Gestantes indígenas no Brasil chegaram a percorrer em média 533 km até o local do parto durante a pandemia de covid-19. A revelação vem de um estudo recém-publicado na The Lancet Regional Health – Americas, que analisou mais de 10 mil óbitos maternos ocorridos entre 2018 e 2023.
Assinado por Ademar Barbosa Dantas Junior, Amarílis Bahia Bezerra, Aglaêr Alves da Nobrega, Dácio de Lyra Rabello, Andrea de Paula Lobo, Ethel Leonor Maciel e Letícia Cardoso de Oliveira, o estudo mostra que, quanto maior a distância percorrida pela gestante, maior o risco de morte.
Durante o auge da pandemia (2020–2021), a Razão de Mortalidade Materna (RMM) entre as mulheres que se deslocaram mais de 500 km foi de 772,5 mortes por 100 mil nascidos vivos — quase 10 vezes maior do que entre parturientes que não precisaram sair do próprio município.
“Acabou de ser publicado o estudo que fizemos para avaliar a rota que gestantes percorrem no Brasil para o parto e a associação com a morte materna”, escreveu a pesquisadora Ethel Maciel, uma das autoras do levantamento.
Segundo ela, municípios com menos de 50 mil habitantes concentraram 58,2% dos deslocamentos intermunicipais. Os deslocamentos foram mais longos em contextos de maior vulnerabilidade social e territorial, como entre parturientes indígenas e residentes em áreas menos populosas.
Veja a publicação:
Acabou de ser publicado o estudo que fizemos para avaliar a rota que gestantes percorrem no Brasil para o parto e a associação com a morte materna. Utilizamos o Sistema de Informações sobre Mortalidade e o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos: https://t.co/beP7k8cNt0
— Ethel Maciel, PhD (@EthelMaciel) July 22, 2025
Retrato da desigualdade
Mais da metade dos deslocamentos analisados ocorreram em cidades com menos de 50 mil habitantes, onde a oferta de serviços obstétricos especializados é mais limitada. Nessas regiões, 58,2% das parturientes precisaram buscar atendimento fora do município.
A distância média percorrida por indígenas foi mais que o dobro da média nacional, especialmente durante a pandemia. Jovens com menos de 20 anos, mulheres com baixa escolaridade e moradoras de cidades pequenas também apresentaram maior vulnerabilidade.
“Os resultados reforçam a necessidade de políticas públicas que considerem desigualdades territoriais e ampliem o acesso geográfico a cuidados obstétricos seguros e oportunos. Essa é uma boa causa para a utilização de emendas parlamentares: auxiliar a mudar essas mortes evitáveis”, defende Maciel, que também é professora titular da UFES e PhD em Epidemiologia e esteve à frente da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde, durante o governo Lula (PT).
Risco de morte
O estudo mostra que, mesmo com políticas como a Rede Cegonha e a Rede Alyne, ainda há falhas estruturais no sistema de atenção obstétrica no Brasil. Mulheres que residem longe de centros urbanos continuam vulneráveis à desassistência e à demora no atendimento.
A proposta dos autores é ampliar o acesso territorial ao cuidado obstétrico por meio de transporte sanitário regionalizado, descentralização dos serviços, pactuação entre municípios e o uso de tecnologias como a telessaúde.
“A análise das distâncias percorridas reforça a importância de descentralizar os serviços de saúde e garantir às gestantes um acesso contínuo e qualificado, especialmente no caso das mulheres em situações de maior vulnerabilidade social. No entanto, destaca-se que, para reduzir a mortalidade materna em contextos de áreas remotas e de difícil acesso, além do aprimoramento da prática obstétrica, são necessárias estratégias integradas, como a expansão de transporte sanitário, pactuações regionais entre municípios, protocolos clínicos adaptados para populações remotas e uso da telessaúde para orientação de urgência. Tais medidas devem compor políticas intersetoriais que reduzam barreiras geográficas de maneira estrutural”, reforça o texto do estudo.