O universo pet vem crescendo a cada ano e, somente em 2024, movimentou mais de R$ 75 bilhões, de acordo com o Instituto Pet Brasil (IPB) e a Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet). Os animais de estimação vem, cada vez mais, vivendo como seres humanos: saíram do jardim para a cama fofinha e com travesseiro; da ração para a alimentação natural preparada com exclusividade; ganharam festas de aniversário e armários lotados de roupinhas, além de dias na creche ou no spa. Mas, até que ponto, isso é bom para os bichinhos?
A professora Christine Souza Martins, da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de Brasília, alerta que o excesso de humanização de cães e gatos pode trazer problemas que afetam desde o comportamento até a saúde física e mental dos animais.
“Aqueles pets que ficam muito tempo presos em ambientes fechados acabam tendo restrição de exercícios, o que pode desenvolver problemas nas articulações, obesidade e dificuldades de socialização com outros animais e pessoas”, revela. Além disso, ela destaca que o uso exagerado de roupas pode causar ou agravar problemas de pele, assim como o fato de que consumo de alimentos destinados aos humanos pode provocar desequilíbrios nutricionais, alergias e doenças gastrointestinais crônicas.
“Tratar o animal como uma pessoa pode gerar dependência emocional nos próprios bichos e também em seus tutores, como crises de ansiedade e de separação”, observa.

Foto: reprodução/Medium
Ainda , o confinamento prolongado e sem atividades que estimulam a mente pode causar distúrbios de ansiedade e agressividade. “O animal que não tem oportunidade de conviver com outros bichos e exercer atividades de recreação, como correr, saltar, brincar, farejar, caçar e latir, pode ficar inseguro e incapaz de utilizar seus instintos naturais”, afirma Christine.
Antropomorfismo
A ideia de atribuir características humanas aos animais é chamada de antropomorfismo – e não é nova. “Já na Antiguidade grega, os animais eram considerados seres dotados de alma, ainda que nem sempre uma alma racional”, explica o professor de filosofia e sociologia Patrick Martins de Carvalho. “Entre diversas tradições indígenas, o animismo também aparece como uma concepção recorrente, atribuindo alma e espírito a todos os seres vivos”, acrescenta.

Foto: reprodução/Portal Pet
Ele conta, ainda, que na Europa medieval não era incomum que animais fossem levados a julgamento, com direito a todo o aparato legal: advogados de defesa, acusações formais e sentenças.
“Dessa forma, o que observamos hoje, o apego excessivo e a tendência ao antropomorfismo dos animais, não representa exatamente uma novidade, mas sim uma reconfiguração desse fenômeno em um novo contexto: o de uma sociedade hiper acelerada, obcecada pela produtividade a qualquer custo, marcada pela fragilidade dos laços sociais, pela perda de uma identidade coletiva e por um individualismo exacerbado”, analisa.
Para ele, esses fatores geram ansiedades profundas e “infarto psíquicos”, como definiria o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, criando um cenário paradoxal: uma sociedade hiperconectada, mas carente de afetos e vínculos sólidos. “Nesse contexto, os animais passam a ser vistos como depositários de um afeto puro e amor desinteressado, algo cada vez mais raro nas relações humanas. Ao mesmo tempo, ter filhos se torna uma decisão financeiramente arriscada, especialmente diante de um cenário de crise global, guerras, e insegurança econômica”, reflete.

Foto: reprodução/Patas da Casa