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Graça Ramos: “Somos todas doutoras na prática do desdobrar-se”

Em sua busca constante por respostas, Graça Ramos permanece fiel aquilo que teve que aprender para não se sabotar que é “não cultivar culpa”. Mulher, mãe, avó, jornalista, pesquisadora e escritora, assim como diversos personagens que perfilamos ao longo desta semana em que tivemos as comemorações ao Dia Internacional da Mulher, ela também se vê na condição de ter que ser uma pessoa multitarefas.

 

A grande questão é que (e isso pode ser apenas uma opinião deste jornalista), Graça escolheu a área mais difícil em que uma mulher pode estar, aquela em que é essencialmente necessário e imprescindível pensar, questionar, responder e emitir opiniões. Não é preciso de dados científicos para comprovar essa teoria, de que ocupar um espaço na produção de conhecimentos é uma tarefa árdua, principalmente para uma mulher em meio a uma sociedade patriarcal.

 

Seguindo convicta de quem é, Graça nos traz agora, mais um de seus belos presentes, seu novo livro, O Apagamento de Volpi: presença em Brasília. A obra será lançada no próximo dia 14 de março, terça-feira, a partir das 18h, no Gentil Café (410 sul). Com 240 páginas, a obra contém uma extensa pesquisa em acervos públicos e privados sobre os primeiros anos da capital federal, e elenca os fatos que antecederam e levaram ao desaparecimento dos afrescos pintados por Alfredo Volpi nas paredes da Igrejinha de Fátima da 308 Sul.

 

Vale lembrar aqui que, apenas quatro anos após serem feitos, os afrescos pintados por Alfredo Volpi nas paredes da Igrejinha da 308 Sul foram lixados e as paredes receberam uma camada de tinta, em 1962. Desaparecia ali a obra concebida pelo pintor que ousou transgredir os cânones da Igreja Católica e colheu, em troca, o apagamento de sua arte.

Desse modo, a publicação, que consolida a trajetória de Graça Ramos como pesquisadora da história da capital federal, destaca o papel cumprido pela Igreja Católica nesse enredo que levou à raspagem da pintura de Volpi das paredes da edificação inovadora projetada por Oscar Niemeyer. As vozes religiosas que se insurgiram contra o traço volpiano, tachando-o de infantil e transgressor, pesavam no ambiente político da época. Juscelino Kubitscheck desdobrava-se em gestos de cordialidade com os líderes católicos para fazer avançar o processo construtivo de Brasília.

 

A curadora e pesquisadora da arte Fernanda Lopes, que assina o prefácio da publicação, ressalta que o livro abre um novo flanco de investigação e reflexão sobre a obra de Volpi, bem como a de uma rede mais complexa e menos oficiosa sobre a criação de Brasília. “Um trabalho fundamental para todos aqueles pesquisadores, estudiosos e interessados não só na história das artes visuais no Brasil, como também na maneira como um debate estético e histórico se estabelece, em suas revelações e apagamentos, entre os agentes do campo, suas instituições, os críticos e o público”, afirma.

 

O arquiteto e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília Eduardo Pierrotti Rossetti analisa que Graça Ramos “articula questões da história de Brasília, de sua arquitetura e de suas memórias“. Em seu texto da contracapa do livro, o professor ressalta que a autora “recupera fatos e movimenta uma trama entre Volpi, Niemeyer, JK e tantos outros personagens para revelar a complexidade da Igrejinha”.

 

 

Um pouco mais sobre a autora

 

Jornalista, Graça Ramos é doutora em História da Arte pela Universidade de Barcelona e mestre em Literatura pela Universidade de Brasília. Pesquisadora e curadora independente, concentra-se em estudar expressões da arte e da arquitetura produzidas em Brasília.

 

Entre suas obras estão: Palácio do Planalto: entre o cristal e o concreto; em coautoria com Eduardo Rossetti, publicou Palácio Itamaraty: a arquitetura da diplomacia; junto com Beth Cataldo, organizou o livro Brasília aos 50 anos: que cidade é essa?; foi finalista do Prêmio Jabuti (2010) com o livro Maria Martins: escultora dos trópicos; além de ter escrito títulos na literatura infantil como Habitar a infância: como ler literatura infantil; a Casa do sabor e Vamos voar as trancinhas?, ilustrado por Francisco Galeno; e outros.

 

Bate-papo com Graça Ramos:

 

GPS – Como você vê a participação das mulheres na pesquisa historiográfica de Brasília e do Brasil?

 

Graça RamosNós, mulheres, ocupamos cada vez mais espaço em todos os setores da sociedade, em especial na produção acadêmica. No campo da historiografia, cresce a importância e o reconhecimento da presença feminina. Há nomes bastante representativos. Em Brasília, cito o de Ana Flávia Magalhães Pinto, que estuda a intelectualidade negra brasileira e é a primeira diretora negra do Arquivo Nacional. Em âmbito nacional, há o trabalho precursor de Mary Del Priore, que nos ensina sobre a presença de mulheres na história do Brasil. Lilia Schwarcz e Heloisa Starling, ambas professoras doutoras, nos apresentam novos olhares sobre a história social brasileira.

 

GPS – Em um mundo machista, sua área de atuação (pesquisa e mercado editorial) viveria uma exceção ou seria ainda pior?

 

Graça RamosAs dificuldades de gênero são constantes em todas as áreas. A luta das mulheres para se impor como referência é sempre muito forte em qualquer lugar da sociedade brasileira.

 

GPS – Durante muito tempo, em diversas culturas e ainda dentro de algumas realidades, hoje em dia, mulher não tem que pensar. O contrário da sua realidade, onde você pensa e nos guia para um mundo mais iluminado. Foi difícil chegar nesse ponto ao longo da sua carreira?

 

Graça RamosDesculpe-me, mas preciso observar que iluminar o mundo é para muitos poucos. O que faço é oferecer caminhos de leitura vinculados a determinados temas. Para conseguir ler o mundo com os instrumentos que hoje tenho, foi e ainda é preciso estudar muito, ler, estar sempre aberta ao mundo.   

 

GPS – Você é mãe, avó, jornalista, pesquisadora, escritora: como concilia os diversos papéis? Tem algum que fica aquém diante das suas próprias expectativas e cobranças enquanto mulher ou segue em paz?

 

Graça RamosComo quase todas as mulheres, aprendi a organizar o meu tempo e a concentrar a atenção no que faço. Aprendi a não cultivar culpa, por entender que muitas vezes a cobrança é uma exigência absurda, herança patriarcal sobre nós. Brinco que somos todas doutoras na prática do desdobrar-se.  Assim, procuro cumprir com os vários papéis sociais da maneira que for possível desempenhá-los. Claro, dependendo do momento, um papel pode exigir mais que o outro, e aí é preciso estabelecer prioridades, contar com redes de apoio. A solidariedade é um mecanismo fundamental na vida.  

 

GPS – E fora da sua seara, de modo geral, as mulheres já podem respirar tranquilamente e comemorar ou tomar fôlego e partir para cima continua sendo imperativo?

 

Graça RamosRespirar tranquilamente é privilégio de muito poucos no Brasil. Para as mulheres, isso é quase impossível. Ainda é preciso muita luta, muito esforço, e muita união, para as mulheres serem reconhecidas e respeitadas, ganharem salários equivalentes aos dos homens, não serem vítimas de feminicídio.

 

Serviço:

 

Graça Ramos, O apagamento de Volpi: Presença em Brasília (Tema Editoria)  – Lançamento do livro com sessão de autógrafos

  • Quando: 14 de março, terça-feira, a partir das 18h
  • Onde: Gentil Café, CLS 410, Bloco B, loja 36
  • Quanto: R$ 65,00
  • Mais informações/reserva de mesas: (61) 3546-8651

 

Redação GPS

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