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Do Sol Nascente ao Itamaraty: conheça o diplomata que driblou barreiras e chegou ao topo do serviço público

Aprovado no MRE, William Placides contou ao GPS|Brasília a trajetória de resiliência, desde a infância dura até conquistar o sonho

Foi quando pisou pela primeira vez nas ruas de terra batida e um tanto quanto precárias do Sol Nascente – uma das regiões administrativa mais carentes do Distrito Federal – que William Placides, ainda com 11 anos, percebeu que a vida, a princípio, havia destinado a ele e ao casal de irmãos mais velhos uma realidade ainda mais dura após a separação dos pais.

Mesmo morando na periferia de São Paulo, uma regiões mais perigosas da capital paulista, o menino acompanhou a mãe, sem saber que o mesmo destino guardaria boas surpresas no futuro para eles, embora a cabeça incrédula de uma criança desacreditasse que estaria livre da realidade diária da violência e da falta de infraestrutura mínima.

Natural de São Paulo (SP), William teve de deixar a rotina da escola e de amigos paulistanos após a mãe, logo após o divórcio, decidir por uma nova fase da vida, longe da periferia de SP (“muito violenta”, segundo ela), até se mudar para o Distrito Federal, onde acabou se instalando numa das maiores “favelas do Brasil”, segundo informações recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Falar de estatística, contudo, neste caso específico, não faz muito sentido. Apesar de ter sido mais um número dentro da realidade da região administrativa mais vulnerável do DF, William Placides agora “bate no peito” para comemorar a aprovação recente na carreira de diplomata do Ministério das Relações Exteriores (MRE), considerada o “topo” do serviço público federal.

Saí do Sol Nascente aos 19 anos, quando estava na faculdade e passei no concurso do sistema penitenciário. Cursei Relações Internacionais na Universidade Católica de Brasília e, em 2007, fui o 3º colocado no Enem das escolas públicas de Brasília. Foi então que ganhei uma bolsa de 100% no PróUni“, disse ao GPS|BRasília

William lembra da infância difícil em Brasília, dentro de uma casa simples, com paredes erguidas por eles próprios e, ainda assim, cercada por enchentes e episódios de violência corriqueira na vizinhança.

Apesar do cenário desafiador, acabou se apegando às palavras de sua mãe, dona Nina Tolledo, exemplo de brasileira que nunca deixou de acreditar no futuro promissor para os filhos, mesmo que a realidade cruel da época dissesse o contrário.

Você pode ser o que quiser”, repetia ela, segundo William. 

As palavras inspiradoras da matriarca criaram raízes profundas e deram força, segundo ele, para que o novo integrante do Itamaraty seguisse em frente, de cabeça erguida, assim como os irmãos, todos concursados e em boas vagas da administração pública.

Quando se tornou policial penal, Placides ainda jovem, disse ter conciliado a rotina “exaustiva” de trabalho com a responsabilidade de sustentar sua família com dois filhos pequenos.  Naquela época, já sonhava em representar o Brasil em missões diplomáticas mundo afora.

Tanto que, antes da aprovação, durante sete anos , lembrou ter participado de seis concursos para o Itamaraty. Desse total, pelo menos em cinco deles chegou à última etapa, quando viu a aprovação escapar dos dedos por pouco.

Estudei das 3h às 7h da manhã por anos. Era o único tempo que eu tinha, entre o trabalho, o comércio e a responsabilidade com a família”, explica.

Durante aquele tempo, revela William, sempre buscou alternativa para garantir um complemento de renda e oferecer mais possibilidades para a família, inclusive na venda de blocos de concreto, muitas vezes carregados por ele nos próprios ombros.

Programas do governo

Sem deixar de reconhecer a ajuda de programas sociais do governo, William disse ter agarrado as oportunidades que surgiram ao longo do caminho, especialmente com o apoio do ProUni.

Segundo ele, foi o programa federal que garantiu a conclusão do curso de Relações Internacionais como bolsista integral na Universidade Católica de Brasília (UCB).

Durante aquele período, desta vez com apoio do Governo do Distrito Federal (GDF), foi selecionado a participar do programa Brasília Sem Fronteiras, o qual o levou a um intercâmbio na Áustria, e mais tarde, para uma experiência na Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra (Suíça).

Nos Centros de Línguas do DF, também de iniciativa pública, ele aprendeu inglês, francês e espanhol, mesmo sem completar a formação formal em nenhum dos idiomas. Ainda assim, passou no concurso considerado como um dos mais disputados do Brasil

Minha história é diferente da de muitos dos meus colegas de profissão. Eu venho das periferias, conheci de perto a pobreza, a violência e as dificuldades de quem luta diariamente pela sobrevivência. Mas isso também me deu uma perspectiva única, uma sensibilidade necessária para entender o Brasil em sua complexidade”, reflete William.

Estatísticas

Hoje, pouco dias após ter testemunhado o reconhecimento da dedicação registrado no Diário Oficial da União (DOU) como futuro diplomata brasileiro, William não deixa de lembrar de outros inúmeros jovens periféricos que, como ele, viveram ou ainda vivem a realidade difícil da violência e da ausência do Estado. 

Eu sonhei mais alto. Demorou um pouco, mas chegou o momento. E para os jovens daquela idade, eu acho que replicaria esse conselho. Se eles sonharem e, assim, acreditarem, forem dedicados, poderão ser o que eles quiserem, como minha mãe repetia. Não é a condição social da pessoa ou a origem que determina até onde podemos chegar: realmente, é o esforço. É claro que a caminhada vai ser mais longa e temos que estar preparados para isso. É muito diferente para quem teve todo o acesso, toas as condições, porque demora menos tempo para chegar até onde quer. Mesmo assim, nada é empecilho para ninguém. Vai chegar“, compartilha. 

Da mesma forma, o novo servidor do Itamaraty também não esqueceu de citar as principais inspirações para que, mesmo diante de todas as adversidades da realidade, mantivesse o foco até se tornar o mais novo servidor efetivo do Itamaraty, sendo formado para ocupar representações diplomáticas do Brasil no exterior.

Eu acho que eu posso citar duas inspirações: a primeira é da minha mãe, porque, quando fiz o Enem (2007), ela não havia tido a oportunidade de terminar os estudos, já que criava os meninos como mãe solo. Já a minha inspiração na carreira, gosto muito da história do Sérgio Vieira de Mello, que foi um diplomata das Nações Unidas, brasileiro, que chegou a ser o número dois das Nações Unidas, com uma trajetória muito bonita, mas faleceu no Iraque, em 2003, durante um ataque”, pontua. 

William Placides e a mãe, dona Nina | Acervo familiar

Amor de mãe

Poucos minutos antes do fim da conversa com o GPS|Brasília, a reportagem resolveu insistir e perguntar a William sobre a situação atual de sua mãe, a dona Nina Tolledo, responsável por trazer os filhos para a capital.

Hoje, aos 62 anos, aquela mesma mulher que deixou a periferia de São Paulo com três crianças nos braços, sem formação educacional e profissional, mas que sempre estimulou os filhos a sonharem, também recebeu do destino, além do sucesso da prole, outra conquista não menos inspiradora. 

Durante esse período, ela fez o EJA [Educação de Jovens e Adultos] nas escolas públicas de Ceilândia, no período noturno, e também se animou a fazer o ENEM junto comigo naquela época, quando também foi aprovada. Foi então que decidiu cursar o nível superior e, aos 47 anos dela, antes de eu passar na diplomacia, minha mãe foi aprovada em concurso e, atualmente, é professora da Educação Infantil da Secretaria de Educação do DF”, emociona-se.

A emoção de William Placides não se resume às lágrimas dele, nem da mãe ou tampouco dos irmãos e de testemunhas que acompanharam a linha do tempo até os dias atuais. Como foi reforçado no início do texto, as estatísticas oficiais servem para ter uma média da realidade local, mas não para ocultar boas histórias. Tanto que, atualmente, Placides é convidado para levar sua palestra Saindo da Estatística, sobre a criminalidade, estudos e carreira, para inúmeros estudantes de escolas públicas do Distrito Federal.

É bom que essas histórias existam para inspirar, de alguma maneira. Eu me lembro que eu  adorava ler uma história de um médico que saiu de tal lugar e passou em Medicina, assim como o cara que foi gari e virou juiz. Eu achava maravilhoso. Eis que, de alguma maneira, a minha história poderá ser usada para inspirar de alguma forma essa juventude“, finaliza a conversa, a qual ocorreu quando o novo diplomata comemorava os 35 anos..

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