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Eu não acredito que Ibaneis Rocha seja um conspirador

Entendo a medida de Alexandre de Moraes, acho-a oportuna e creio que o afastamento provará que o governador não é golpista

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**As cenas de vandalismo, de terrorismo e de desrespeito aos Poderes constituídos no Brasil, exibidas fartamente na TV e nas redes sociais no último domingo (8), ainda contaminam meu sono**. Na véspera do histórico _Dia do Fico_, tivemos brasileiros defendendo a troca da liberdade por um golpe de estado de consequências imprevisíveis – vide o que ocorreu depois de 1964. **Imploravam por uma ditadura. Por uma “intervenção militar”**. Algo como ver a multidão ir ao Paço Imperial em 1822 e pedir ao jovem Pedro – meses mais tarde, o imperador Dom Pedro I – para voltar à Portugal e submeter-se aos desmandos do Reino de Portugal.

Não acredito que a turba de descerebrados foi capaz de não apenas quebrar vidraças – o que é, de certa forma, rotineiro em protestos mais exaltados em Brasília -, mas de tentar dar um golpe de estado. **Sigo chocado com as imagens** de pessoas que urinam e defecaram nas instalações, com as notícias de roubo de armas do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), de esfaqueamento de quadros de artistas consagrados e de destruição de objetos históricos. **Não quero crer que exista alguém capaz de pintar um bigode à moda de Hitler em José Bonifácio, o Patriarca da Independência**.

**Também me enoja a existência de pessoas que normalizem estes ataques à democracia e aos Três Poderes**. Que falem em fraude, nunca comprovada, para justificar a barbárie. As eleições brasileiras foram acompanhadas por observadores internacionais e, como sempre, transcorreram em absoluta normalidade – exceto um ou outro arroubo mais entusiasmado de algum eleitor. Todas as etapas posteriores ocorreram em consonância com o arcabouço legal. **Goste-se ou não, é preciso reconhecer que Luiz Inácio Lula da Silva venceu Jair Messias Bolsonaro e foi eleito pela terceira vez**. O resto é choro de mau perdedor.

Feitas estas observações iniciais, preciso falar de peito aberto, sem medo de críticas, o que eu acho das medidas tomadas pelo presidente Lula e pelo ministro Alexandre de Moraes em relação ao DF: concordo com a intervenção na segurança pública e entendo o afastamento do governador do cargo por 90 dias. **Mas não creio que Ibaneis Rocha seja um conspirador**, até por conhecê-lo há quase 15 anos.

Fui apresentado a ele quando era postulante à presidência da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional DF (OAB-DF), em 2009. **Comigo, destaco, sempre foi um lorde**. Perdeu aquela eleição para Kiko Caputo, a quem derrotaria no pleito de 2012. Em parte de sua gestão, minha esposa trabalhou para ele. Como em qualquer relação, elogiava ou queixava-se dele, dependendo do momento, como fazem os prestadores de serviços.

Tive a oportunidade de entrevistá-lo algumas vezes, algumas como governador. **Nunca correu de pergunta dura, nunca pediu “tratamento diferenciado”, nunca me retaliou**. Sempre foi honrado. **Na campanha passada, estivemos em lados opostos. Nunca me tratou mal por isso**, nunca virou a cara. **Sempre foi, por essência, um democrata**.

**E é por isso que não vejo nele a figura de um conspirador**.

**Aos 58 anos, tenho estrada de sobra para conhecer, até pelo cheiro, quem é conspirador**. No governo passado, **conheci alguns que facilmente classificaria como conspirador**. Pelas ações, pelas palavras, pelas atitudes. **Não vou enumerá-los por dois motivos: não quero processo de graça e não é preciso**. Essa classe de gente se revela sozinha.

Ibaneis é um homem experimentado. Foi advogado de sindicatos, fez fortuna com boas causas. Não precisaria do GDF para enriquecer e, se tiver usado o erário desta maneira, será uma decepção. **O Ibaneis que eu conheço, com quem tive proximidade e relacionamento, guardava até um certo idealismo juvenil. Eu, confesso, não tenho mais**. A ideia dele era reformar a sociedade, para melhor. Não conseguiu, como ninguém conseguirá. O coletivo só se muda quando o individual muda. **Decreto não resolve falta de caráter**.

**A intervenção na segurança, determinada pelo presidente Lula, foi fundamental para restabelecer a ordem**. Muita coisa estava errada naquele domingo. Ouso dizer que Lula foi até amigo de Ibaneis. Com a intervenção pontual, **agiu como cirurgião e lancetou um tumor maligno que havia em um determinado setor**. O leitor pode até dizer que Ibaneis já afastara o secretário, medida, aliás, certíssima. Mas **a sabotagem já estava feita e, com gente nova no comando, será possível identificar com precisão quem foi o autor das ordens para transformar a PM em uma instituição figurativa** – a mesma PM foi quem colocou ordem na bagunça, como podemos ver em vídeos onde alguns policiais militares enquadram militares de alta patente do Exército, até então lenientes com os que atentaram contra a democracia.

**O afastamento determinado por Alexandre de Moraes, ministro do STF que vem agindo como um guardião da democracia em muitas oportunidades, dá 90 dias para que Ibaneis prove a tese que eu acredito: a de que foi sabotado**. É um afastamento preocupante sob o ponto de vista institucional, pois interfere, de certa forma, na escolha popular. Mas, ao manter a vice-governadora Celina Leão no cargo, sinaliza que sua medida é apenas para permitir uma investigação.

**Ainda é cedo para apostar, mas sigo acreditando que Ibaneis não conspirou contra a República, não participou de nenhuma trama para tentar derrubar o presidente Lula, os deputados e senadores e nem os ministros do STF**. Abrigou, isso sim, os que o traíram. **Há 90 dias para sabermos se minha tese é correta**.

**Se for, vida que segue**.

**Se não for, estarei diante de uma grande decepção**.

**Depois da profanação da República de 8 de janeiro, esta seria uma das poucas coisas a me surpreender na vida**.