinte pontos multi-coloridos que devoram cada aresta do cômodo.

Ainda em sua juventude, **Yayoi Kusama aprendeu a repartir sua realidade**: uma metade pertence a mim, outra, ao meu transtorno. Diagnosticada com TOC e vítima de vívidas alucinações, recorreu à arte como calmante e tratamento. Transgrediu, fez sucesso. Tomou na cara e na coragem a tão difícil missão de ser mulher na arte no século XX. Fez nome e fez fãs.

Em 2006, **Marc Jacobs visita o showroom de Kusama no Japão**. Entre boa conversa, a pintora saca uma bolsa modelo _Speedy_ customizada, fascinando o então diretor criativo da francesa **Louis Vuitton**. Seis anos depois, o simbiótico relacionamento entre artista e admirador resulta na **maior colaboração já vista entre os âmbitos**. Modelos de _bags_ LV ganharam _prints_ que se referem às abóboras psicodélicas de Kusama, parte integral do universo da artista plástica, e estavam constantemente em status _sold out_ nos 640 pontos de venda da linha. Tornaram-se itens colecionáveis, símbolo de um tempo em que moda e arte cruzavam antebraços graças à boa afinidade da ‘gente grande’ que as comandava. Em 2023, um segundo — e bastante inesperado — capítulo desse intercâmbio chega às lojas da marca.

![Deu e ponto: Yayoi Kusama assina nova leva de peças para a Louis Vuitton (Foto: WWD)](https://gpslifetime.blob.core.windows.net/medias/landing-page/YAYOI_KUSAMA_2022_COPYRIGHT_OF_YAYOI_KUSAMA_PHOTO_BY_YUSUKE_MIYAZAKI_copy_1_5414eda38a.png)

A fusão entre moda e arte não cheira a novidade, mas as notas e aromas de **intenso marketing digital** e **_branding_ via influência** entregam uma experiência de consumo não antes vista em parcerias desse calibre.
Intervenções e instalações megômanas consumiram a cidade de Tokyo. A _flagship_ de Paris ganhou nova roupagem, com uma reprodução gigante de Yayoi debruçada sobre o edifício e uma versão robótica da artista pintando círculos na vitrine. A Harrods, em Londres, serviu macarons e éclairs decorados com os motivos da “Princesa das Bolinhas”. “[link]Kusamifique seu mundo(https://br.louisvuitton.com/por-br/reportagens/lvxyayoikusama?A=107931874&utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=20230106_W1_LVA_BR_ALL_CORP_BRNDCOM_LVXYAYOIKUSAMA_UNI_LV_COLLABORATIONLAUNCH&utm_content=t1)” é o que ordena a label ao apresentar também um filtro para Instagram. Entre bonecos e esculturas e jogos de caça-recompensas… há de um tudo.

Nas redes sociais, _influencers_ preenchem cada quina da internet com videos de _unboxing_ (os famosos ‘recebidos’), visitas às lojas, reviews… nem os frascos de perfume da grife escaparam do _takeover_, que se divide em dois drops: o primeiro, contemplando o reino ‘pontificado’ de Kusama, e o segundo, ainda não revelado, que há de abordar a obsessão da pintora por flores.

![Escultura se dobra por cima da icônica loja da Champs-Élysées, em Paris
(Fotos: View France)](https://gpslifetime.blob.core.windows.net/medias/landing-page/https_hypebeast_com_image_2023_01_yayoi_kusama_installation_champs_elysees_paris_store_info_002_9be3400607.jpg)

![Outdoor 3D na fachada da loja em Tokyo (Foto: Louis Vuitton)](https://gpslifetime.blob.core.windows.net/medias/landing-page/https_hypebeast_com_image_2022_12_louis_vuitton_yayoi_kusama_shinjuku_tokyo_billboard_info_000_635f0823c0.jpg)

![Go big: imagem gigantesca de Kusama decora flagship LV no Japão (Foto: Louis Vuitton)](https://gpslifetime.blob.core.windows.net/medias/landing-page/https_hypebeast_com_image_2023_01_louis_vuitton_yayoi_kusama_pop_up_store_harajuku_tokyo_japan_0_ef2b2dd115.jpg)

![Pop-up Louis Vuitton na Selfridges, em Londres (Foto: Dazeen)](https://gpslifetime.blob.core.windows.net/medias/landing-page/dezeen_Louis_Vuitton_and_Kusama_concept_store_at_Selfridges_ss_8_97b4253054.png)

![Manda mimos: influencers posam ao lado de seus ‘recebidos LV’ (Foto: Reprodução TikTok)](https://gpslifetime.blob.core.windows.net/medias/landing-page/IMG_8184_7dbd1fac6a.jpg)

Para o **PhD em Teoria e História da Arte Marco Antônio Vieira**, a empreitada rememora um tempo centenário: antes de moda e arte darem as mãos em confluência, eram **uma única esfera dividindo o mesmo espaço**. _”Essa colaboração se insere em uma linhagem que remonta a imbricação entre os domínios que entendemos como da arte e da moda. Antes do período renascentista, ali nos séculos XIV e XV, **não havia a categorização que hoje observamos**: tapeçaria, escultura, literatura, pintura e até a moda se interligavam **sem divisões**. Isso foi se perdendo ao longo do tempo”_, ensina o especialista. _“Na Alta Costura, a ligação com a arte destaca o apreço dos dois ofícios pela artesania, pela exclusividade, atenção aos detalhes, profissionalismo e riqueza. **A arte contemporânea**, por outro lado, **veio para romper com as ideias separatistas de que a arte precisa ser expressa por determinados suportes**, como pintura e escultura, e que precisa ser produzida em determinados materiais”_, ilumina.

_“Hoje, uma linha colaborativa que mescla alto luxo com o domínio artístico é, para as grandes maisons, uma maneira de agregar **prestígio intelectual** a produtos do segmento fashion”_. E **prestígio** é, de fato, a palavra de ordem.

Para a campanha oficial, titãs da indústria como **Gisele Bündchen** e **Natalia Vodianova** posaram para as lentes do incomparável** Steven Meisel**, sob a direção de **Ferdinando Vederi** e _styling_ de **Carine Roitfeld**. É, também, a primeira vez de **Bella Hadid** sendo clicada para a **Louis Vuitton**, dividindo espaço com as modelos Devon Aoki, FeiFei Sun, Liya Kebede, Rianne Van Rompaey e uma lista extensa de celebrados profissionais. Quem não deu as caras, curiosamente, foi **Kusama**.

_“Durante a divulgação da primeira linha, 10 anos atrás, Yayoi se fez bastante presente e até compareceu ao lançamento da coleção em Nova York”_, pontua Marco Antônio. _“Vale lembrar que hoje ela é uma senhora de **93 anos**, e considerando que desde os 10 sofre com as consequências de sua condição mental… **podemos conjecturar que sua saúde não esteja ‘em dia**’”_, especula.

![](https://gpslifetime.blob.core.windows.net/medias/landing-page/Louis_Vuitton_x_Yayoi_Kusama_Gisele_by_Steven_Meisel_Hor_f264a4a59a.png)
![](https://gpslifetime.blob.core.windows.net/medias/landing-page/louis_vuitton_yayoi_kusama_collab_bolsa_desfile_2023_harpers_bazaar_19_768x432_510134af29.jpg)
![Gisele Bündchen, Bella Hadid e Natalia Vodianova estrelam a campanha YK X LV](https://gpslifetime.blob.core.windows.net/medias/landing-page/1673197758_louisvuitton_divulgacao8_easy_resize_com_50759e7419.png)

A hipótese de uma desorientação na integridade física da escultora não passa disso: **uma hipótese**. Que explicaria, todavia, não só a ausência de Kusama, tão rápido substituída por representações gráficas e andróides, como também colocaria entre pontos de interrogação o quão envolvida a artista realmente esteve em todo o processo de desenvolvimento da linha.

_”Qual seria de fato a **participação ativa e consciente** dela nos desdobramentos que esse projeto exigiu?”_, questiona Vieira. Seria essa a razão que explica não apenas a **reprodução massificada de sua obra**, mas também uma **exploração de sua imagem pessoal**?, questiono eu. Mas vamos às boas notícias.

![Reprodução robótica da artista desenha circunferências na vitrine parisiense: “O robô da Kusama está inserido no que chamamos de esculturas hiper-realistas, como se a arte pudesse se aproximar, de uma maneira muito perigosa, da própria vida” (Foto: @kidonthetown)](https://gpslifetime.blob.core.windows.net/medias/landing-page/yayoi_52cc959198.png)

Consumidores que forem sortudos o suficiente para fisgar itens da _collab_ devem gozar de muito orgulho. _“Essa coleção aspira a ser um **bem de criatividade**, o sentido desse produto não está resumido a ele mesmo, mas sim à sua **significação e sua reverberação no tempo**”_, afirma. _“Podemos apostar”_, o estudioso sugere, _“que daqui há alguns anos, essas obras poderão ser exibidas **dentro de um contexto de museu**”_, entrega.

_“Então, em certo sentido, eles já estão destinados a uma espécie de **apropriação museológica**”_, tornando-se não somente itens invejáveis para qualquer colecionador de moda, mas também obras valorizadas no circuito da arte. _“É como se o usuário comungasse dessa aura conceitual de arte por levá-la em seu corpo. A Louis Vuitton é uma empresa europeia, fincada em valores europeus, a apreciação da arte está alinhada a esses valores”_, emplaca.

![](https://gpslifetime.blob.core.windows.net/medias/landing-page/IMG_8189_c8f8ba2d0f.jpg)
![De bolsas a moda praia, a collab que chegou às lojas no dia 6 de janeiro já tem diversos itens esgotados](https://gpslifetime.blob.core.windows.net/medias/landing-page/IMG_8185_2b61296b72.jpg)

**Mas o tempo para puxar o gatilho na compra é curto**: lançada na primeira semana de janeiro, a coletânea já não mais conta com diversas peças, que tão rápido como foram apresentadas já deram _sold out_. Os itens restantes ainda podem ser comprados em endereços selecionados da grife e no e-commerce oficial Louis Vuitton. Em maio, contudo, ‘atrasados’ terão uma segunda oportunidade de garantir artigos inéditos do aparceiramento.

Na bolsa de couro monogramado, em display no mais alto apoiador do mais caro metro quadrado de Paris, **uma bolinha colorida vale milhares de euros**.