É direito básico do consumidor a igualdade nas contratações. Cuida-se do princípio da isonomia nas relações privadas também lembrado como eficácia horizontal ou diagonal dos direitos fundamentais.
A Constituição Federal-CF proclama: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.
O Código de Defesa do Consumidor, ao estabelecer a “igualdade nas contratações” (art. 6º, II), transpôs para as relações de consumo o princípio da isonomia expresso no art. 5º, da CF.
Significa que o fornecedor não pode tratar desigualmente consumidores. Parece simples, não dá para discordar, mas é necessário compreender que o princípio significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, em clássica passagem de Aristóteles.
O empresário pode discriminar o consumidor desde que o faça com base em critério objetivo e razoável. Na verdade, muitas normas discriminam – positivamente –, inclusive no mercado de consumo, como a proibição de bebida a consumidores abaixo de determinada idade, como o tratamento preferencial em estacionamentos privados para consumidores idosos ou mesmo a proibição de reajuste em plano de saúde a partir de 60 anos.
É discriminação justa e razoável recusar venda a prazo ao consumidor que não possuir renda suficiente para arcar com os valores da prestação.
A vedação da discriminação é voltada também para o intérprete em diferentes situações. Embora muitos problemas se apresentem na prática, como, por exemplo, a possibilidade de diferenciar preços conforme o gênero para um show musical.
A LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais), os avanços tecnológicos na área da informática, Big Data e inteligência artificial têm provocado novo debate da isonomia nas relações de consumo.
Com o crescimento do uso de perfis digitais para decisões, a favor ou contra o consumidor, a partir de algoritmos, aprofunda-se o significado da igualdade; quando, como e com quais critérios os consumidores podem ser discriminados no mercado de consumo?
A diferença de preço conforme o meio de pagamento
Bom exemplo para compreender o debate, cabe recordar tema que gerou muita polêmica até a edição da Lei 13.455/2017: a discussão sobre possibilidade de estabelecer preços diferenciados para o consumidor que paga à vista em vez de utilizar cartão de crédito.
Antes da norma – que expressamente possibilitou a diferenciação do preço –, alguns órgãos de defesa do consumidor posicionaram-se que nenhum estabelecimento poderia diferenciar os preços nas vendas à vista e mediante cartão de crédito.
Na ocasião, argumentou-se, em síntese, que tal conduta era discriminatória e que as vendas mediante cartão de crédito eram consideradas à vista, até em razão dos termos do contrato celebrado entre o fornecedor e a administradora do cartão.
Essa interpretação não considerou a essência do princípio da isonomia. Quando determinado comerciante, ao receber pagamento por cartão de crédito, vende uma mercadoria por R$ 100,00, o valor só será recebido de trinta a quarenta dias depois da data da compra e com a diminuição do valor que pode chegar a 5%.
Em outros termos, o valor equivalente ao preço, além de ser recebido em data posterior, sofre redução percentual. Há uma diferença de custo para o comerciante em face de venda da mesma mercadoria conforme a modalidade de pagamento – à vista ou por meio de cartão de crédito.
Com a exigência de preços iguais, os fornecedores, para não sofrerem redução em sua margem de lucro, promovem aumento geral dos preços em valor próximo ao que deixarão de ganhar com as vendas mediante cartões de crédito, ou seja, os custos maiores inerentes às vendas com cartão de crédito são compensados por todos os consumidores, tanto os que pagam à vista quanto os que pagam com cartão (subsídio cruzado).
Assim, quem não tem a possibilidade de pagar com cartão – em regra, pessoas de menor renda – acaba pagando mais caro pelos produtos para beneficiar os consumidores que possuem a possibilidade de pagar com cartão de crédito.
A defesa da tese de necessária equiparação dos preços beneficiou apenas as administradoras de cartão de crédito; não trouxe vantagens para a coletividade de consumidores, embora, em ótica individual do comprador, aparentava – apenas aparentava! – ser benéfica.
*Leonardo Bessa é doutor em Direito Civil e Desembargador do Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT). Respeitado e com uma vasta carreira na área jurídica, também é professor e autor de diversos livros e artigos, destacando-se pela atuação nos ramos de Direito do Consumidor e Processos Coletivos