Uma alteração tributária, feita às escondidas este ano, está prejudicando o mercado imobiliário, causando prejuízo aos compradores de imóveis e acarretando perdas ao Distrito Federal. Tudo porque a Secretaria de Fazenda do DF (Sefaz) passou a adotar, na hora de calcular o Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), a tabela de valor venal, em vez de considerar o custo real da transação.
Na prática, a medida encareceu o ITBI, assustando compradores e diminuindo a arrecadação do imposto. Além disso, aqueles que adquiriram imóveis e acabaram ingressando na justiça com pedidos de mandados de segurança ou com ações de obrigação de fazer venceram suas ações. Nesta última ferramenta jurídica, os honorários são pagos por quem perde – no caso, o DF. Assim, a conta acaba pesando nos cofres públicos, mantidos pelo contribuinte. Ou seja, o cidadão comum custeia o ganho – justo, diga-se de passagem – dos advogados nas ações.
Os prejuízos não são pequenos. Um comprador de um apartamento no Noroeste, por exemplo, adquiriu seu imóvel por R$ 1,509 milhão. Na hora de pagar o ITBI, a conta ficou salgada. Em vez de receber uma guia de R$ 45.270, foi informado que o tributo seria de R$ 54.720. Ingressou com ação na Justiça e conseguiu valer seu direito de arrecadar os 3% sobre o que pagou – que é o valor efetivamente praticado pelo mercado na região. Assim, o advogado receberá o valor de seus honorários dos cofres públicos.
Para piorar a situação, os cartórios estão proibidos de escriturar imóveis cuja diferença for superior a R$ 150 mil entre o valor efetivamente pago aos vendedores, como construtoras e imobiliárias, e a tabela da Sefaz, como no caso elencado acima. E não adianta ingressar com medidas administrativas dentro da pasta. Os resultados nunca beneficiam os compradores de imóveis, que recebem propostas como apresentar cartas com desistência de recursos, caso a análise de seus casos não os beneficie, o que é flagrantemente irregular.
Entidades se movimentam
As entidades que regem o segmento da construção civil e do mercado imobiliário têm atuado para que a Sefaz aceite os documentos das negociações como legítimos na hora de precificar o tributo, como contratos e demais instrumentos jurídicos que regem uma relação comercial.
O presidente do Conselho Regional dos Corretores de Imóveis do DF (Creci-DF), Geraldo Nascimento, detectou as discrepâncias entre os valores estipulados nos contratos e o efetivamente cobrado nas guias de ITBI logo no início do ano.
“O valor de cotação do imposto tem de ser igual ao do contrato. Não há como justificar essa diferença atual. Se a Sefaz estranhar o valor da negociação, aí deve ingressar com ações para cobrar o que for devido. Mas não deve presumir má-fé”, opina. Geraldo Nascimento reforça ainda que a maioria dos compradores nem sabe o que é o ITBI e que os recursos precisam envolver perícia. “Como ficam, nestes casos, as pessoas com menos recursos?”, questiona.
Na tentativa de solucionar o problema, as entidades representativas procuraram o setor público. “Fizemos uma reunião das empresas com a Secretaria de Fazenda, junto com o Sindicato da Indústria da Construção Civil do Distrito Federal (Sinduscon-DF), a Associação de Empresas do Mercado Imobiliário do Distrito Federal (Ademi-DF) e a Ordem dos Advogados do Brasil no DF (OAB-DF), entre outras. Levamos o caso ao Sebastião Melchior (subsecretário de Fazenda). O quadro, no entanto, permanece inalterado”, conta Geraldo Nascimento.
Presidente do Sinduscon-DF, Adalberto Valadão Junior reforça que a reunião envolveu também segmentos indiretamente ligados ao mercado. “O Sinduscon também está atuando contra esse posicionamento do GDF. Na reunião na Secretária de Fazenda, levamos o assunto em conjunto com várias entidades, entre elas a Anoreg (Associação dos Notários e Registradores do DF)”, conta.
Para o presidente da Ademi-DF, Roberto Botelho, a medida adotada pela Secretaria de Fazenda é irregular. “Solicitamos à Sefaz que se adeque ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que considerou que o valor devido de ITBI nas operações imobiliárias deveria ser aquele efetivamente negociado entre as partes e não o da pauta das secretarias municipais”, conta o presidente da entidade.
Apesar de todas as manifestações e pressões do segmento empresarial, o pedido apresentado segue em análise. Segundo Roberto Botelho, a pasta tem insistido na cobrança do valor da sua pauta, a despeito da decisão em contrário. “A Ademi-DF está acompanhando esse assunto e aguarda a decisão da secretaria”, completa.
A saída foi recorrer à Procuradoria-Geral do DF (PGDF). “Fizemos uma consulta ao órgão que, inicialmente, não deu parecer favorável ao nosso pleito. Depois, nos reunimos com a procuradora Ludmila Galvão, que ficou de reavaliar a questão, após receber um arrazoado com nosso posicionamento”, completa Adalberto Valadão Junior, do Sinduscon-DF. O encontro, acrescenta Geraldo Nascimento, do Creci-DF, foi em julho. “A Sefaz aguarda o parecer da Procuradoria-geral, mas, até agora, nada”, acrescenta.
O que dizem as autoridades
A PGDF confirmou que o caso ainda não foi apreciado. Em nota, a procuradoria informou que “o Gabinete recebeu os interessados em audiência e que o pedido de revisão do Parecer 271/2023 está em análise na Procuradoria Consultiva, que deve liberar a manifestação em breve no âmbito do processo administrativo nº 04034-00009796/2023-24”. Ainda de acordo com o documento, “não há número significativo de processos judiciais questionando a atuação da Secretaria de Fazenda em relação à base de cálculo do ITBI nas transações imobiliárias”.
Procurada pela reportagem do GPS Brasília, a Secretaria de Fazenda do DF informou que o procedimento adotado para emissão de ITBI “está de acordo com o Art 6º da Lei 3830/2006, com a Jurisprudência do STJ e TJDFT e com o Art 148 do Código Tributário Nacional”, segundo nota enviada à redação. Quanto à decisão do STJ sobre o ITBI, a pasta disse que está “em grau de recurso ao STF” e que “todas as decisões do TJDFT que determinam que a Sefaz emita o ITBI e fazem menção que podemos abrir o processo administrativo fiscal quanto ao valor pactuado pelas partes”, reforçando que a própria decisão do STJ afirma que a secretaria pode abrir processo administrativo próprio.
Cabe lembrar, porém, que a citada decisão do STJ deixa claro que “a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação” e que na mesma alínea citada pela Sefaz, o Superior Tribunal de Justiça estabelece que “o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio”. Além disso, ainda conforme a decisão, “o Município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido unilateralmente”.