A maternidade nem sempre segue o caminho convencional. Para muitas mulheres, a gestação de substituição, conhecida popularmente como “barriga de aluguel”, representa uma chance de realizar o sonho de ter um filho biológico. No Brasil, o procedimento é regulamentado pela resolução 2.320/2022 do Conselho Federal de Medicina, que permite a prática desde que não haja fins lucrativos envolvidos.
O processo envolve a fertilização in vitro e a transferência do embrião para o útero da gestante de substituição. Ela, que não possui vínculo genético com a criança, aceita levar a gestação até o fim para entregar o bebê aos pais pretendidos. Entre avaliações psicológicas, acordos jurídicos e acompanhamento médico rigoroso, o caminho é longo e repleto de desafios emocionais e de caminhos éticos a serem seguidos.
Aos 35 anos, Nayara Jarvis Tome viu o desejo de ter uma família maior ir embora ao perder seu segundo filho e não poder engravidar mais devido a questões de saúde.
“Eu sofri, vamos dizer assim, o luto dessa notícia. Fiquei algum tempo trabalhando isso no meu coração, tentando entender. Eu tinha muita certeza de que teria outro filho, não imaginava que seria tão tranquilo da primeira vez e tão difícil da segunda”, desabafa Nayara. Mesmo após meses tentando aceitar a realidade, ela não desistiu de buscar alternativas. “Eu não aceitei que esse seria o fim da história. Comecei a pensar em todos os recursos possíveis para completar minha família”, relata.
Durante uma viagem para visitar a família nos Estados Unidos, em 2023, o destino lhe apresentou uma possibilidade que até então parecia distante: a gestação de substituição. No país, se reuniu com suas irmãs e uma delas lhe questionou sobre a possibilidade de uma gestação de substituição.
O método é mais comum no país norte-americano, onde a prática é permitida de forma comercial. “Naquele momento, parecia algo de novela, coisa de famoso. Mas, quando voltei para o Brasil, comecei a pesquisar e descobri a resolução 2.320/2022 do Conselho Federal de Medicina. Ela permite a gestação de substituição, desde que sem fins lucrativos”, conta Nayara.
A partir da descoberta, um novo desafio se impôs, encontrar alguém disposto a gestar o bebê. “Eu passei um tempo tentando identificar quem poderia fazer isso por mim. Pensei em amigas, primas, mas parecia algo muito difícil de pedir. Até que um dia, após uma conversa com um colega, o nome da Suzane veio à minha mente”, relembra.
Suzane, de 35 anos, é casada, tem dois filhos e é sobrinha do marido de Nayara, Paulo Siqueira, de 48 anos. “Ela sempre me admirou muito e eu a ela. Desde que pensei nela, senti paz. Mas antes fazer a sugestão, conversei com a mãe dela para ter um termômetro. Não queria que ela se sentisse pressionada”, explica. Para o surpresa da Jarvis, a resposta veio de forma rápida e positiva.
“A Suzane me ligou dizendo que estava honrada por eu ter pensado nela e que estava de coração aberto. Mas claro, ela precisaria conversar com o marido primeiro”, relembra Nayara.
Após meses de preparação, exames, consultas médicas e sessões de terapia, o embrião foi transferido para o útero de Suzane em novembro. Dez dias depois, o exame confirmou; Suzane estava grávida do pequeno Leonardo.
“Eu estou vivendo um processo único, mas também muito solitário. Não estou gestando, então não tenho aquela conexão diária que a barriga proporciona. A forma que encontrei de realizar a chegada do Leonardo foi montando o quarto dele, comprando as roupinhas, organizando tudo. Esse é o meu vínculo com ele”, diz Nayara, emocionada.
Durante a gestação, Suzane envia vídeos, áudios do batimento cardíaco e fotos para Nayara, que acompanha cada etapa à distância. “Ela manda fotos dela se exercitando, comendo, e a gente conversa todos os dias. Eu vou a todas as consultas pré-natal, tanto em Brasília quanto em Goiânia. Estamos todas juntas nesse processo”, afirma.
Para Nayara, a gestação de substituição é um caminho que nem todas as mulheres escolheriam. “Eu sei que outras pessoas no meu lugar talvez preferissem não ter outro filho. Mas para mim, minha família completa é mais importante do que passar pelo processo de gestação. E eu sou muito privilegiada por ter alguém que se dispôs a fazer isso por mim”, revelou.
Apesar de o fato que a gestação de substituição representa um caminho possível para concretizar o sonho de aumentar a família, Nayara destaca que o processo não é acessível para todos. “A fertilização in vitro tem um custo elevado e, além disso, nem sempre existe alguém disposto a se colocar no lugar da mãe gestante”, ressalta.
Apesar das dificuldades, a mãe biológica se sente privilegiada por contar com Suzane, proporcionando à família uma jornada marcada por gratidão e laços eternos. “O Leo vai saber como ele chegou, que foi por um caminho diferente, uma história especial que marcou nossa família para sempre”, compartilha Nayara.
Como é ser uma gestante de substituição
Casada e mãe de dois filhos, Santiago, de 5 anos, e Cecília, de quase 3, Suzane define a experiência como “uma aventura para marcar uma história”. Psicóloga perinatal, ela nunca havia conhecido um caso de perto e, no início, muitas dúvidas surgiram. “Eu só ouvia falar de barriga de aluguel fora do País, algo lucrativo. Aqui no Brasil, eu nunca tinha visto”, relembra.
Para ela, a decisão de emprestar o útero foi movida, principalmente, pela vontade de fazer algo significativo. “Quis vivenciar algo que fugisse do comum, que marcasse minha trajetória aqui na Terra. Além disso, foi uma forma de retribuir tudo que meu tio fez por mim no passado”, diz. A conexão entre as famílias foi um fator determinante. “Eu sabia que, ao aceitar, estaria criando um vínculo ainda mais forte com eles. A Nayara é muito especial para mim”, acrescenta.
A gestação, entretanto, não foi simples. Nos primeiros meses, Suzane enfrentou um descolamento ibofoblástico, um deslocamento inicial do embrião, que exigiu repouso e o aumento da dose de hormônios. “Foi um período desafiador, com medo de perda gestacional e emoções à flor da pele por conta dos hormônios”, conta. Agora, a gravidez estabilizou e o parto está previsto para a primeira quinzena de julho.
No momento do nascimento, Suzane espera contar com a presença do esposo e dos pais do bebê. “Esse é o momento da entrega, um instante muito especial que eles precisam viver juntos”, afirma.
Apesar do vínculo inevitável com o bebê que carrega, Suzane não se vê como mãe de Leonardo. “Eu não tenho aquele sentimento de mãe, mas tenho amor, carinho e cuidado. Meus filhos sabem que ele não é irmãozinho deles. Eu explico que é o filho da Nayara e do Paulo, mas que ele vai ser um primo muito especial”, destaca. A psicóloga diz que seus filhos já compreendem a situação e a apoiam.
O marido de Suzane também esteve ao lado dela desde o início, embora tenha questionado a decisão. “No começo, ele me perguntou: ‘O que você vai ganhar com isso?’ E eu respondi: ‘Nada físico. É algo emocional, espiritual. Se eu posso oferecer algo nessa magnitude, por que não?’”, relembra. Hoje, ele é um dos maiores apoiadores e acompanha de perto cada etapa da gestação.
A gestante garante que a experiência está sendo transformadora, mesmo em meio às limitações impostas pela gravidez. “Claro que há desconfortos físicos, como dores nas costas, mas já passei por isso antes. Meu foco está em manter a saúde do Leonardo e entregar ele saudável aos pais”, afirma. Mesmo após o parto, o vínculo entre as famílias deve permanecer. “Nós já éramos próximos e agora ficamos ainda mais. Vou continuar acompanhando o crescimento do Leo. Ele sempre vai fazer parte da nossa história”.
Para Nayara, a maior recompensa não é algo palpável. “Meu benefício é emocional, espiritual. Sinto que estou deixando um legado. Essa jornada vai marcar minha vida e a deles para sempre”, conclui Suzane, com a serenidade de quem decidiu emprestar o corpo para gerar um novo capítulo na vida de outras pessoas.