Em 1974, quando Brasília ainda era uma capital jovem, José Abubakir abriu uma whiskeria no Centro Comercial Gilberto Salomão. O nome, não quis usar um nome comum como “Bar do Bub”, mas usou a criatividade e batizou de GAF, formado pelas iniciais dos seus três filhos: Graco, André e Fernanda.
Naquele mesmo pedaço, já funcionavam outros lugares famosos: o Bierfass, ponto dos fãs de cerveja alemã, e as boates Shalako e Kako – esta última de dois jovens empreendedores, Roberto Levi e Antônio Bessa (que também era dono do Só Frango, porque em Brasília sempre houve espaço tanto para o sofisticado quanto para o descontraído).
No início de 1975, a dupla Levi e Bessa comprou o GAF e transformou a whiskeria num restaurante elegante. Mas eles não pararam por aí: no final do mesmo ano, surgia na 202 Sul o PAFA’s, um restaurante charmoso da família Lacombe (os mesmos do Mr. Brownie). A dupla não perdeu tempo e logo incorporou o PAFA’s ao seu império noturno. Agora, eles comandavam três casas badaladas: Kako, GAF e PAFA’s.
A virada política
Em 1977, a dupla decidiu reformular o PAFA’s. Fechou as portas, reformou e reabriu como Cantina Tarantella, agora com um conceito inédito: funcionava até as 6h da manhã, ideal para políticos, jornalistas e notívagos em geral. Quem assumiu o comando foi Marco Aurélio, irmão de Bessa.
O lugar rapidamente se tornou o ponto de encontro da oposição ao regime militar, frequentado por figuras do MDB. Enquanto isso, o GAF virava o reduto dos governistas da ARENA. Era comum ver políticos de lados opostos em cada um dos restaurantes – às vezes no mesmo dia.
Anos 80: o tempo das grandes discussões
Com a abertura política, o GAF começou a perder seu brilho, enquanto o Tarantella ganhava um piano-bar chamado Piantella (“pequeno piano” em italiano), com apresentações do renomado pianista Luís Carlos Vinhas.
Foi ali, no Tarantella, que, em 1984, as conversas sobre Diretas Já! ganharam força. Enquanto os políticos discutiam o futuro do País, os garçons serviam drinques e pratos italianos. O local virou sinônimo de debate político com estilo.
Em 1985, uma disputa judicial com um restaurante homônimo carioca obrigou o Tarantella a mudar de nome – virou Piantella de vez. Enquanto isso, o GAF, já em decadência, foi vendido em 1988 para o grupo Spettus, que tentou, sem sucesso, reviver seu prestígio. Em 1999, um dos sócios, Juca Konrad, assumiu o controle e rebatizou o lugar com um F a mais: GAFF, mas a mudança não foi suficiente. Depois de passar pelas mãos do tabelião Marcelo Ribas, o GAFF fechou as portas em 2005.

Piantella
O Piantella resistiu por mais tempo, mas também sentiu as mudanças. Nos anos 90, com a chegada ao poder da turma de Fernando Collor e com a abertura de novos restaurantes, o público diminuiu. Collor elevou a tradicional cantina Kazebre 13 à posição de destaque, tirando o protagonismo do Piantella.
Em 1999, o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, frequentador assíduo, entrou na sociedade e, em 2014, assumiu o controle total. Mas a revitalização não surtiu efeito. Em 2016, no mesmo dia do impeachment de Dilma Rousseff, o Piantella serviu seu último prato.
Fim de uma era
Hoje, é difícil imaginar políticos de espectros opostos dividindo o mesmo espaço como acontecia no GAF e no Piantella. Esses restaurantes foram mais do que lugares para comer e beber – foram palcos onde a história política do Brasil foi escrita, mesa após mesa, conversa após conversa.
E, assim como a política, eles tiveram seus momentos de glória, declínio e, finalmente, o fim. Mas enquanto duraram, fizeram parte de uma Brasília que, mesmo em meio às divergências, ainda sentava à mesma mesa.
*João Vicente Costa, o JVC, já fez de tudo um pouco: músico (5 Generais, Banda 80), DJ, programador musical, produtor de eventos, dono de bar (Bizarre), dono de restaurante (Antigamente). Hoje, administra pizzarias e há seis anos coleciona histórias não contadas de Brasília e adora compartilhar para os amantes da cidade nos grupos Memórias de Brasília e Bsbnight no Facebook