Estilo em foco: Cynara Boechat, a stylist por trás do look das estrelas

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Desde os primeiros anos de vida, a moda já era mais que uma simples brincadeira para Cynara Boechat — era uma forma de expressão. Enquanto outras crianças corriam pelos quintais e se aventuravam em jogos tradicionais como pique e pega, ela se encantava com o universo das bonecas de papel, criando figurinos e desenhando coleções inteiras com a criatividade de quem já enxergava nas roupas uma narrativa própria. O instinto para a moda, que floresceu de maneira intuitiva, se tornaria a base de uma trajetória marcada pela dedicação e pelo olhar apurado para estilo e imagem.

Apesar de a paixão pela moda estar presente desde a infância, o caminho profissional de Cynara percorreu diferentes direções antes de se consolidar. Formada em teologia, ela explorou outras áreas até se especializar oficialmente no segmento fashion. Foi somente aos 37 anos, ao obter sua certificação como consultora de imagem com Titta Aguiar, que sua atuação ganhou forma profissional.

A partir desse momento, a moda deixou de ser apenas uma vocação e passou a ser sua carreira definitiva. Atualmente, a stylist é conhecida por assinar produções de grandes artistas do sertanejo, como a dupla Maiara & Maraisa e personalidades políticas como Jair Messias Bolsonaro e Michelle Bolsonaro. Entre outros nomes, a profissional já trabalhou com nomes como Netto & Henrique, Zé Vaqueiro, Ana Paula Valadão, Rafa Kalimann, Marilia Mendonça e Guga Camafeu. 

“Eu tive várias profissões no decorrer dos anos, mas a moda sempre fez parte da minha vida de alguma forma. Comecei a trabalhar com a Maiara & Maraisa há 11 anos e começou como uma brincadeira do meu sobrinho, ele me pediu para vestir duas amigas dele, mas não me disse quem eram, e também não explicou para elas. Quando nos conhecemos a energia bateu e desde então, trabalhamos juntas”, conta Cynara sobre como começou a trabalhar no meio artístico. 

Com uma carreira consolidada nacionalmente, Boechat também acumula experiências no cenário internacional, participando de desfiles e turnês ao lado de artistas brasileiros. Entre os eventos mais marcantes de sua trajetória, destacam-se os desfiles de marcas renomadas como Jeremy Scott, Kate Spade, Lacoste e Desigual, durante a New York Fashion Week. “Foram experiências incríveis para a minha carreira”, afirma a stylist, que também esteve presente na produção de figurinos para palcos internacionais.

Sobre as diferenças entre os mercados brasileiro e internacional, Cynara destaca que o Brasil ainda busca muitas referências de fora, mas que há uma troca constante entre os dois universos. Um exemplo disso foi quando o portal R7 de Nova York entrou em contato com ela para entender como conseguiu levar uma estética inspirada na cidade para os palcos do sertanejo brasileiro. “Eles me pediram uma entrevista porque queriam saber como eu trouxe essa pegada mais rocker, com couro e um visual mais ousado, para o cenário sertanejo. Foi algo natural, uma conexão que aconteceu no espírito do tempo”, explica.

Além de trazer tendências internacionais para o Brasil, a profissional ressalta que a moda nacional também tem conquistado espaço lá fora. “O mercado internacional consome muito a nossa arte e a nossa moda. Existe um diálogo entre os dois mundos, e é muito gratificante fazer parte dessa conexão”, pontua. 

Para a stylist responsável por vestir personalidades, o segredo de um trabalho bem-sucedido está no propósito por trás de cada look. “Quando eu visto alguém, eu visto esse alguém com um propósito. Não é sobre moda, é sobre aquilo que a pessoa quer alcançar através das suas vestimentas”, afirma. A profissional destaca ainda que um ponto importante na profissão é não sobrepor a identidade de quem veste.

“Acredito que o que me diferencia é a discrição. Meu trabalho nunca se trata de mim, e sim da pessoa que estou vestindo. Cada um tem sua vestimenta, sua assinatura própria, e minha função é entender exatamente o que aquele cliente precisa para que ele projete uma imagem de sucesso”, explica Cynara.

Vestir clientes tão distintos exige sensibilidade e um olhar apurado para traduzir a essência de cada um por meio das roupas. Para Cynara, esse é um dos maiores desafios da profissão. “É muito diferente vestir uma primeira-dama, onde há um protocolo rígido e diplomatas orientando sobre códigos de vestimenta, e criar figurinos para uma dupla sertaneja no auge do sucesso, onde o palco pede outra estética, outra energia. São dois mundos completamente distintos, e meu trabalho é ter o conhecimento e a visão para transitar entre eles com precisão”, pontua.

Estilo pessoal

A stylist, conhecida por sua criatividade voltada para o trabalho com artistas, carrega um estilo pessoal que reflete um equilíbrio entre exclusividade e conforto. “Eu gosto do que está na contramão, do que é mais pontual e do que foge do que está sendo usado em excesso”, afirma.

Desde a infância, ela tem uma relação íntima com a bota, que se tornou sua assinatura de estilo, algo que a acompanha até hoje. Para ela, a estética pessoal é sobre se sentir bem sem abrir mão da elegância, mas sem exageros. “Salto alto, por exemplo, virou coisa do passado. Hoje, opto por calças largas, camisetas confortáveis e minha bota. O importante é estar bem vestida de forma confortável, sem competir com quem estou vestindo”, opina Cynara.

Seu estilo, marcado por discrição e sofisticação, se traduz também na sua postura profissional: ao vestir artistas, ela entende que o foco deve ser sempre no brilho deles, nunca no seu próprio look. A elegância, portanto, está em saber se vestir com autenticidade, respeitando seu papel e o do artista.

Maiara & Maraisa

Criar a identidade visual de um artista ao longo dos anos é um desafio que exige reinvenção constante. Com Maiara & Maraisa, a missão é superar cada ciclo, trazendo novas propostas sem perder a essência da dupla. “São 11 anos de história. Já fizemos turnês internacionais, programas de TV, grandes eventos… e sempre há um novo desafio”, conta a stylist responsável pelos looks das irmãs.

A relação entre artista e stylist evolui ao ponto de dispensar explicações detalhadas. Hoje, a sintonia é tão forte que, para o Carnaval, por exemplo, o profissional envia seis produções e deixa a escolha final nas mãos da dupla. “Ela já confia no meu olhar. Não me pergunta o que eu vou mandar, só recebe e decide na hora”, diz.

A curadoria dos figurinos leva em consideração o público e o contexto de cada apresentação. Um erro comum, segundo o especialista, é exagerar no glamour em cidades menores, onde o público pode não se conectar com um visual excessivamente conceitual. “É preciso entender a cultura local. Tem lugares onde a cidade inteira caminha até o palco para assistir ao show. Se o look não conversa com essa realidade, pode criar uma barreira entre o artista e o público”, pontua Cynara.

Além da estética, há uma forte estratégia comercial por trás de cada escolha de roupa. Durante a pandemia, parcerias com grandes varejistas como Riachuelo e Renner exigiram um olhar criativo para transformar peças acessíveis em produções sofisticadas. “Não era sobre Maiara e Maraisa, era sobre a marca. Precisávamos fazer com que o público desejasse aquelas peças. E deu certo: as vendas explodiram, porque as pessoas sentiam que podiam se vestir como elas”, comenta. 

Desafio em trabalhar com personalidades públicas

Vestir políticos é um desafio que vai muito além da estética. Cada cargo exige um código de vestimenta específico, que precisa respeitar a liturgia da posição e os protocolos formais de cada evento. “Não é só sobre o que a pessoa fala, mas sobre como ela se apresenta. Vestir um político significa respeitar o cargo que ele ocupa e saber exatamente como adequar a imagem a isso”, explica Cynara Boechat.

O rigor nos protocolos pode ser extremo, especialmente em eventos diplomáticos. Cynara relembra o cuidado necessário ao vestir a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. “Havia sempre uma diplomata junto, explicando detalhes do evento e as exigências de vestimenta. Em alguns encontros, era preciso passar uma imagem mais austera, enquanto em outros, a escolha de cores e tecidos precisava ser mais simples para se adequar ao perfil do governo com quem se encontraria”, conta.

Um dos exemplos mais marcantes da importância desses códigos ocorreu no enterro da rainha Elizabeth II. “O protocolo era seguido dos pés à cabeça: nada de joias brilhantes, apenas pérolas. A bolsa não podia ter grife ou metal visível. O uso de luvas e chapéus também tinha regras específicas, dependendo do ambiente e do momento”, relembra Cynara.

Cada detalhe é pensado estrategicamente para comunicar autoridade, respeito e alinhamento com a ocasião. “O vestir-se corretamente em ambientes políticos não é apenas uma questão de moda, mas de mensagem. A roupa fala, e é preciso que ela transmita exatamente o que deve ser dito, sem ruídos”, pontua. 

Acervo em Brasília

Após anos viajando pelo Brasil e pelo mundo, carregando um acervo em malas e se adaptando às demandas de cada produção, Cynara Boechat decidiu fixar suas raízes em Brasília, sua cidade natal. Ao lado de Ana Carla Alves, a stylist abriu o espaço Em Cena, um local que reúne mais de 700 peças e atende a produções de moda, televisão, cinema e publicidade. “Eu passei muitos anos descendo de cidade em cidade, sempre com minha mala cheia de possibilidades, porque você nunca sabe o que o artista vai querer. Hoje, fiz o caminho contrário. Tenho uma sede onde nasci, onde está minha família e minhas raízes”, explica Cynara.

A decisão de centralizar seu acervo na capital federal foi estratégica. Além da conexão emocional, Brasília oferece uma logística favorável para atender clientes em diferentes estados. “Temos a melhor ponte aérea e uma posição central no país. Isso facilita muito a distribuição e a chegada de peças para qualquer lugar”, destaca. O espaço Em Cena não é apenas um acervo, mas um ambiente dinâmico que reflete a experiência de Cynara em diferentes áreas. “Aqui, você encontra figurinos para moda, televisão, palco, publicidade e cinema. É um projeto que traz tudo o que aprendi ao longo dos anos”, acrescenta.

O acervo, que está em constante transformação, tem um diferencial especial: ele carrega histórias. Além de reunir figurinos usados por grandes nomes da música e da TV, o espaço possibilita que novos artistas tenham acesso a peças icônicas. “Todo cantor que está começando quer se vestir como seus ídolos. Então, se ele sonha em ser como o Gusttavo Lima, pode usar uma peça que já foi dele, mas com um custo acessível. O mesmo vale para figurinos da Maiara & Maraisa e de muitos outros artistas”, conta Cynara. Para ela, essa troca entre gerações de artistas é um dos aspectos mais gratificantes do seu trabalho. “Meu sonho é ver alguém vestindo uma roupa que foi do Fábio Júnior, por exemplo. Essa transferência de histórias é o que torna tudo ainda mais especial”, afirma.