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Leonardo Bessa: Intimidade e segredo de justiça, a questão dos processos que relatam doenças

A legislação brasileira estabelece – como regra – a ampla publicidade dos processos judiciais, ou seja, qualquer pessoa pode ter acesso às informações e documentos que estão no processo.

As exceções à publicidade estão indicadas para hipóteses expressas de direito de família ou para situações relacionadas a “interesse social” ou “intimidade”, o que exige análise do juiz no caso concreto, até porque são termos vagos; não possuem conceito delineado.

Na prática forense, dia a dia dos tribunais, apenas os processos de família tramitam em segredo de justiça. Raramente, as partes requerem o sigilo nos casos que envolvem análise judicial de presença de “interesse social” ou “intimidade”. 

O tema é amplo. Há muitas possibilidades de decretação de sigilo em casos que não envolvem direito de família. Este artigo limita-se a situação recorrente: processos que envolvem descrição de doença da parte e a importância do sigilo processual.

Dispõe o art. 5º, inciso LX, da Constituição Federal que “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem.” 

Na mesma linha, o art. 189 do Código de Processo Civil-CPC dispõe: “Os atos processuais são públicos. Tramitam em segredo de justiça os processos: I – em que o exija o interesse público ou social; II – que dizem respeito a casamento, filiação, separação dos cônjuges, conversão desta em divórcio, alimentos e guarda de menores; III – em que constem dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade (…)” 

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069) também trata da matéria. A preocupação não se limita aos processos judiciais O art. 143 protege, de modo amplo, direitos da personalidade da criança e do adolescente (imagem e privacidade): “Art. 143. Preservar-se-á o sigilo a fim de proteger a imagem da criança e do adolescente, a fim de evitar sua exposição a situações constrangedoras ou que possam lhes trazer consequências futuras, garantindo-se assim, a proteção integral de sua privacidade e identidade nos processos judiciais ou administrativos.” 

Como se vê, ao lado da importância da publicidade dos atos processuais, existe preocupação normativa com a tutela do que os juristas denominam direitos da personalidade – privacidade, intimidade, dados pessoais, honra etc. 

Aliás, os direitos da personalidade, na medida em que são projeções da dignidade da pessoa humana, possuem proteção direta e autônoma – não necessariamente vinculada a questões processuais.

O art. 5º, X, da Constituição Federal dispõe: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”;   

Em 2022, foi promulgada a Emenda Constitucional 115 que acrescentou o inciso LXXIX ao rol constitucional de direitos e garantias fundamentais: “é assegurado, nos termos da lei, o direito à proteção dos dados pessoais, inclusive nos meios digitais.”

A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), Lei 13.709/18 disciplina o tratamento de dados pessoais para, entre outros fundamentos, proteger a privacidade (intimidade) das pessoas naturais. 

A norma confere especial proteção ao dado pessoal sensível que, de acordo com o art. 5º, II, é definido como “dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural;” 

O cenário normativo brasileiro realiza proteção simultânea à publicidade do processo e a aos direitos da personalidade (imagem, privacidade, intimidade, honra, proteção de dados pessoais etc.).

Invariavelmente, a publicidade dos processos judiciais se coloca em tensão com direitos da personalidade. Há que se encontrar, com base na ponderação e proporcionalidade, equilíbrio, preservação do núcleo essencial dos direitos em jogo. 

Diante desse cenário normativo, pergunta-se: as informações sobre doença estão protegidas sobre o direito à intimidade? 

A verdade é que há muita polêmica e dificuldade de conceituar o que é intimidade. São antigas as controvérsias em torno da delimitação do direito à intimidade; o seu conceito se confunde e se aproxima do direito à privacidade. A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoa-LGPD (Lei 13.709/18), ao utilizar variedade terminológica (arts 1º, 2º), não contribui para o debate conceitual 

Com a Emenda Constitucional 115, há nova dimensão constitucional da proteção de dados pessoais o que enseja maior cuidado na ponderação dos valores em jogo: intimidade X publicidade.  

Independentemente do conceito, a LGPD destaca a necessidade de proteção diferenciada ao dado sensível que abrange “dado referente à saúde” (art. 5º, II)

Os processos judiciais cujos pedidos se referem à necessidade de cobertura financeira para medicamentos e tratamentos médicos expõem, com detalhes, o enfrentamento da doença do autor da ação. A descrição do diagnóstico é completa, com histórico, relatórios médicos, exames e procedimentos. 

Não há dúvidas de que as doenças humanas refletem informações íntimas, sensíveis que não devem, a princípio, serem publicizadas. Os juízes e advogados devem quebrar o automatismo com relação ao tema e ficarem atentos aos processos que envolvem descrição de doenças.

*Leonardo Bessa é doutor em Direito Civil e atual Desembargador do Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT). Respeitado e com uma vasta carreira na área jurídica, também é professor e autor de diversos livros e artigos, destacando-se pela atuação nos ramos de Direito do Consumidor e Processos Coletivos

Leonardo Roscoe Bessa

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