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Escola Eleva traz debate com especialista em educação socioemocional

Batizado de Laboratório Inteligência de Vida (LIV), projeto promoveu roda de conversas sobre como lidar com diferenças entre gerações e os dilemas de pais e estudantes

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O Laboratório Inteligência de Vida (LIV) é uma iniciativa que insere a educação socioemocional nas escolas. São instituições de ensino do Brasil inteiro que promovem os debates sobre como lidar com os sentimentos de uma forma coletiva. A Escola Eleva é uma das parcerias do projeto e recebeu Saulo Pereira, consultor pedagógico do LIV para dinâmicas com pais e professores. 

 

O historiador é um dos responsáveis pelo método. Não se trata de palestras, mas, sim, de fomentar debates e reflexões. Tudo isso ocorre com uma postura provocadora e que incentiva que os participantes manifestem suas emoções. Em momentos distintos, estudantes e seus pais são convidados a pensar e discorrer sobre como lidar com assuntos da realidade das escolas. Os ataques e as ameaças a colégios ocorridos nos últimos meses, obviamente, entraram em pauta.

 

“A gente resolve o medo quando fala dele, quando elabora. Assim, a gente consegue se acolher. Porque talvez o que a gente precise não seja necessariamente de coragem. E coragem é muito individual. Talvez a gente precise de acolhimento da parte do outro”, explica Saulo.

 

O GPS conversou com o consultor pedagógico do LIV, que falou sobre essas e outras inseguranças dos alunos e de como o projeto atua para que estudantes e pais possam se entender e mediar conflitos.

 

De que forma que o LIV atua nas escolas?

O LIV existe pelo menos desde 2016. Surgiu dentro da própria escola Eleva, como uma necessidade da sala de aula. Acho que durante muito tempo, quando a gente falava em educação, já pensa em um lugar de conteúdo, de aprender um determinado conteúdo. Matemática, geografia, física e isso é de fato importante. Quando a gente fala em educação, talvez durante uma boa parte desse tempo, uma coisa ficou de lado. É justamente como a gente consegue lidar com as nossas emoções, com nós mesmos. Talvez muita gente possa entender isso num lado individual, percebe? Como um trabalho para um psicólogo, um trabalho feito de maneira individualizada. Mas a importância de trazer isso para dentro da escola é justamente o fato de que boa parte das nossas emoções, das coisas que a gente sente, a gente constrói na coletividade. Eu acho que é fundamental o papel da escola nesse lugar. A gente trabalha com emoções dentro da escola. Os alunos eles vêm para escola com uma carga emocional da família, do dia que eles estão tendo, de alguma coisa que aconteceu e isso vai se transformando dentro da escola. E as professoras e os professores o tempo inteiro já têm que lidar com emoções. Acho que a grande diferença é que a gente estrutura isso. A gente traz isso de uma maneira estruturada, a gente traz isso de uma maneira intencional. O LIV não é uma terapia. Não tem esse intuito de ser uma terapia. Então eu acho que é muito desse lugar. De pensar as minhas emoções, mas ao mesmo tempo de pensá-las na coletividade. É por isso que a gente fala muito em empatia. É por isso que a gente fala em convivência. É por isso que a gente fala muito na importância de conseguir falar o que se sente para si mesmo e para as outras pessoas. Então a gente se insere nesse lugar de maneira, claro, pedagógica, lúdica, dinâmica e estruturada. 

 

As escolas que os adultos conheceram mudaram bastante. O que é necessário implementar e o que existe de diferença entre a escola de décadas atrás?

Quando estamos falando de aprendizagem, a gente vai falar em avaliação. Isso, por exemplo, é um tema que a gente poderia perceber. Qual é o peso da avaliação para um aluno? O que isso quer dizer para um aluno? Então talvez seria repensar um pouco esse modelo, que é extremamente competitivo e individualizante para um tipo de modelo de escola e indo até um pouco mais além de sociedade onde a gente consiga conviver. E fazer as coisas num sentido coletivo, no sentido de onde a gente consiga colaborar uns com os outros no sentido onde a gente consiga de fato conviver. Nos últimos meses a gente tem arrepiado os cabelos, né? Com as notícias que surgiram sobre violência contra as escolas. E o que que isso diz para nós? Isso é um dado também de uma certa maneira. Eu acho que muito a gente resolve o medo quando fala dele, quando elabora. Assim, a gente consegue se acolher. Porque talvez o que a gente precise não seja necessariamente de coragem. E coragem é muito individual. Talvez a gente precise de acolhimento da parte do outro. Então a gente conseguir conversar ainda que seja brincando um pouco para espantar esse medo. Os pais ficam desesperados, né? Porque eles estão vendo lá as ameaças em grupos de WhatsApp e eles não têm com quem elaborar esse medo. Talvez os alunos na escola consigam um pouco mais, é óbvio. O que eu vi como muito interessante essa forma que os adolescentes conseguiram lidar, transformando de uma certa maneira a nível de piada.

 

Virou moda falar que essa geração é muito sensível. O que você acha desse tipo de comentário? 

Eu acho que toda geração é sensível. E essa sensibilidade vem de maneiras muito diferentes né? Talvez essa geração de agora tenha a vantagem de conseguir falar. Pelo menos uma boa parte de nós está dando mais ouvidos para isso. Porque as anteriores estão naquele limbo? A gente ainda pegou o início da era digital, onde a gente entrava na internet. Hoje em dia a gente não entra mais na internet, a internet já entrou na gente, digamos assim. Tudo é na internet. Tudo é na internet hoje em dia. Antes a gente precisava entrar na internet. Acho que a nossa geração que está com trinta e poucos agora teve um pouco mais de chance de ser ouvida. As gerações anteriores não. Talvez os adultos que hoje acham que as crianças são muito sentimentais também sejam, só não sabem disso. A diferença é justamente que eles represam isso. Pensa numa água numa represa. Ela sempre encontra um lugar de escapar. E eu não sou psicólogo. Mas eu desconfiaria de alguém que diz que está tudo bem com ela o tempo todo. 

 

Você também está envolvido com iniciativas para educação antirracista. Como funciona?

O que a gente chama hoje de educação antirracista é algo que é novo no nome. Mas a prática de uma certa maneira já é muito antiga. Mas o que seria pra nós antirracismo? Seria a capacidade de conviver com a diferença, com a diversidade. Então isso tem tudo a ver com uma educação moderna que vai lidar com esse tipo de diversidade. Se hoje uma boa parte da comunidade global olha para os povos originários no Brasil e pensa o quanto se pode aprender com eles a nível de preservação da natureza é porque eles sabem de coisas que partem do lugar que talvez a gente pisa durante muito tempo. E esse lugar de um apagamento dos saberes indígenas e africanos é também uma construção do racismo. Ser antirracista nesse lugar é conseguir reverter um pouco esse quadro. Conviver com a diferença. 

 

Falar sobre educação antirracista desperta resistência? É comum acharem que é um assunto ideológico?

Olha, pode acabar tendo porque eu gosto muito daquela música do Cazuza. Ele diz “ideologia eu quero uma pra viver”. Se você pensar em um prédio, o objeto mais inanimado possível. Um prédio espelhado no meio do centro da cidade do Rio de Janeiro, a cidade de onde eu venho. Qual é a diferença dele para um prédio eclético cheio de detalhes e o que isso diz pra nós? Tem um conjunto de valores, de percepções do que que é bom, do que é ruim. Tem uma ideologia, né? Então, vão haver resistências. Quando a gente quer mudar alguma coisa, toda mudança tem uma resistência. Eu acho até quando a gente diz tal assunto é ideológico porque qual assunto não é?