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Gênero na moda? Com foco na liberdade, marcas deixam “masculino” e “feminino” de lado

Professor da UnB explica que mercado ainda caminha lentamente quando assunto é moda genderless, mas cenário vem mudando

No cenário atual, uma pergunta tem se tornado cada vez mais inevitável: por que ainda insistimos em separar roupas entre “masculino” e “feminino”? Em um mundo onde as noções de identidade se expandem para muito além da binaridade, marcas e designers começam a rever o papel do vestuário como ferramenta de expressão. A chamada moda sem gênero — ou genderless — vem ocupando esse novo território, onde o estilo não precisa de etiquetas e a roupa passa a ser, antes de tudo, um espaço de liberdade, que enxerga a moda como linguagem e não como limite. 

Para o professor Breno Abreu, do Departamento de Design da Universidade de Brasília (UnB), a moda é muito mais do que uma escolha de estilo: é política, cultura e identidade. “A primeira coisa importante é fazermos essa definição de gênero e lembrar que ele é uma construção sociocultural, não tem uma relação com a questão do sexo biológico“, explica. 

Nesse sentido, a moda agênero representa uma tentativa de diminuir ou até mesmo eliminar os marcadores tradicionais que delimitam o que seria uma peça “feminina” ou “masculina”. Não se trata apenas de estilo, mas de um processo cultural de ruptura.

O que eu tenho percebido é que podemos observar cantores como David Bowie e Prince, que expandem essa fronteira do gênero, do que é uma roupa masculina e o que seria uma roupa feminina, pensando dessa forma binária. E eles já rompiam isso antigamente também. As marcas tem se produzido uma moda para todos“, comenta Breno.

Em Brasília, esse movimento ainda é discreto — mas começa a ganhar corpo com marcas como a Use Bem Te Vi, loja de camisetas criada por Cáren Perazzo e Kamila Chianca, melhores amigas que decidiram virar sócias há dez anos.

A Use Bem Te Vi nasceu da amizade e da trajetória empreendedora minha e da Kamila. Já tivemos outras marcas voltadas para o público nerd/geek, mas, com o tempo, sentimos a necessidade de criar algo que conversasse mais com as nossas vivências atuais, nossas referências culturais e principalmente com o jeito como a gente vê o mundo hoje“, conta Cáren.

Foto: Divulgação/Use Bem Te Vi

A proposta sempre foi clara: “Desde o início a ideia era fazer uma etiqueta sem gênero. Sempre fomos apaixonadas por camisetas, mas parecia que as estampas mais legais estavam quase sempre na sessão masculina. A proposta agênero nasceu dessa vivência muito real de consumo“, explica a sócia.

Breno observa que, embora algumas marcas nacionais e internacionais já invistam nesse caminho — como a Dendezeiro, Isaac Silva ou a espanhola Palomo Spain —, a aceitação mais ampla esbarra em resistências culturais. “Outro dia, na festa de apresentação da novela Vale Tudo, ficaram questionando os vestuários dos homens. ‘Quem são esses homens? Por que eles estão se vestindo assim?’ E a maioria deles estavam com roupas que empurravam essa barreira de gênero. Então, a gente consegue perceber que a questão cultural, principalmente brasileira, ainda não recebe muito bem, principalmente pensando em grandes marcas de fast fashion”, analisa o professor. 

Cáren confirma esse diagnóstico a partir da própria experiência. “Em Brasília, o varejo de moda ainda é muito marcado por essa divisão tradicional entre o feminino e o masculino. Tanto que muita gente acha que a Use Bem Te Vi é de São Paulo, e fica surpresa ao descobrir que somos daqui. Isso nos motiva ainda mais, porque a gente quer mostrar que é possível inovar, quebrar padrões e criar uma marca com identidade própria fora do eixo tradicional da moda“, conta.

Foto: Divulgação/Use Bem Te Vi

Essa ruptura, no entanto, não é só estética. É também estratégica e pragmática, tanto por uma questão de identidade e representatividade, quanto por um ponto de vista prático de produção. “Trabalhar com peças sem gênero permite mais agilidade, menos desperdício e mais liberdade criativa. A lógica de separar roupas por gênero está cada vez mais ultrapassada“, afirma a empresária. 

Desafios 

Breno explica que, do ponto de vista técnico da moda, fazer roupas sem gênero pode ser mais difícil, principalmente no início, mas é possível. “Os marcadores de gênero dentro das peças normalmente fazem com que o corpo seja delineado pela roupa. Acho que o desafio aqui é como pensar na pluralidade de cores, na utilização de acessórios de uma maneira mais livre. As roupas precisam ser um pouco mais descoladas do corpo, justamente para não ter essa marcação tão grande de partes que diferenciam  o masculino e o feminino. Então, as peças tendem a ser mais amplas“, observa. 

Preocupação que também aparece no dia a dia da Use Bem Te Vi, que desenvolve modelagens próprias.

Foto: Divulgação/Use Bem Te Vi

“Claro que, de vez em quando, rola alguma confusão com o tamanho, porque às vezes a pessoa não lê sobre a modelagem e acha que a peça vai vir no padrão ‘feminino’. Para ajudar nisso, temos uma ferramenta de provador virtual no site e vídeos explicativos. A transparência e a comunicação ajudam muito”, diz Cáren.

Mas, no geral, ela conta que o retorno do público tem sido positivo: “A maioria entende super bem, porque nosso público já está alinhado com esse tipo de proposta”.

Moda é política?

Na moda agênero, o tecido vira manifesto. Cada peça pode ser uma afirmação de liberdade, uma recusa aos rótulos, um gesto de pertencimento — ou de reinvenção. Para os entrevistados, a moda é sim política. Mas sua força está na capacidade de provocar — e de propor.

“A moda fala principalmente desse reflexo da sociedade e da nossa cultura, e trabalhar isso politicamente é necessário para a gente tensionar a questão social, do que é permitido e do que não é. Acho que a gente está passando por uma nova fase, onde essa quebra de regras normaliza a questão do vestuário, então acredito que ela é de fato política, porque ela tende a ser mais democrática”, analisa o professor da UnB. 

Essa democracia se expande também para os corpos. Ao eliminar padrões de gênero, são criadas roupas mais inclusivas: para pessoas gordas, com deficiência, não binárias — pessoas que, por muito tempo, ficaram à margem da indústria da moda.

No caso da Use Bem Te Vi, esse compromisso vai além das camisetas. “Todos os nossos produtos são pensados para serem usados por qualquer pessoa. Trabalhamos com roupas que falam sobre identidade, humor, cultura pop e que priorizam conforto e versatilidade”, afirma Cáren, que ainda diz que em 2025 irá lançar uma nova linha de produtos (sem dar mais spoilers). 

Foto: Divulgação/Use Bem Te Vi

Enquanto isso, a etiqueta segue com planos de expansão. “Nosso foco agora é crescer tanto no mercado local quanto no mix de produtos. Além disso, estamos muito atentas ao comportamento da Geração Z, que já mostra um jeito muito diferente de consumir. Mesmo que hoje nosso público principal esteja entre 26 e 34 anos, sabemos que entender e dialogar com quem está vindo é essencial para o futuro da marca”, diz a empresária. 

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