Para entender e praticar o chamado capitalismo consciente que a indiana Nilima Bhat propaga é preciso esquecer um pouquinho a biografia dela e as consequências de suas falas. O foco é estar presente e escutar e interagir no momento, sem se distrair ou pensar no antes ou depois. Portanto, a experiência dela com liderança e equidade de gênero no ambiente corporativo, tendo feito treinamentos em gigantes como a Whole Foods Market e a Microsoft, serve de contexto, mas não entra em cena quando ela gruda os olhos atentos na plateia e se dispõe a compartilhar seu conhecimento.
Acostumada a falar com grandes homens e mulheres de negócios, ela não hesita em criticar dogmas do universo corporativo e não teme ser mal interpretada ao comparar as empresas a seres vivos. Para ela, a cultura gerada por uma companhia pode prosperar – ou não – tal qual um filho e cabe não apenas aos diretores, mas a todos os envolvidos participar da criação de “alguém” que possa efetivamente contribuir para a sociedade. “Países têm identidade, companhias têm identidade. São como sementes que você planta e podem se tornar uma bela planta ou não”, afirma.
Em Brasília
“É como diz Freeman, falar que o propósito de um negócio é ganhar dinheiro, é como dizer que o propósito da vida é respirar. A vida é muito mais do que respirar”, reverbera para uma atenta plateia ao longo de dois dias na capital federal, reunindo empresários e empreendedoras. Ela se refere aos conceitos propagados pelo professor e filósofo norte-americano Edward Freeman, famoso por defender que tem “o melhor emprego do mundo” ao ensinar líderes a serem mais empáticos.
É aí que ela introduz a liderança shakti, tema do seu último livro publicado – Liderança Shakti: O Equilíbrio do Poder Feminino e Masculino nos Negócios, de 2017, escrita em parceria com outro autor renomado do movimento do capitalismo consciente, Raj Sisodia – e a grande missão da sua vida como palestrante há quase 25 anos. O shakti, da crença indiana, é o fluxo de energia do universo canalizado nos corpos das pessoas para gerar equilíbrio. Ela associa esse conceito à hierarquia e ao funcionamento de uma corporação para discutir como uma gerência cooperativa, equânime, inclusiva e criativa pode combater problemas recorrentes de grandes empresas, como o estresse e a depressão.
“A Liderança Shakti é só um dos modelos para tomar o poder a partir do poder do bem. Esse é o poder shakti. Não está só lá fora, está dentro de cada um de nós e precisamos trabalhar para encontrar e viver disso. Liderança tradicionalmente é sobre poder e quem está acima. Na Índia, há líderes políticos que constroem estátuas deles mesmos, mas quando perdem as próximas eleições as estátuas são retiradas. É uma boa metáfora. Minha professora dizia que é como bater água dentro de uma tigela. Batalhamos tanto pelos nossos interesses pessoais, mas qual o resultado de bater água em uma tigela? Zero, a água segue sendo água e é assim que fica a vida depois de trabalhar apenas por si”, parafraseia.
Em turnê pelo Brasil sob regência da Sonata Brasil – Escola de Líderes, Nilima interagiu com o empresariado, participou de encontros, entrevistas, sanou dúvidas, mas também apreciou a natureza e refletiu um pouco sobre a vida. Após um dos eventos, em uma conversa mais descontraída, encantou-se com o pavão do Brasília Palace Hotel, que costuma caminhar soberano pelos jardins. Ela se levantou e o seguiu, sem levar o celular ou se distrair com qualquer outra coisa. “Na Índia, o pavão é um animal místico. Eles remetem a Vishnu e à deusa Lakshmi”, explica, encantada. Lakshmi é uma entidade hindu comumente associada à paciência, gentileza e boa fortuna.
Não é para todos
Essa personalidade e leveza de Nilima podem afastar pessoas mais céticas e dogmáticas de seu discurso e ela reconhece isso. Ao mesmo tempo, admite que sua mensagem não é para todos e é preciso que haja receptividade para as pessoas compreenderem que a vida é mais do que a tribulação e a opressão por resultados. Ela mesmo já esteve em uma posição de submissão a essa lida capitalista costumeira, mas a vida lhe deu uma lição.
Em 2001, seu marido, Vijay Bhat, executivo em uma grande agência de publicidade, foi diagnosticado com câncer de intestino. Encarar a mortalidade fez com que Nilima revisse suas prioridades e se abrisse à necessidade de a vida ser vivida enquanto ela efetivamente existe. A experiência gerou sua primeira obra, My Cancer Is Me – Meu Câncer Sou Eu (2013, ainda sem tradução para o português), com co-autoria de seu marido.
À época, Nilima também ocupava uma posição de destaque em uma multinacional, em Singapura, e retornou à Índia. Seu marido se curou do tumor e ela ressignificou sua vida para se conectar mais com seu lado feminino e ajudar mulheres. Por estudos e autorreflexão, ela começou a condenar o que chama de “hipermasculinização” do mundo, que relegou mulheres a certos papéis na sociedade, mas acredita que o verdadeiro problema seja o desequilíbrio que isso gera. Para ela, portanto, o ideal seriam relações equilibradas na sociedade para que homens e mulheres possam ter seus valores exigidos de forma igualitária. Ela quer que isso comece nas empresas e se espalhe para o mundo.
Ela também acredita que características de ESG (sigla em inglês para Ambiental, Social e Governança) nas empresas são fundamentais, pois o equilíbrio não se trata apenas das relações de trabalho, mas principalmente da qualidade de vida e até da preservação do mundo. Por isso, o ambientalismo também entra em questão. O capitalismo consciente, na visão dela, parte desse princípio.
Como uma última provocação, ela é perguntada se pregar essa consciência não pode parecer, no mínimo, irônico, já que a busca por aumentar as cadeias de consumo e o lucro, ou seja, o próprio capitalismo, podem ser considerados culpados por parte desse desequilíbrio. Com a mesma serenidade que contemplou um pavão ou explicou seus propósitos, ela conclui: “Nem todo mundo do movimento do capitalismo consciente concorda que o capitalismo nos trouxe até esse ponto da humanidade, mas não estou entre eles. Ele contribuiu grandemente para os problemas ambientais, por exemplo. Mas eu entendo que negócios podem ser uma força boa e entendo que em vez de fechar somente negócios, podemos transformá-los em algo que produza o bem”.
Escrito por Eric Zambon