O nutricionista funcional Renato França, referência em Brasília, participou da Annual International Conference (AIC), promovida pelo Institute for Functional Medicine (IFM) — considerado o maior e mais relevante congresso de medicina funcional do mundo. Realizado de 28 a 31 de maio, em San Diego, Califórnia, o evento teve como tema central “Transformando a Saúde por Meio da Conexão, Inovação e Cuidado Abrangente”, reunindo especialistas globais para discutir os rumos da medicina integrativa.
De volta ao Brasil, o nutricionista Renato França, que foi o único profissional da capital a marcar presença no congresso, compartilhou com o GPS|Brasília os principais destaques do encontro, que abordou avanços como o uso da inteligência artificial na saúde, novas estratégias de terapias nutricionais personalizadas e abordagens integradas no tratamento de doenças crônicas, autoimunes e metabólicas.
Confira abaixo:
O que é a medicina funcional e integrativa e como ela se conecta com a nutrição? (GPS|Brasília)
“A medicina funcional e integrativa busca tratar o paciente de forma holística, ou seja, identificando e abordando as causas subjacentes das doenças, em vez de apenas aliviar sintomas. Ela caminha lado a lado com a nutrição, porque a alimentação é um dos pilares fundamentais para equilibrar processos metabólicos, controlar o estado inflamatório e promover longevidade com saúde. A visão funcional e integrativa é que não basta apenas corrigir deficiências de vitaminas, minerais ou regular hormônios se o estilo de vida não favorece. O corpo é um sistema complexo que precisa estar em equilíbrio.
Hoje, vemos um aumento significativo de doenças crônicas e sintomas como fadiga, insônia e problemas digestivos, muitas vezes causados por hábitos modernos: pouco contato com o sol e a natureza, sedentarismo ou exercícios apenas em ambientes fechados, sono insuficiente, baixa hidratação e alimentação inadequada. A nutrição funcional, dentro desse contexto, personaliza a dieta de acordo com as necessidades individuais, mas sempre considerando que a base da saúde e da longevidade está no estilo de vida como um todo.” (Renato França)
Quais foram os principais destaques do congresso deste ano em San Diego?
“O congresso AIC 2025 trouxe temas inovadores, como o uso da inteligência artificial na medicina funcional, novas abordagens para doenças autoimunes e neurodegenerativas, além de estratégias nutricionais para longevidade. A troca terapêutica de plasma foi um dos destaques, assim como a relação entre microbioma intestinal e saúde personalizada. Também houve discussões sobre a importância da agricultura regenerativa na promoção da saúde global.
O manejo e controle do “Inflammaging” foi dos focos centrais e foi tratado sob diversas óticas. Esse termo é usado para descrever o processo de inflamação crônica de baixa intensidade que ocorre com o envelhecimento, resultando em um aumento de marcadores inflamatórios no organismo relacionados a diversas doenças crônicas, como diabetes, hipertensão, doenças autoimunes, doenças neurodegenerativas e câncer, por exemplo.
No congresso também foram trazidas novas abordagens como a troca terapêutica de plasma (plasma exchange) no controle do envelhecimento saudável, abordagens funcionais para a melhora da fertilidade, condutas dietoterápicas auxiliares no tratamento do câncer e controle do envelhecimento, assim como a relação entre microbioma intestinal e saúde sistêmica. Também houve discussões sobre a importância da agricultura regenerativa na promoção da saúde global, reforçando que a qualidade dos alimentos que consumimos está diretamente ligada ao meio ambiente.”
Um dos temas abordados foi o uso da inteligência artificial na saúde. De que forma essa tecnologia pode ajudar no diagnóstico e no tratamento nutricional?
“A inteligência artificial pode aprimorar o diagnóstico ao analisar grandes volumes de dados clínicos e laboratoriais, identificando padrões que podem passar despercebidos. No tratamento nutricional, ela pode ajudar na personalização de dietas, considerando fatores como microbioma, monitoramento do sono, gasto energético, controle glicêmico, genética e histórico de saúde. Além disso, ferramentas de IA podem auxiliar na predição de respostas a determinados alimentos e suplementos, tornando a abordagem nutricional mais precisa e eficaz.”
Houve novidades em relação aos testes laboratoriais? Como esses exames podem contribuir para uma abordagem mais personalizada na nutrição?
“Sim, o congresso abordou avanços em testes laboratoriais, contribuindo para a medicina e nutrição de precisão, com exames mais sofisticados para avaliar genes relacionados a doenças e perfis metabólicos, microbioma intestinal e biomarcadores inflamatórios. Esses exames permitem uma abordagem nutricional altamente personalizada, ajudando a identificar deficiências nutricionais, intolerâncias alimentares e desequilíbrios que podem impactar diretamente na saúde do paciente.”
Muito se falou sobre o papel da alimentação no tratamento de doenças autoimunes, de doenças neurodegenerativas e até do câncer. Como a dieta pode auxiliar nesses casos, em associação ao tratamento medicamentoso?
“Nesse âmbito, uma estratégia nutricional muito comentada foi a dieta que imita o jejum (Fast Mimicking Diet) como ferramenta útil na prevenção e tratamento do câncer, promovendo proteção às células saudáveis contra a toxicidade dos quimioterápicos e sensibilização em células cancerígenas, tornando o resultado mais eficiente do que apenas o tratamento clássico. Também foi mostrado o efeito desse tipo de dieta na melhora de marcadores hepáticos e sanguíneos relacionados a redução da idade biológica e do risco de doenças.
Um exemplo de quão longe a abordagem funcional pode ir foi apresentado pela nutricionista Diana Noland, que apresentou um brilhante estudo de caso de reversão da Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) após 9 anos de intervenção de uma abordagem de medicina integrativa. O paciente que antes encontrava-se dependente de cadeira de rodas, sonda de alimentação, ventilação não invasiva e traqueostomia, e após anos em tratamento misto, clássico associado a dieta e suplementação específicas, hoje ele consegue andar, sobe escadas, come e fala normalmente, realiza atividades da vida diária e usa ventilação mecânica intermitentemente. A ELA é uma doença neurodegenerativa que afeta os neurônios motores do cérebro e da medula espinhal, levando à perda progressiva do controle muscular, para a qual ainda não há cura estabelecida. Há um número crescente de pacientes com ELA que utilizam abordagens da Medicina Integrativa, que estão retardando ou interrompendo a progressão, recuperando funções parciais e, às vezes, revertendo completamente a doença como no estudo de caso apresentado.
No entanto, para que a nutrição e a suplementação tenham um impacto real, é necessário que o paciente também cuide de outros aspectos da saúde, como sono, exposição à luz natural e gerenciamento do estresse. A alimentação é uma peça fundamental, mas não pode ser vista isoladamente.”
O Brasil foi o segundo país com maior número de participantes no congresso. Como você vê o crescimento do interesse dos brasileiros por esse tipo de abordagem?
“O aumento da participação brasileira no congresso reflete um interesse crescente por abordagens mais integrativas e personalizadas na saúde. Cada vez mais profissionais e pacientes buscam alternativas que vão além da medicina convencional, valorizando a prevenção e o tratamento individualizado.
Isso demonstra uma mudança de paradigma na forma como a saúde é encarada no Brasil, com um olhar mais atento para os fatores ambientais e de estilo de vida que impactam diretamente o bem-estar.”
Você foi o único representante de Brasília no evento. Como essa vivência internacional contribui para a prática clínica que você desenvolve aqui?
“Participar do congresso me permitiu ter acesso às mais recentes pesquisas e práticas em medicina funcional e nutrição personalizada. Essa vivência internacional me possibilita trazer para Brasília abordagens inovadoras, ampliando as opções terapêuticas para meus pacientes e contribuindo para a evolução da prática clínica na cidade para os pacientes que atendo presencialmente e para os pacientes do mundo todo nos atendimentos online que também realizo.”
Qual mensagem você deixa para quem ainda associa a nutrição apenas ao ganho de massa magra ou à perda de peso?
“A nutrição vai muito além da estética. Ela é uma ferramenta poderosa para a prevenção e o tratamento de doenças, a melhora da qualidade de vida e o equilíbrio do organismo como um todo. Hoje, ainda existem profissionais que focam apenas em contar calorias e macronutrientes, algo que pode ser facilmente substituído por aplicativos ou softwares de inteligência artificial. No congresso, discutimos como a IA pode ser uma aliada na coleta e análise de dados, permitindo que o nutricionista dedique mais tempo ao que realmente importa: a atenção ao paciente. A essência do meu trabalho é justamente essa: unir tecnologia e conhecimento humano para oferecer um acompanhamento individualizado, que olhe para o paciente como um todo e promova mudanças reais na saúde e na longevidade.”