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Eda Machado: a semeadura da sabedoria

Era por volta das três horas da manhã quando o celular tocou. Eda Machado tateou o móvel ao lado da cama em busca do aparelho para atender. Do outro lado da linha, a voz trêmula de uma mulher rasgou o silêncio da madrugada. “Uma mãe preocupada com a filha, dizendo que não sabia onde a menina estava e perguntando se sabíamos dela. Outros pais já tinham me ligado antes, mas nunca assim”, relembra a fundadora e, na ocasião, reitora do Centro Universitário IESB.

Bem-humorada, a empresária de 83 anos admite que se espantou na hora, mas depois entendeu o sentimento da mulher e, como mãe e avó, compadeceu-se. Esse episódio poderia ser apenas uma anedota que uma educadora com seis décadas no currículo teria para contar após se dedicar ao ensino, mas demonstra outro prisma: proximidade e humanidade no tratamento são elementos inegociáveis em sua gestão. “Em que outra universidade os pais e alunos têm o telefone da diretora? Às vezes, eu sinto que Brasília inteira tem meu número”, brinca.

Em 1993, porém, quando o primeiro esboço do que viria a ser o IESB foi submetido ao Conselho Federal de Educação, Eda atuava em silêncio e arduamente. Por uma série de burocracias e meandros políticos, o projeto demorou cinco anos para ser finalmente aprovado e a universidade de conceito inovador e aspirações avançadas saiu do papel. O primeiro espaço foi um prédio alugado na 902 Sul, sanduichado entre duas grandes instituições de ensino na época.

O centro educacional começou ofertando apenas dois cursos, Administração e Ciência da Educação. Dizer que eram 12 salas de aula disponíveis pode dar uma impressão de portentosidade que não existia na verdade. A biblioteca do lugar foi improvisada e o auditório nada mais era que duas salas juntas. Pouco depois das operações começarem, ainda houve o baque de perder apoio do principal financiador do projeto, Pedro Chaves, que deixou a Mantenedora Centro de Educação Superior de Brasília (Cesb).

“Foi muito difícil. Eu não tinha dinheiro para dirigir uma universidade, então fiz uma gestão enxuta, acumulando os cargos de diretora-geral e acadêmica, além de diretora de curso. Fiz várias economias que me sobrecarregaram no começo, mas valeram a pena”, diz. Com muito esforço, foi possível se erguer, mas nenhuma saga é grandiosa quando a protagonista enfrenta apenas uma dificuldade. Em 2001, ela teve dois meses para encerrar as operações na 902 Sul e buscar um novo local, pois os donos do prédio iriam alugá-lo para outra instituição.

A solução veio dos céus, quase literalmente. Com ajuda do padre Manoel Pedrosa, da Província do Verbo Divino, ela se mudou para um amplo espaço na 609 Norte, que pertencia ao grupo religioso, e se estabeleceu por lá. O espaço de cerca de 150 mil metros quadrados foi a pedra fundamental do IESB e o início de um sonho que se expandiu continuamente. Não à toa, a universidade tem, atualmente, também um campus da Asa Sul, na 613/614 Sul, e o da Ceilândia. São cerca de nove mil alunos, contando os 3 campi.

A longa estrada da vida

A empatia e a leveza com que fala sobre sua universidade, carreira e vida escondem uma trajetória repleta de desafios. Envolvida com o universo da educação desde a adolescência, liderou um grupo escolar em Arapongas (PR), aos 17 anos. Dois anos depois, criou uma biblioteca pública na cidade e, logo em seguida, passou em um concurso para se tornar docente na pequena cidade do interior do Paraná.

Era o início da década de 1960 e ela teve a primeira experiência com um conceito pioneiro que, atualmente, está plenamente difundido: a Educação à Distância (EaD). Convidada pelo Movimento da Igreja Católica de Londrina a coordenar a criação de escolas radiofônicas no norte do Paraná, ela passou um mês na Colômbia se capacitando. Em seu retorno, foi a primeira vez que recebeu a pecha de subversiva, na ocasião, por um chefe político de Arapongas, devido ao seu trabalho junto a comunidades.

A segunda vez foi já em Brasília, onde aportou em 1966 a fim de se tornar assistente do professor José Aloísio Aragão, no extinto Centro Integrado de Ensino Médio (CIEM) da Universidade de Brasília (UnB). Por seis anos, cresceu pessoal e profissionalmente, mas, em 1972, a universidade se tornou alvo do Regime Militar. Um vice-reitor vinculado à ditadura fechou o CIEM e demitiu os 28 integrantes do departamento, incluindo Eda, que, recém-viúva – o primeiro marido morreu em um acidente de carro – e com uma filha, viu-se desempregada.

Sempre que recorda das pessoas que a ajudaram em sua trajetória, fala em anjos da guarda. É assim que descreve o bispo de Londrina da década de 1960, Dom Geraldo Fernandes, e o ex-governador Ney Braga, que lhe deram suporte quando sofreu pressões políticas nos tempos de educadora em Arapongas. E é assim também que se refere ao ex-diretor da faculdade de Educação da UnB, Paulo Guimarães, que fez uma proposta responsável por mudar sua vida e iniciar uma guinada que jamais pararia. “No mesmo dia que peguei a carta de demissão, o Paulo me indicou para uma bolsa de estudos nos Estados Unidos. Mas havia um problema: eu mal falava inglês”, lembra.

A barreira linguística não iria impedi-la. Colocava as fitas cassetes com diálogos em inglês para tocar durante o banho e enquanto levava sua primogênita, Liliane, aos lugares com seu indefectível fusquinha branco. Com ajuda de amigos e de uma enorme autodeterminação, aprendeu o idioma, usufruiu da bolsa de um ano para fazer doutorado na universidade de Penn State, no estado norte-americano da Pensilvânia, e não parou mais de se aprimorar.

Entre 1973, ano em que regressou dos EUA, e 1984, ela deu aulas na Universidade de Campinas (Unicamp), realizou uma extensa visita de campo em universidades norte-americanas com apoio da Organização dos Estados Americanos (OEA), e foi contratada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior do Ministério da Educação (Capes) para tocar projetos de melhoria do Ensino Superior no Brasil. Foi a semente do que, cerca de dez anos mais tarde, tornar-se-ia o primeiro esboço do IESB.

Após mais um anjo da guarda passar em sua vida, Mário Chaves, diretor da Fundação Kellogg, e de fazer um pós-doutorado na Alemanha, na Fundação Alexander Von-Humboldt, ela entrou para a superintendência internacional do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Ela trabalhou no conselho por dois anos até receber a anistia do governo democrático restabelecido no País, em 1993, e regressar à UnB para dar aulas.

Foi nesse período que recebeu uma proposta de Pedro Chaves para ajudar a erguer uma universidade em Campo Grande (MS), mas recusou por ter acabado de completar a construção de sua nova casa no Lago Norte. A solução proposta pelo amigo foi ramificar o empreendimento para Brasília, e foi dessa ideia, moldada e formulada inteiramente por Eda e seu segundo marido, Edson Machado, que nasceu o IESB.

Não há acasos

Foi durante seu período na Capes que Eda conheceu o seu segundo e definitivo marido, Edson, falecido em 2018 e também dedicado ao mundo da educação por toda a vida. Construíram uma família, dividiram responsabilidades e carregaram consigo o desejo de aprimorar o ensino superior no País. Após a morte do marido, a empresária se afastou da reitoria da universidade para se dedicar à função de mantenedora, e quem assumiu seu papel foi o filho, Edson Machado Filho.

Uma das coisas que ela sempre fez questão de manter viva na administração do IESB foi a preocupação com as pessoas e a dedicação à formação de cidadãos. Eda conta que o desafio mais recente não só para ela, como para praticamente todos educadores e empresários do País, foi a pandemia. “A cultura do IESB é de humanizar as relações. O aluno é o centro da aprendizagem e estamos todos aqui em função dele. Somos inclusivos. Uma instituição em que todos se sentem confortáveis e com uma das melhores relações professor-aluno que qualquer um vai ver. Essa cultura do respeito se estende para todas as esferas da universidade”, assegura.

Em sua vasta experiência na educação, Eda aprendeu a observar mais e a tirar lições de qualquer oportunidade. “Não precisamos reinventar a roda todo dia, se outras pessoas já descobriram coisas boas, a gente adapta e tenta melhorar. Não precisamos sofrer para recriar tudo, basta fazer as coisas bem feitas”, conclui.

*Matéria escrita por Eric Zambon para a Revista GPS 38

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