Quando um casal se divorcia, a dúvida sobre quem ficará com a guarda dos filhos é decidida na justiça. O mesmo acontece quando se trata de animais de estimação, que, por muitos, são considerados parte da família. Segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (ABINPET), o Brasil ocupava, em 2023, o terceiro lugar entre os países com a maior população pet do mundo, com mais de 160 milhões de animais, ficando atrás apenas dos Estados Unidos (1º) e da China (2º).
Por outro lado, os últimos dados disponibilizados pelo IBGE, relativos a 2022, demonstram um aumento 8,6% dos divórcios no País em relação a 2021, totalizando 420.039 casos.
Esse panorama levanta uma questão importante para as famílias: na ocorrência da dissolução matrimonial, ou seja, do fim do casamento, quem ficará com a guarda do pet?
Para a advogada Paula Cureau, da Nelson Wilians Advogados e especializada em Direito Civil, não há dúvidas de que a relação entre seres humanos e animais ultrapassa a mera relação de posse, sendo criados verdadeiros laços afetivos entre os animais e seus tutores. “Não só os humanos estabelecem fortes laços com os animais, mas os animais com os humanos que com ele convivem”, destaca.
Assim, ela explica que, na ocorrência da separação, vem se tornando cada vez mais clara a necessidade de observar as necessidades afetivas não apenas do cônjuge que irá se separar do pet, mas também do animal que será separado do seu tutor.
“Durante muito tempo os animais tiveram natureza jurídica de bem móvel. Sob essa ótica, eles não teriam direitos, de forma que suas garantias estariam relacionadas aos direitos de seus donos, e as discussões sobre eles estariam mais próximas de institutos como a posse e a propriedade”, explica.
Porém, apesar de a caracterização legal dos animais de estimação não ter sido alterada, “a evolução da sociedade fez com que o judiciário reconhecesse que a definição como simples coisa não é mais suficiente para tratar os litígios que envolvem animais de estimação”, acrescenta Cureau.
Assim, em 2018, uma decisão inédita foi tomada pela Corte Superior, em que foi considerada possível a regulamentação judicial de visitas a animais de estimação após a separação de um casal, reconhecendo o vínculo entre humano e pet.
A advogada revela que esse foi o primeiro caso analisado pelo STJ em que se reconheceu que os animais representam um “terceiro gênero”, não se tratando de sujeito de direito e nem de uma coisa inanimada.
“Em relação à guarda compartilhada, vale dizer que as decisões do judiciário dizem mais respeito ao direito de visitação do que à guarda, efetivamente”, ressalta. “O que se percebe é que as decisões proferidas pelo judiciário não abordam, na grande maioria das vezes, a guarda compartilhada propriamente dita, à semelhança do que ocorre com a guarda dos filhos, se limitando a visitas pelo cônjuge que não ficou com o animal”, complementa.
Nesse sentido, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 941/2024, de autoria da Deputada Federal Laura Carneiro (PSD/RJ), já aprovado pelas Comissões de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) e de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).
De acordo com o PL, o primeiro critério para ser deferida a guarda compartilhada do animal, cujos termos serão definidos pela Vara de Família, é de que seja de propriedade comum do casal em separação. Ou seja, o seu tempo de vida deverá ter transcorrido, majoritariamente, na constância do casamento ou união estável.
“A guarda não poderá ser compartilhada se houver histórico ou risco de violência doméstica ou familiar ou na ocorrência de maus tratos contra o animal doméstico”, salienta Cureau.
Outros elementos que serão levados em consideração para o estabelecimento da guarda compartilhada e definição do tempo de convívio com o pet são:
- ambiente adequado para a morada do animal;
- disponibilidade de tempo;
- condições de trato, zelo e sustento que cada uma das partes tem.
Ao definir a guarda compartilhada, despesas que envolvem alimentação e higiene ficarão sob a responsabilidade de quem tiver o animal em sua companhia, enquanto outros gastos como consultas veterinárias, internações e medicamentos deverão ser divididos igualmente entre as partes.
“Com isso, podemos perceber a importância do Projeto de Lei tanto para a proteção do bem-estar do animal, mas, também, dos tutores”, afirma a advogada.
No entanto, enquanto não sancionado o PL, ainda é dever das partes envolvidas chegarem a um acordo comum, considerando o melhor para o pet. Caso não haja acordo, caberá ao judiciário definir os termos da guarda do animal, porém, sem qualquer dispositivo legal que o ampare, ficando a critério do juiz estabelecer os termos que entenda mais adequados ao caso.