O Arquiteto é um pensador em movimento. Em todas as cidades que visitamos, em todos os prédios que entramos, em cada rua que passeamos… estamos ali, atentos, pensando e refletindo sobre o papel da Arquitetura, sua importância e seus significados; qual é a referência para aquela obra? E qual momento social, político, econômico que aquele projeto representa? Conclusivamente, quais comportamentos aquele edifício molda ou revela?
Devemos ser os mais exóticos companheiros de viagem. Há aquele silêncio estranho, o momento em que o olhar se fixa, quase hipnoticamente, num detalhe específico daquele prédio. O instante em que comparamos, ainda que inconscientemente, nossa vivência cotidiana, como parte da nossa cidade de origem, com aquela cena super povoada, de uma multidão atípica andando ali naquela calçada larga, aquela praça tão arborizada, aquele edifício tão antigo… E o suspiro, inevitável, quando tocamos a superfície fria e acetinada de um mármore envelhecido, ainda impecável e imponente, adornando uma fachada clássica, simétrica, firme — uma Arquitetura que parece ter alcançado, com rara elegância, aquela harmonia etérea entre a força e a emoção.
Mais do que uma observação, perceber as obras de uma sociedade distinta da nossa é um ato de leitura simbólica. Cada detalhe é uma pista que revela valores, crenças e intenções: nosso olhar busca e quer decifrar esses sinais silenciosos: percebe o valor do rito nas escadas cerimoniais, a hierarquia de uma fachada, a modernidade e o poder econômico expresso em novas técnicas construtivas, o equilíbrio entre técnica e emoção nos vitrais e cúpulas das grandes Igrejas. Entender o valor de cada indivíduo que contribuiu para erguer aquele monumento é também reconhecer que a Arquitetura é uma narrativa compartilhada, onde forma, função, cheios e vazios são carregados de significados. Assim, o olhar atento se transveste de instrumento de interpretação cultural – e cada visita é uma imersão sensível em uma nova linguagem. Uma imersão na linguagem simbólica das cidades.
Quando as formas arquitetônicas se tornam “veículos de conteúdo” elas se tornam elementos simbólicos. Seu simbolismo pode ser entendido de maneira consciente ou inconsciente. Por exemplo, quando se vê uma torre com campanário, invariavelmente entendemos que ali existe uma Igreja. Por outro lado, as escadas, empregadas no passado para exprimir monumentalidade em determinadas construções, se tornaram mais expressivas do que convenientes, especialmente nos prédios barrocos. Os portais, nas cidades egípcias e babilônicas, eram monumentos em si, usados para transmitir um grande significado e significativo senso de poder, indicando aos incautos a força que existia para além daquelas muralhas.
Nas catedrais góticas, os portais se tornam o elemento mais rico da fachada – uma tradução da doutrina bíblica talhada na pedra.
Dito isso, percebemos que existem algumas obras exemplares, que representam aquela cultura de maneira mais expressiva e fazem parte da construção da imagem de uma sociedade em determinados momentos da História. São elas que revelam, portanto, os comportamentos daquela sociedade e seu momento histórico. Elementos simbólicos traduzido em formas e volumes, materiais empregados, técnicas construtivas e espaços vazios; e os valores, crenças, avanços tecnológicos e visões de mundo de um determinado povo em um determinado tempo – está tudo ali, forte e permanentemente representado, símbolos concretos carregados de sentido e – não raro – de beleza.
O Panteão, em Roma na Itália, é o reflexo de uma sociedade que acreditava em uma ordem cósmica como modelo de vida urbana; ao se adentrar no prédio, percebemos um silêncio respeitoso, que reverencia a harmonia entre a proporção, a luz e a sacralidade. É espiritual.
A Torre Eiffel, em Paris, França, é a representação de uma sociedade em transição; ali se iniciava um culto à estética da engenharia e à revolução industrial, na forma de um monumento forte, de ferro, uma célebre expressão de um progresso técnico e preciso – o racionalismo estrutural.
O Pavilhão de Chá Rikyū no Japão, é um espaço pequeno, que celebra a estética wabi-sabi – estética esta que expressa o imperfeito e o passageiro. O espírito zen e o valor da contenção são usados como instrumentos arquitetônicos que representam valores de uma sociedade profundamente ritualística. A leveza, o vazio e o silêncio fazem parte da Arquitetura.
O Taj Mahal, na Índia, todo em mármore branco, é a expressão da simetria rigorosa, complementado por uma ornamentação primorosa. A expressão do amor e do poder imperial, o equilíbrio entre uma pureza estética e a caracterização da autoridade soberana, sobrepostos com uma carga emocional improvável, mas real, tudo materializado em um edifício que muda de cor dependendo da luz do sol. Dizem que o Imperador Shah Jahan, que encomendou a obra em memória de sua esposa favorita, tinha planos de construir um segundo Taj Mahal, em mármore negro, do outro lado do rio.
Todos os exemplos aqui citados mostram que a Arquitetura não é neutra – ela é expressiva, interpretativa, e novamente – simbólica. As construções são narrativas visuais, responsáveis pelo registro de uma época – e tanto como as planejamos e construímos, quanto como as preservamos demonstram os valores culturais de um povo e os anseios daquela sociedade para o futuro. Cada detalhe fala sobre quem fomos, quem somos e quem queremos ser.
Esta linguagem não é domínio de especialistas, Engenheiros e Arquitetos – ainda bem. Seria muita pretensão pensar assim. Qualquer pessoa, ao entrar em um templo antigo, uma praça cheia de vida, um monumento famoso, frequentemente experimenta uma sensação de quase reverência, que aciona memórias ou atiça a curiosidade. Isso porque os edifícios, ao refletirem as emoções coletivas, valores históricos e intenções humanas, comunicam-se intuitivamente com todos. Aquela Arquitetura, que é de sempre e para sempre, toca, emociona e se comunica – sem precisar ser decifrada — ela é sentida.
Diante disso, compreendemos que Arquitetura é muito mais que construção – é linguagem, memória e símbolo. Ela traduz, em formas tangíveis, os valores e aspirações de diferentes culturas, revelando tanto seus anseios mais profundos quanto suas estruturas sociais, políticas e espirituais. Afinal prédios – patrimônios da nossa sociedade – são testemunhos que carregam em si um fragmento do espírito de seu tempo — e cabe a nós, todos nós, leitores dos espaços, decifrar esse fascinante diálogo silencioso entre pedra, cultura e a humanidade.
*Duda Almeida é arquiteta e urbanista especializada em Desenho de Arquitetura Assistido por Computador pela UnB, com curso em Gestão de Projetos pela FGV e Mestre na área de concentração Urbanismo – Cidade e Habitação. Atualmente é sócia-proprietária do escritório Reis Arquitetura aqui na capital, mas já atuou como docente nas áreas de Teoria e História e Projeto de Arquitetura e Urbanismo e está se aventurando como autora de livros, tendo lançado recentemente a obra Desenho Urbano e Envelhecimento Populacional