Antonio Geraldo: É prudente dizer que homem não pode chorar?

É prudente seguir dizendo que homem não pode chorar? Em absoluto, NÃO! É imprudente, injusto e perigoso

Conheci um colega nos tempos de faculdade, Rafael, que, por ter sido educado na lógica da dureza, acreditava que precisava ser forte o tempo todo. Aprendeu, desde cedo, que homem não chora, que tristeza era frescura, que respeito se conquistava engolindo o choro e sofrendo em silêncio. Ele vestiu essa armadura por anos, até o dia em que percebeu que a couraça, pesada demais, já não o protegia, apenas o isolava.

Rafael tinha um bom emprego, dois filhos e uma vida que, aos olhos alheios, parecia perfeita. Por dentro, no entanto, carregava uma tristeza persistente, um cansaço que não se desfazia, noites partidas por insônia. Começou a beber todas as noites, primeiro um recurso para relaxar depois de dias exaustivos, logo um hábito que lhe escapava ao controle. O álcool oferecia um alívio breve, mas no amanhecer o vazio retornava, e com ele a urgência do próximo gole. Aquele primeiro pensamento com o humor rebaixado, quase sussurrado ao fim de um dia comum, já era um sinal claro de que algo merecia cuidado.

Vieram a culpa por sentir o que sentia e a vergonha por não conseguir parar de beber. Rafael se afastou dos amigos, foi deixando de lado o que antes lhe dava prazer, como jogar tênis e assistir a filmes antigos com os filhos. Até que, sozinho no carro, pensou, em voz baixa, que talvez fosse melhor não estar mais aqui. Não era um desejo de morrer, era o esgotamento de quem não via saída.

Esse pensamento o assustou. Pela primeira vez, teve medo do que sentia e do que poderia acontecer se continuasse sozinho. Envergonhado e receoso de não ser compreendido, falou com a esposa, que o incentivou a marcar uma consulta com um médico-psiquiatra. O gesto de pedir ajuda, um gesto simples, foi a primeira fresta de luz.

Depois de uma avaliação criteriosa, veio o diagnóstico, depressão e transtorno de ansiedade. Não era frescura, nem preguiça, e muito menos fraqueza. Era doença, com nome, explicação e tratamento. O médico prescreveu antidepressivos, orientou a interrupção do álcool, sugeriu hábitos mais saudáveis e encaminhou Rafael para psicoterapia. Ele deixou o consultório compreendido, respeitado e esperançoso.

Nas semanas seguintes, pequenas melhoras se acumularam, mais disposição, sono reparador, a volta às quadras de tênis. Na terapia, compreendeu a origem de tantas cobranças, de tanto silêncio e de tanta dor contida, aprendeu que não precisava carregar o mundo nos ombros e que sua melhora dependia de seguir, com disciplina e paciência, o tratamento indicado. A força que ele buscava não estava no silêncio, mas no compromisso com o próprio cuidado.

Hoje, Rafael vive com mais plenitude. Dias difíceis ainda existem, como existem para todos, mas ele não os enfrenta sozinho e sabe que o tratamento psiquiátrico é parte fundamental de sua saúde. Voltou a cultivar amizades, a ver filmes com os filhos, a fazer planos. Em confidência, disse que, se tivesse insistido em parecer forte sem ajuda e não tivesse procurado um médico-psiquiatra, talvez não estivesse mais aqui.

Há, contudo, um ponto decisivo que precisa ser dito com todas as letras: a prevenção salva vidas. Aquele primeiro pensamento de humor rebaixado, aquela fadiga que não passa, a insônia repetida, a perda de interesse pelo que antes alegrava, antes de tudo isso já é prudente um check-up em saúde mental. Uma consulta preventiva com médico-psiquiatra, mesmo na ausência de sintomas “gritantes”, pode evitar que a dor escale para adições, como o uso de álcool para anestesiar o sofrimento, e pode impedir o agravamento de sintomas e o surgimento de comorbidades que tornam o tratamento mais complexo.

Assim como fazemos exames de rotina para o coração e para outros órgãos checando se estão funcionando bem e se os marcadores estão adequados, é sensato incluir a mente nesse cuidado periódico. Não se trata de fraqueza, trata-se de prudência. Ignorar o início, normalizar o sofrimento ou supor que “vai passar sozinho” adia soluções e amplia riscos. Olhar cedo, nomear cedo e tratar cedo reduz sofrimento, encurta trajetórias e previne desfechos graves, por vezes de difícil tratamento.

Essa responsabilidade individual também se expressa no plano coletivo. O Brasil oficializou a Campanha Setembro Amarelo®️, iniciativa iniciada pela Associação Brasileira de Psiquiatria, em 2013, quando eu trouxe a campanha para o Brasil e ampliada em 2014 em parceria com o CFM. Agora oficialmente definida por meio da Lei nº 15.199, de 8 de setembro de 2025, que estabelece 10 de setembro como o Dia Nacional de Prevenção do Suicídio e 17 de setembro como o Dia Nacional de Prevenção da Automutilação. A lei orienta ações públicas de conscientização, educação e cuidado ao longo de todo o mês, reforçando que informação qualificada e acesso a tratamento salvam vidas.

É prudente seguir dizendo que homem não pode chorar? Em absoluto, NÃO! É imprudente, injusto e perigoso. Proibir o choro reforça estigmas, silencia sinais de sofrimento e adia o cuidado. A maturidade está em reconhecer emoções, pedir ajuda e tratar o que adoece, como se vê no caminho de Rafael. Se você, ou alguém próximo, vive algo semelhante, permita-se começar: procure um médico-psiquiatra, converse com quem você confia, informe-se sobre psicoterapia e ajuste a rotina para acolher o que sente. Há tratamento, há caminhos, há saída e cuidar da saúde mental é um gesto de amor próprio que não pode ser adiado. Se precisar, peça ajuda!

 

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*Antônio Geraldo da Silva é médico formado pela Faculdade de Medicina na Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES. É psiquiatra pelo convênio HSVP/SES – HUB/UnB. É doutor pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto – Portugal e possui Pós-Doutorado em Medicina Molecular pela Faculdade de Medicina da UFMG.

Entre 2018 e 2020, foi Presidente da Associação Psiquiátrica da América Latina – APAL. Atualmente é Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Diretor Clínico do IPAGE – Instituto de Psiquiatria Antônio Geraldo e Presidente do IGV – Instituto Gestão e Vida. Associate Editor for Public Affairs do Brazilian Journal of Psychiatry – BJP. Editor sênior da revista Debates em Psiquiatria. Review Editor da Frontiers. Acadêmico da Academia de Medicina de Brasília. Acadêmico Correspondente da Academia de Medicina de Minas Gerais.

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