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Duda Almeida: cohousing e o conceito de moradia sustentável

O objetivo é compartilhar responsabilidades e poupar recursos econômicos, sociais e naturais

O conceito de moradia colaborativa e sustentável tem uma narrativa fascinante. Em diferentes períodos da história, de alguma maneira, modelos de habitação deste tipo foram pensados, propostos e implantados seja para atender determinada visão social e política seja como tentativa de solução prática para atenuar impactos do crescimento urbano.

A habitação colaborativa é uma alternativa que pode assumir diversas formas – cohousing, novas cooperativas de habitação, eco-aldeias, inciativas de autoconstrução. Em comum, a gestão e organização coletiva, na qual todos os residentes desempenham papel ativo através de processos participativos tanto no planejamento, quanto na execução da obra – e na manutenção e gerência dos empreendimentos.

O objetivo mais marcante de toda a ação, entretanto, é o de compartilhar responsabilidades e poupar recursos econômicos, sociais e naturais. Começar a interagir entre indivíduos, e com comunidades próximas, evitar o isolamento social. Compartilhar infraestrutura e instalações em geral, promovendo sustentabilidade. Então por que este conceito ainda é tão preliminar quando estudamos as cidades brasileiras?

O conceito de cohousing existe há muitos anos – e já foi batizado de várias maneiras diferentes. Em 1506, na Inglaterra, Thomas More publicou o seu famoso livro “Utopia” – que descreve uma comunidade “ideal”, onde as pessoas viveriam em grupos, dividindo espaços de uso comum, com refeitórios compartilhados e algumas instalações de lazer de uso coletivo. Sua descrição de uma “comunidade ideal” era também uma maneira sutil de criticar a sociedade da época.

300 anos depois, com as mudanças vindas da industrialização na Europa, outras interpretações surgiram – entre elas, teorias sobre como espaços de se viver e espaços de se trabalhar poderiam ser organizados coletivamente. Robert Owen, na década de 1840, pensou em um conceito de organização social que ele chamou de Parallelograma. Seria uma maneira de importar para a realidade doméstica conceitos sobre a dinâmica da ordem de produção agrícola e industrial, em uma estrutura gerida de maneira coletiva por núcleos de no máximo 2000 indivíduos, que coabitariam e teriam direitos iguais entre si. Na organização espacial, contariam com espaços coletivos, como salas de jantares, escolas, jardins de infância, bibliotecas e áreas de esporte, amplos e generosos, enquanto os espaços privados seriam bem mais modestos.

O mais famoso dos teóricos deste movimento utópico socialista é o francês Charles Fourier, que escreveu alguns livros na primeira metade do século XIX sobre um tipo de organização social que ele julgava ser a mais apropriada, batizada de Falanstere. Tudo seria de propriedade coletiva, e os núcleos de habitação contariam com grandes áreas compartilhadas – abrigando até com um picadeiro de esgrima de uso comum. As ideias de Fourier foram proibidas na França, mas um membro do Senado, o industrial fabricante de fogões Jean André Baptiste Godin, teve permissão para construir o que ele chamou de Familistere, uma comunidade onde todos viveriam como uma grande família. Em Guise, norte da França, ele chegou a concretizar suas ideias, ao erguer uma grande fábrica cercada de habitações multifamiliares, ligadas entre si por amplos telhados de vidro. Os trabalhadores eram donos da fábrica, e cuidavam dos espaços coletivos de maneira geral, através de escalas e distribuição de serviços – igualitárias, para homens e mulheres. Hoje o complexo e a fábrica ainda existem e pertencem ao patrimônio francês.

Em dias mais atuais, o movimento retoma a força na época dos hippies americanos, quando os jovens partilhavam espaços de vivência dentro de uma organização livre e um senso de comunidade enriquecido por conceitos culturais, sociais e políticos partilhados entre si. Na Dinamarca, nos anos 70, algumas famílias dividiam grandes residências, outrora unifamiliares, criando uma comunidade intencional, autônoma e cooperativa, onde os residentes viviam em torno de espaços compartilhados.

Criado em 1990 em Davis, na California, e inspirado nos conceitos dinamarqueses, o Muir Communs é o primeiro empreendimento de cohousing construído nos Estados Unidos. Composto de 26 casas, tem residências particulares, mas possui métodos próprios e coletivos de gestão e áreas comuns compartilhadas. Um edifício comunitário abriga uma lavanderia, cozinha, escritorio e academia, quarto de hospedes e uma grande sala de reuniões. Todos os residentes devem contribuir para a manutenção das áreas de jardins – com ferramentas que são de propriedade de todos – bem como preparar uma refeição uma vez por mês para toda a comunidade.

O complexo de co-habitação ecológica Qville, em Essen, Bélgica, projetado em 2020 pelo grupo B-Achitecten combina acomodação privada e espaços coletivos compartilhados. Antigos estábulos de quarenta, o conjunto de construções térreas é composto de edifícios tombados e se localizam em uma área bem arborizada, próxima a uma reserva ecológica e perto do centro da cidade, já na zona rural de Essen. Os prédios originais foram restaurados, e alguns edifícios foram reconstruídos ou sofreram adaptações. O terreno abriga um total de 13 construções – são 44 unidades habitacionais autônomas com jardins privativos – que contam com configurações que vão de 1 a 4 dormitórios. As áreas comuns contam com piscina coberta, área de bem-estar, centro comunitário e áreas de co-working, além de um terraço coberto equipado com mesa comunitária e cozinha coletiva, que dá para um lago, onde os moradores costumam nadar no verão. O consumo de energia é quase zero. É um verdadeiro bairro, com paisagismo inspirador e ambiente calmo e tranquilo.

Os habitantes compartilham os carros, que são elétricos e contam com estações de recarga que utilizam energia solar. Várias bicicletas são deixadas a disposição, para que os moradores se sintam estimulados a visitar as florestas próximas e a se exercitar. A parte comercial, que faz parte do empreendimento, conta com um bar e alojamento do tipo bed and breakfast para que os moradores possam receber amigos e convidar turistas para conhecer o local. Na entrada, um pequeno centro de exposições conta as histórias e origens do local e das edificações originais. Um detalhe interessante: muitos dos moradores do local são idosos – apesar do empreendimento não ser destinado a nenhum tipo de público em específico.

No Brasil, existe um movimento crescente que pensa em co-habitação como forma de promover uma velhice ativa e socialmente integrada. Originalmente, o cohousing não foi pensado como solução de habitação para uma comunidade mais idosa, embora o próprio formato favoreça a convivência intergeracional. A verdade é que o conceito procura combinar tudo o que é ótimo para esta fase da vida – a autonomia de pequenas residências privadas, compactas e independentes, e os benefícios de espaços comuns amplos e serviços compartilhados, para que oportunidades de interação social e senso de comunidade sejam fortalecidos. É realmente um cenário perfeito para este tipo de público.

Em Campinas, um grupo de professores aposentados da Unicamp criou o Vila ConViver Cohousing Senior, em 2016. Pensando para uma comunidade para pessoas com 70 anos ou mais, desde sua concepção inicial urbanística arquitetônica o empreendimento contou com a gestão por consenso. Este conceito foi tão bem aceito que o grupo criou um site, “Cohousing em rede”, com o objetivo de incentivar e orientar a implantação de espaços do tipo por todo Brasil.

É interessantíssimo pesquisar o site – aprendemos, por exemplo, que o modelo americano de cohousing é diferente do dinamarquês, que difere do alemão, do holandês, do sueco e assim em diante. É uma maneira de melhorar qualidade de vida, dar e receber apoio mutuamente, promover a interdependência, à medida que se envelhece. O co-cuidado reduz o isolamento e fornece apoio constante, ações que tem ainda mais sentido dentro de uma comunidade intencional, formado por pessoas que decidem dividir um mesmo espaço físico. É um movimento que tem despertado o interesse do mercado imobiliário, criando uma demanda específica – para um público bem específico, alimentando a chamada “economia prateada”.

No Brasil, o modelo está em construção – e deve se adaptar a nossa cultura, a nossa maneira de viver e as nossas condições climáticas. Vamos torcer para que esta oportunidade seja bem aproveitada e que se transforme em ações de grupos que pretendem co-habitar de maneira extremamente rica em termos de relacionamentos entre si e com a sociedade.

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