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João Angelini: A arte de pé vermelho

Em um gesto que se permite interpretar como um misto de **gratidão, fidelidade e sobrevivência**, a jabuticaba cresce abraçada à árvore que lhe dá a vida. É o melhor lugar que encontra para **florescer, proteger-se** e **frutificar** fartamente até preencher por completo seu tronco e galhos. Se ter uma jabuticabeira no próprio quintal reproduz a lealdade desta planta, os artistas do **Pé Vermelho** nunca estarão sozinhos.

A enorme árvore há muito já habitava o lote 6 da quadra 57 da Avenida 13 de Maio, na cidade de **Planaltina**, quando **João Angelini** idealizou ali um espaço contemporâneo dedicado à **valorização da produção artística** não sudestina e cerratense. Anunciado por anos como um artista plástico e pesquisador brasiliense, hoje o premiado profissional se apresenta pelo gentílico que mais lhe faz sentido: **goiano**.

![](https://gpslifetime.blob.core.windows.net/medias/landing-page/joaoangelini_foto02_6da9e30a19.jpg)

Ele nasceu e cresceu na cidade periférica de Brasília localizada a 40 km da branquitude monumental, que, apesar de ter parte inserida no quadrilátero do Distrito Federal, entoa o ar rural do interior do Centro-Oeste. Formado em **Artes Plásticas** pela **Universidade de Brasília** (UnB) em 2006, sua trajetória reúne uma década de experiência no renomado **Grupo EmpreZa**, residências nacionais e internacionais, e trabalhos de produção individual expostos em mostras Brasil e mundo afora ou incorporados a coleções privadas e públicas em acervos diversos.

No quesito carreira, era de se esperar que em algum momento o circuito de arte tirasse João de Planaltina e o levasse ao central Plano Piloto, onde viveu e trabalhou por muito tempo. Voltou a ser morador da região 15 anos depois, quando, assim como o fruto da jabuticabeira, entendeu que **abraçar-se à sua base seria necessário para evoluir** – e “revoluir”.

![](https://gpslifetime.blob.core.windows.net/medias/landing-page/joaoangelini_foto08_5f37bd9691.jpg)

**Mudança de Planos**

Em 2017, tinha seu ateliê instalado no Conic, no centro de Brasília. Na companhia da mulher e também artista **Marcela Campos**, João estava prestes a seguir o “caminho dado” para um artista não sudestino e se mudar para São Paulo, onde cravaria um novo endereço para o ateliê e, consequentemente, ocuparia um lugar mais confortável no mercado. Em meio às buscas por apartamentos na requisitada Bela Vista, o que de fato encontrou foram motivos para não avançar com a mudança.

_”Quando você começa a se inserir nacionalmente, você repara uma estrutura excludente, forte e violenta com os artistas. Uma organização bandeirantista muito caricata. Percebemos que não fazia sentido pegar um recurso que juntamos durante tanto tempo para se reposicionar dentro desta estrutura em um lugar de ainda mais privilégio e poder. Não podíamos reforçar algo que, na verdade, queremos destruir”_, explica o artista.

O veredito ia muito além de simplesmente não ir para São Paulo e violar o “êxodo forçado”, como João traduz. Era sobre voltar à periferia e adentrá-la. E, apesar de alguns julgarem válido alertar, a escolha para ele nunca significou dar um passo para trás. Era um **salto político, ideológico e moral**. _”Ouvimos que a gente não sabia o que estava fazendo e que isso nos atrasaria. Não entendiam que era uma escolha consciente, que queríamos chegar em um outro lugar. Virou missão trabalhar ao máximo para diminuir essas distâncias, não só pra mim, mas por todos os nossos”_, revela.

O novo lar em Planaltina foi escolhido a dedo. Tinha que ser ao redor da Praça São Sebastião, no centro histórico da cidade. Ali, João plantou o Pé Vermelho, em 2018, que surgiu inicialmente como ateliê, mas já com a intenção de se estender a um ambiente de formação, produção e fomentação da arte contemporânea fora da bolha sudestina e da acomodada perspectiva bandeirantista sobre o Brasil. O lote da jabuticabeira foi conquistado e adaptado a partir de muito trabalho e união.

**Artista multigesto**

Os vários percursos entre o **rural e o urbano**, o **colonial e o moderno** – e todas as reflexões **sociais, políticas e econômicas** que podem sair destes contrastes – são notórios na arte de João.

Como um artista multimídia e multigesto, na hora de colocar **significado** no seu trabalho, vale tudo que faça sentido. Cinzas de queimadas, notas de dinheiro, osso de boi, grão de soja, mármore, paredes e escombros podem compor instalações, animações, intervenções, gravuras, pinturas, performances, vídeos-objetos, NFT… Não há limites.

_“Há alguns anos, passei a querer discutir questões e descobrir qual gesto ou materialidade é mais interessante, eloquente e compõe melhor com o que eu estou discutindo. Às vezes, penso em uma imagem que posso realizar em foto, em vídeo, em animação, desenho, gravura… Sabendo que cada gesto vai reforçar ou esvaziar algum significado”_, diz.

Na série **Suberinas** (2022), seu xodó, árvores do Cerrado são representadas em pratos de ágata a partir de cinzas recolhidas em áreas queimadas do bioma que domina o Centro-Oeste brasileiro. A imagem feita do pó é montada com estêncil, originalmente sem fixação. E quando exposta verticalmente, a fuligem vai se soltando, dando início ao processo de apagamento das plantas, que pode ser assistido durante dias dentro da mostra – e por isso é categorizada como performance.

![Legenda: Suberinas (série) (2022)](https://gpslifetime.blob.core.windows.net/medias/landing-page/30112022_JP_sem_titulo12_531302c7ec.jpg)

Também em ágata, mas agora utilizando uma broca de dentista, João grava em um pires o olho de **Louis Cruls**, astrônomo e geógrafo belga que em 1922 liderou a missão de demarcar a área da futura capital federal, oficializada com a instalação da Pedra Fundamental no Morro do Centenário, em Planaltina.

A gravura faz parte da instalação performática **tão de olho aqui** (olho do Cruls) (2020) e é apresentada diante de uma miniatura da Pedra Fundamental feita com farinha de osso. Independente de onde montada a obra, o olho deve ser instalado apontando geograficamente para as coordenadas cartográficas do local do monumento. Com o tempo, o pó fino do obelisco vai se desmoronando – ou não.

![tão de olho aqui (olho do Cruls) (2020)](https://gpslifetime.blob.core.windows.net/medias/landing-page/olho_do_cruls_8840cba432.jpg)

Um cofre, um cubo de mármore branco típico das construções dos palácios de Brasília e um monte de terra vermelha retirada do Cerrado desmatado se encontram em depois de Anhanguera Nº2 (2020). Neste vídeo-objeto, o cubo dentro do cofre é enterrado na terra apanhada das imensas plantações de soja e três bichinhos holográficos sobrevoam a rocha. As imagens foram feitas com insetos reais muito comuns durante a época de chuva no DF.

![depois de Anhanguera Nº2 (2020)](https://gpslifetime.blob.core.windows.net/medias/landing-page/depoisdeanhanguera_N2_0006_d9b9a54f57.jpg)

Em 2022, João levou suas reflexões territoriais acerca do interior brasileiro para a **59ª Bienal de Veneza**. Representado pela Galeria Leme, o goiano foi selecionado para o **Pavilhão de Camarões**, inteiramente dedicado a NFTs. Para isso, ele transformou uma série de fotografias em obra digital.

No início teve resistência ao universo cripto, mas refletiu que as fotos de _tudo que é sólido…_ (2021) poderiam ganhar muito a nível de discussão e até **potencializar** a narrativa da obra. As imagens são geradas durante a queda de um cubo de mármore branco arremessado ao ar em paisagens do Cerrado desmatadas para plantações de soja e milho. **Tudo acabou conversando**. A virtualidade da queda infinita do cubo, a especulação de criptomoedas, a imaterialidade do NFT e o vazio que tomou conta das paisagens que antes preenchiam a infância de João em Planaltina.

![tudo que é sólido… (série) (2021)](https://gpslifetime.blob.core.windows.net/medias/landing-page/30112022_JP_sem_titulo8_4b23a792fb.jpg)

Mesmo se juntarmos aqui todas as suas obras, elas compreendem **somente uma mostra** do que o prolífico artista tem descoberto, refletido e trabalhado para exteriorizar nos últimos anos: **uma diversidade de gestos, suportes e possibilidades, amarrados por uma preocupação, investigação e afeto em torno daquilo que o fez**.

@joao.angelini
@pevermelhoec

_*Matéria escrita por Larissa Duarte para a Revista GPS 35_

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