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Juristas condenam tese de anistia para envolvidos nos atos de 8 de janeiro de 2023

Propostas tramitam na Câmara e no Senado e dão a possibilidade de revisão de pena e restabelecimento de direitos políticos

Pedida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e manifestantes que se reuniram na Praia de Copacabana, na manhã deste domingo (15), a anistia aos réus processados pelo 8 de janeiro de 2023 é considerada preocupante para vários juristas ouvidos. O ato visa acelerar a tramitação de projetos de lei no Congresso Nacional que propõem a extinção da punição aos envolvidos nas invasões e depredações às sedes dos Três Poderes na ocasião.

Ouvido pela Agência Brasil, Gustavo Sampaio, professor de Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense (UFF), aponta que a anistia seria mau exemplo para o País. “Com democracia não se brinca. Se houve crimes contra a democracia, e todas as provas demonstram cabalmente que esses crimes aconteceram, não é razoável a esses criminosos que lhes seja dado o perdão da anistia. Isso será o mesmo que conceder um mau exemplo ao Brasil, um mau exemplo a essas pessoas de que poderão se articular novamente contra o Estado Democrático de Direito, acreditando que receberão o perdão”, justifica.

Essas pessoas, que são autoras de crimes contra o Estado Democrático de Direito, precisam receber severas sanções para que assim fique o bom exemplo e que ninguém se articule novamente para obrar contra a democracia brasileira”, explica o professor. “A democracia é valor maior, é cláusula pétrea do sistema constitucional, é princípio da ordem institucional do Estado brasileiro e com isso não se pode, evidentemente, transigir. É um valor que devemos defender, de maneira que o projeto de lei de anistia não vem num bom momento e não dá um bom sinal político para a democracia brasileira”, completa. 

Raquel Scalcon, professora de Direito Penal da Fundação Getulio Vargas em São Paulo (FGV),  afirma que é difícil sustentar a legitimidade de uma anistia a pessoas que atentaram contra o Estado Democrático de Direito. “No fundo, estamos falando de crimes que querem, pelo menos em tese, implodir o próprio sistema democrático, o sistema constitucional. Eu não acho que nunca nada possa ser anistiado, só me preocupa o fato de que nós estamos tratando de discussões que envolvem crimes contra o Estado Democrático de Direito”, avalia.

Para o professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Vitor Schirato, a anistia representaria um golpe na democracia brasileira. “É um enfraquecimento enorme da democracia brasileira. É mais uma fragilização na democracia brasileira, sem dúvida nenhuma”, destaca. Segundo ele, “é absolutamente despropositado imaginar um parlamentar democraticamente eleito, que exerce a sua função por causa do Estado Democrático de Direito, possa anistiar quem tentou acabar com o Estado Democrático de Direito”.

Relembre o 8 de janeiro
Uma semana após a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, manifestantes que estavam acampados em frente ao Quartel General do Exército Brasileiro, em Brasília, se reuniram com militantes de outros locais na Esplanada dos Ministérios e avançaram contra os prédios da Praça dos Três Poderes, invadindo as sedes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. Eles promoveram atos de vandalismo que destruíram mobiliário, obras de arte e objetos históricos, além de gabinetes, vidraças, equipamentos eletrônicos e outros bens que encontraram pelo caminho.

A destruição foi transmitida ao vivo pela imprensa e causou choque e indignação em autoridades e na sociedade civil. Mais de 1,4 mil pessoas foram presas, e o Ministério Público Federal ofereceu denúncias contra 1,7 mil envolvidos nos ataques. Até dezembro de 2024, 370 pessoas já haviam sido condenadas pelos crimes relacionados ao ataque, entre eles golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e dano qualificado. Além disso, mais de 500 pessoas haviam assinado acordos na Justiça. No último dia 7, mais 63 pessoas foram condenadas a penas que chegam a 14 anos de prisão

A Polícia Federal e a Procuradoria Geral da República afirmam que o atentado fez parte de uma tentativa de golpe de Estado articulada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e seus aliados, que foram indiciados e denunciados à Justiça. Segundo o relatório da PF e a denúncia da PGR, o episódio se insere em uma cronologia que incluiu a deslegitimação das urnas eletrônicas, os acampamentos em frente a quartéis para mobilizar as Forças Armadas, ataques nas redes sociais a comandantes que não apoiassem o golpe e até mesmo planos para assassinar o presidente da república, o vice e o ministro do STF Alexandre de Moraes.

Quando a denúncia foi revelada, o advogado de defesa de Jair Bolsonaro, Paulo Cunha Bueno, divulgou nota na qual afirma que o ex-presidente “jamais compactuou com qualquer movimento que visasse a desconstrução do Estado Democrático de Direito ou as instituições que o pavimentam”. Segundo ele, nenhum elemento que conectasse minimamente o presidente à narrativa construída na denúncia foi encontrado. “Não há qualquer mensagem do então presidente da República que embase a acusação”.

Projetos de anistia
Os projetos de anistia que tramitam na Câmara dos Deputados foram unidos ao Projeto de lei 2.858/2022, de autoria de major Vitor Hugo (PL-GO), que anistia os processados por crimes relacionados a manifestações contra o resultado da eleição presidencial de 2022, ocorridas a partir do segundo turno do pleito, em 30 de outubro daquele ano, o que inclui os atos de 8 de janeiro do ano seguinte.

No Senado, tramitam outros projetos, como o PL 5.064/2023, de autoria de Hamilton Mourão (Republicanos/RS), que anistia os envolvidos nos atos de 8 de janeiro das condenações pelos crimes de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Outro, de autoria de Márcio Bittar (União/AC), além de anistiar todos os crimes, restaura os direitos políticos de cidadãos declarados inelegíveis por atos relacionados às eleições de 2022.

Os defensores da anistia alegam que há perseguição política aos réus e denunciados por golpe de Estado. Autor do projeto de lei que tramita na Câmara, o ex-deputado federal e hoje vereador em Goiânia, major Vitor Hugo escreveu em suas redes sociais, na semana passada, que “cidadãos honestos” estão sendo tratados como “inimigos da democracia só porque pensam diferente”.

O senador Márcio Bittar divulgou em suas redes sociais também na semana passada, vídeo em que diz que “brasileiros condenados injustamente precisam da nossa ajuda”. Já o senador Hamilton Mourão afirmou que seu projeto de lei de anistia foi pensado para “barrar a injustiça decorrente das condenações desproporcionais de homens e mulheres detidos em decorrência dos atos de 8 de janeiro” e que a anistia não representa impunidade, mas a luta contra penalidades desproporcionais aplicadas.

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