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Gabriela Bemfica, a advogada que demole todos os estereótipos

Pela primeira vez na sua história, a Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim-DF) tem uma mulher na sua presidência. Gabriela Bemfica está à frente de mais um dos inúmeros desafios profissionais que a vida sempre apresentou. Com a altivez que lhe é característica, vai desempenhar a tarefa sucesso. Radicada em Brasília há 13 anos, a porto-alegrense enfrentou de tudo um pouco: machismo, misoginia, desconfiança e causas complexas. Venceu a tudo e a todos, mantendo a classe e a elegância que já despontava na menina nascida no bairro da Floresta e criada em Moinhos de Vento.

 

Vem da clareza e retidão pragmática do povo gaúcho parte de sua postura. Na infância, ouvia do pai, figura importante de sua vida, a frase que a define: “em tudo você se comporta como se estivesse em um tribunal”. Claro, a então menina nunca aceitou o “porque sim” como resposta. Aos poucos, foi se tornando também uma defensora natural. Assim, aos 19 anos, ingressou na prestigiada Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e deu sequência a uma vocação natural: o Direito. Não era filha ou neta de advogados ou advogadas; era, apenas, ela: Gabriela.

 

Pode-se dizer tranquilamente, parafraseando a música “Modinha para Gabriela”, de Dorival Caymmi (que o leitor mentalmente vai começar a cantar), que ela nasceu assim e cresceu assim. E foi assim que seguiu vida afora. Inteligente, destacou-se cedo nos bancos da PUC. Cezar Bitencourt, um dos mais importantes autores do Direito Penal, viu logo na jovem alta e brilhante um talento a ser lapidado. Ofereceu-lhe um estágio, aceito de pronto. Era o início de uma grande amizade, que culminou com o convite para que ele apadrinhasse sua única filha, a também questionadora Manoela – afinal, o fruto geralmente cai perto da árvore frondosa.

 

O professor que virou amigo logo se tornou sócio. Após formada, Gabriela voltou a trabalhar, já como advogada criminalista, com Bittencourt, em Porto Alegre. Ficou vários anos na ponte aérea PoA-BSB, até ser convidada para ser sócia em um escritório que o antigo mestre abrira na capital federal, com o ex-ministro Nilson Naves, já aposentado do STJ. Estava aqui em 2010, ano que conheceu o amor de sua vida, o elétrico Sidney Turchetto.

 

Por seis anos, evoluiu ainda mais como advogada e pessoa. “Não há espaço para duas Gabrielas. Você só tem seu nome e sua credibilidade profissional, por isso seu compromisso tem de ser com a ética”, afirma, enfática. “As oportunidades precisam ser trabalhadas. Por isso, quem quer ser uma boa advogada criminalista tem de saber que não existe jornada de trabalho fixa e nem telefone desligado”, afirma, enquanto atende uma ligação do marido, posa para a foto de JP Rodrigues e toma um copo de água com gás, a sua predileta.

 

Hoje em dia ela tem uma parceria com outro de seus grandes mestres, Aury Lopes Jr, o maior autor de livros sobre Processo Penal. Na sua sala no Brasília Shopping, dirige o que podemos chamar de “escritório boutique”, com atendimento individualizado. “A minha advocacia é artesanal. Não trabalho com modelo pronto. Vou, a cada caso, criar uma tese personalizada, depois de ler e marcar o processo inteiro”, conta. “Tenho poucos e bons clientes, para me dedicar a eles”, completa. Os “poucos” são mais de três dezenas, que respondem a mais de uma centena de casos, todos mantidos em sigilo.

 

Crescendo vertiginosamente em um meio extremamente masculino, e machista na mesma medida, Gabriela Bemfica enxerga os vários problemas da advocacia criminal. “Independentemente da predominante presença masculina, há um preconceito como um todo com a classe. E isso se expressa na criminalização do advogado. Mas é preciso que se diga: nós não defendemos pessoas, mas os seus direitos. É por meio do advogado que são garantidas as bases fundamentais na democracia”, afirma.

 

Enquanto responde a um dos clientes, Gabriela também ensina, com a firmeza de quem educa a filha, que o nível da advocacia depende da ética. “Trabalho, firmeza, postura e qualificação técnica também são importantes. O êxito é resultado do trabalho, o reconhecimento vem do trabalho. Há muita vaidade no segmento, pois vários colegas estão mais preocupados em aparecer e alcançar um sucesso rápido, mas não mostram a paciência de trilhar o caminho”, alerta.

 

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“O preconceito contra as criminalistas é maior. O machismo estrutural faz com que não basta sermos competentes. Precisamos provar em dobro a nossa competência”, diz Gabriela Bemfica. Foto: JP Rodrigues

 

Com esta linha de atuação, ela superou os vários desafios de ser mulher na advocacia criminal. “O preconceito contra as criminalistas é maior. O machismo estrutural faz com que não basta sermos competentes, pois precisamos provar em dobro a nossa competência”, conta. Ouvir frases como “por que eu fui contratar uma mulher?” ou “vai bem bonita amanhã”; suplantar o constrangimento do assédio; e ter sua linha de ação como advogada submetida ao crivo de colegas homens são a ponta de um iceberg. “Aprendi a driblar estes obstáculos com muito trabalho, estudando mais e tendo mais informações que muitos colegas”, explica. “Sempre acreditei que, na luta para mais espaço, precisamos estar preparadas. Eu soube ocupar os meus. Para isso, é preciso acreditar em nós mesmas e no nosso trabalho”, avalia.  

 

Vice-presidente de Ciências Criminais da OAB-DF e agora à frente da Abracrim-DF, por pouco Gabriela Bemfica não se tornou desembargadora do Tribunal de Justiça do DF em 2019. Seus próprios colegas de advocacia criminal a incentivaram à disputa, pelo histórico e currículo extensos. “Eu era a única mulher criminalista com história para disputar. Tinha apoio de grandes advogados criminais e a candidatura foi crescendo”, conta.

 

Mas a perda da mãe, em dezembro de 2018, mudou o cenário. O pai e as irmãs planejaram uma viagem a Paris, para homenagear àquela que ajudou a todos a realizar seus sonhos. E a data coincidia com a eleição. Entre a unidade familiar e a realização de um sonho, a escolha foi a primeira. Mas o adiamento só corrobora com quem foi, é e será Gabriela Bemfica. “Na vida, só me preocupei em fazer meu trabalho bem-feito. A satisfação é olhar minha caminhada e ver que fiz a coisa certa”, diz. E fez: desistiu, agradecendo todos os apoios, e viveu, intensamente, a experiência familiar.

 

Encantado com a personalidade marcante, pergunto, ao fim da entrevista: “o que te deixa feliz”? A resposta rápida vem no melhor estilo Gabriela: “Falar todos os dias e em todos os campos da vida: missão cumprida”.

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