Em 2018, o nome da escritora inglesa C. J. Tudor dominou as redes sociais depois de um tuíte elogioso escrito por um grande nome do gênero literário de terror e mistério, Stephen King. “Quer ler algo bom? Você não o encontrará na mesa dos best-sellers que fica na entrada das livrarias, mas é algo novo: O Homem de Giz, de C. J. Tudor. Se você gosta das minhas obras, vai gostar”, escreveu ele.
O livro logo atingiu o topo dos mais vendidos em vários países (no Brasil, já são mais de 70 mil leitores), especialmente por ser comparado à série Stranger Things, da HBO, ao filme It, a Coisa, e ambientado nos anos 1980 e 1990, além de trazer várias reviravoltas na narrativa.
Também conferiu prêmios a Caroline Jane Tudor – que hoje, aos 51 anos, reconhece a importância de seu mais famoso fã na construção da carreira. “De várias maneiras, muito do que Stephen fez influencia a minha maneira de escrever”, diz a autora, que, depois de quatro romances, se aventura no universo dos contos com Onze Portas para a Escuridão, recém-lançado pela Intrínseca.
São histórias que tratam de fendas no espaço, crianças assustadoras, apocalipse e pesadelos – temas habituais na prosa de Tudor, que passou dez anos até publicar seu primeiro livro – para se manter, ela precisou trabalhar como cuidadora de cães e garçonete até conquistar o sucesso.
Uma garota com um estranho dom faz amizade com uma assassina; quatro amigos resolvem explorar um prédio abandonado com segredos nebulosos; pai e filha fazem uma viagem de carro por estradinhas rurais em meio à escuridão total; uma tempestade de areia promete trazer lembranças indesejáveis: em todos os contos Tudor revela as inspirações para construir cada trama. É o que ela também faz nesta entrevista por e-mail ao Estadão.
Você acredita que as histórias do livro seriam menos sombrias se tivessem sido escritas em uma época em que você não enfrentasse problemas familiares e também a pandemia?
É interessante. Eu diria que cerca de metade das histórias foi escrita muito antes da pandemia. Foram histórias que escrevi nos últimos seis ou sete anos. No entanto, das mais recentes, muitas têm temas apocalípticos, então isso definitivamente ficou em minha mente. Todas as nossas experiências alimentam nossa escrita de certa forma. Não acho que minhas histórias seriam menos sombrias – acho que minha natureza é sombria! -, mas talvez eu não estivesse pensando tanto no fim das coisas: do mundo, dos relacionamentos, da vida.
A propósito, quão tênue é a linha entre o mistério e o horror?
Muito legal a pergunta. Existem grandes suspenses que eu chamaria de terror – O Silêncio dos Inocentes, por exemplo. E alguns grandes romances de terror que são mais como thrillers, como Louca Obsessão. A linha é repetidamente borrada. Suponho que muitas vezes pensamos no terror como tendo um elemento sobrenatural, mas não é necessariamente assim. Meus livros foram chamados de “chillers” (obras com uma história assustadora ou cheia de suspense). Thrillers com uma pitada de terror ou “arrepios”, de que eu gosto bastante. Pessoalmente, acho que o terror permite que você seja mais inventivo que os romances policiais tradicionais, e é por isso que me sinto atraída por ele. Não há limites para o que você pode escrever.
Qual a importância da perspectiva do narrador? Existe uma conexão entre perspectiva e verdade?
Eu diria que muitas vezes há uma lacuna muito grande entre a perspectiva e a verdade. Narradores não confiáveis são um pouco clichês hoje em dia, mas, no final das contas, todos os narradores são não confiáveis. Nossas memórias são fluidas e falíveis. Cada um de nós vê os acontecimentos à sua maneira. A maioria das pessoas terá contado uma história e feito alguns ajustes para parecer melhor. É da natureza humana esfregar as pontas duras da verdade. Somos todos narradores não confiáveis, mesmo quando pensamos que estamos sendo honestos.
Você vê um parentesco profundo entre a literatura de suspense e a psicanálise, no sentido de que há sempre, em ambas, uma verdade oculta a ser desvendada?
Acho que todos os romances de suspense são sobre segredos – aqueles que escondemos de nós mesmos e dos outros – e acho que, de certa forma, isso é verdade. E a maioria dos autores também expressa seus próprios medos e preocupações na página. Então, escrever é uma forma de terapia.
Você pensa sobre o papel que a religião desempenha (ou não) em sua escrita?
Não conscientemente, mas acho que está presente em muitos dos meus livros. Vejo a obsessão da humanidade pela religião como algo muito estranho. Hoje em dia, com tudo o que sabemos sobre o mundo e todos os nossos avanços científicos, as pessoas ainda se apegam a essas crenças antigas. A minha é que só temos uma chance nisso, então devemos fazer o possível para ser pessoas decentes, gentis e tolerantes nesta vida. Seja gentil. Isso é tudo que você pode fazer.
Você exorciza seus medos através de seus livros?
Muitas vezes! Essa é a grande coisa sobre o terror. Você pode colocar tudo na página.
O que a inspirou ou capturou sua imaginação em termos de horror, quando adolescente? Houve algo que fez você pensar: “É isso que eu quero fazer”?
Ler meu primeiro livro de Stephen King foi um despertar para mim! Sempre fui atraída por livros assustadores e mistérios. Mas, quando peguei uma cópia surrada de Christine na biblioteca, era isso. Foi algo diferente, falou comigo, era o que eu queria escrever.
Graças aos e-books, blogs e mídias sociais, os escritores estão usando novas tecnologias como nunca antes. Histórias são escritas usando o Twitter, romances como mensagens de texto e parece haver um ressurgimento de narrativas em série. Você acredita que a tecnologia terá uma influência considerável na ficção? Ou já tem?
A ficção sempre evoluirá, mas acho que devemos ter um pouco de cuidado com a tecnologia desempenhando um papel muito importante Estou muito desconfortável com coisas como o ChatGPT. Não deveriam nunca substituir escritores humanos. Espero que nunca aconteça. Nenhum romance – mesmo os grandes – é perfeito e há uma alegria na imperfeição humana. Não sou um grande fã de truques por escrito, só quero ouvir uma história incrível, à moda antiga.
*As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.