Com um olhar honesto e uma atuação leve, a brasileira que faz o próprio papel no drama franco-brasileiro La Parle impressiona com o talento que traz em sua trajetória. Formada em Cinema pela FAAP, em São Paulo, Gabriela Boeri lança no próximo dia 29, um filme gravado basicamente com Iphones, o que a própria diz ter dado mais liberdade para “viver ao invés de atuar”.
Clique aqui: Filme franco-brasileiro, “La Parle” foi filmado com Iphone
Com mais três amigos, que trouxeram à narrativa seus nomes originais, Fanny Boldini, Kevin Vanstaen e Simon Boulier, a brasileira contou ao GPS|Lifetime que “La Parle” foi um “filme coral”.
“Sinto que as nossas vozes se somaram durante todo o processo para construção de uma narrativa verdadeiramente coletiva. Foi tudo muito desafiador, e para isso tivemos que criar uma dinâmica de trabalho particular. Nossos estilos e habilidades são muito diferentes e foi isso que fez do processo uma experiência tão enriquecedora. Desde o começo o objetivo era construir um ambiente horizontal onde todos se sentissem igualmente responsáveis por cada decisão”, relata sobre o processo do título.
La Parle traz uma reflexão profunda e leve sobre as relações de quatro personagens que decidem passar férias na Costa Brava, da França. Produzido pelas brasileiras Claraluz Filmes e Kinoteka, em parceria com a francesa Les Films Bleus, os quatros atores também dirigem o filme. A história, porém, tem inspiração na vida pessoal. No caso de Gabriela a construção da narrativa teve relação com a memória construída da figura dos avós.
“Sempre fui muito próxima dos meus e sinto que essas relações estarão sempre presentes de alguma forma nos meus filmes. Meus avós maternos, Doro e Jorge, foram no cinema ver o “La Parle”. Foi uma alegria imensa. E a Sylvinha, minha avó paterna que é uma das personagens do filme, infelizmente partiu logo que terminamos a montagem. Esse filme é uma homenagem pra ela. Agora ele vai pro mundo, e espero que essa história tenha eco, que ela possa se conectar com a memória de muitas outras pessoas”, destaca.
Além de o filme ser todo em preto e branco, decisão tomada para contrastar passado e presente, e uma surpresinha ao final do enredo (sem spoilers), boa parte da fotografia traz planos mais fechados e focados nos rostos dos personagens. O motivo seria dar um toque mais intimista combinado ao tom da narrativa.
“Quando a Fanny nos contou sobre a consulta médica que inspirou umas das cenas, tivemos certeza de que esse [o preto e branco] era o caminho. Foi uma confirmação muito clara! Mas não vou falar mais que isso para deixar a surpresa para quem for assistir”, afirma.
O filme foi feito a oito mãos, sendo que as filmagens eram revezadas pelos atores, que inclusive não são atores por natureza, sendo a primeira vez que todos atuaram. “Revezávamos entre atuar, operar a câmera e o som. Essa simplicidade foi fundamental para que nos sentíssemos seguros, considerando que não somos atores e nunca tínhamos feito isso antes”, explica.
Gabriela morou por quase três anos na França e, agora, está de volta ao Brasil. Confira a entrevista na íntegra:
1. Como foi atuar, produzir e dirigir o filme com quatro amigos?
Eu gosto de dizer que o “La Parle” é um filme coral. Sinto que as nossas vozes se somaram durante todo o processo para construção de uma narrativa verdadeiramente coletiva. Foi tudo muito desafiador, e para isso tivemos que criar uma dinâmica de trabalho particular. Nossos estilos e habilidades são muito diferentes e foi isso que fez do processo uma experiência tão enriquecedora. Desde o começo o objetivo era construir um ambiente horizontal onde todos se sentissem igualmente responsáveis por cada decisão. Inclusive, na primeira e na segunda sessão de filmagem, a equipe inteira do filme era composta por nós quatro. Revezávamos entre atuar, operar a câmera e o som. Essa simplicidade foi fundamental para que nos sentíssemos seguros, considerando que não somos atores e nunca tínhamos feito isso antes. Acho que o tom intimista da narrativa foi uma conquista da nossa troca, conforme os dias iam passando fomos nos sentindo cada vez mais à vontade para compartilhar nossas questões. Agora, com o filme pronto, sinto que o elemento mais importante para uma direção coletiva não são necessariamente as afinidades e sim a confiança para que possamos expressar as nossas diferenças.
2. Como surgiu a ideia do roteiro?
A Fanny, o Kevin e o Simon, meus colegas também realizadores do filme, eram da turma anterior. A Fanny e o Simon continuaram morando em Beaune e o Kevin vinha quando tinha algum evento da residência. Convivíamos nessas ocasiões promovidas pelo Atelier, mas foi durante a pré produção do filme do Lelouch que nos aproximamos. Todos nós fazíamos parte da equipe, cada um com uma função diferente. No dia do teste de câmera o Lelouch resolveu projetar no cinema da residência uma mesma cena filmada com câmeras diferentes, dentre elas a câmera do Iphone. Ele, que já filmou com todas as câmeras do mundo, comentou que não queria que a câmera do celular fosse manipulada até parecer uma câmera de cinema. Ele estava interessado nessa textura diferente e na emoção que ela gera.
Quase todos os aprendizes já tinham ido embora da sala, só eu, a Fanny, Kevin e o Simon ficamos até o final da discussão. O Lelouch nos questionou dizendo que ficava informado que a gente tinha uma câmera no bolso e isso não era o suficiente pra gente se inquietar. Ao invés de e pegar a câmera na mão para experimentar, ficamos sentados nela e de alguma forma, acomodados com a sua presença diária em nossas vidas. Saímos de lá muito impactados por essa conversa.
A textura das imagens filmadas com o celular são a emoção do nosso tempo. Aquilo que vemos como defeito também faz parte dessa linguagem. Como podemos incorporar isso numa narrativa onde o público possa se identificar de forma íntima e direta? Fomos jantar e tomar um vinho no restaurante do Atelier. Estávamos muito intrigados e ficamos até tarde na residência conversando. Naquela noite decidimos que íamos fazer um filme juntos. Desenvolvemos um roteiro inicial, que foi nosso ponto de partida. Compartilhamos questões e conflitos reais das nossas vidas e a partir deles escrevemos uma ficção. Conforme fomos filmando e montando as cenas, também fomos alterando essa base e incorporando as transformações que estávamos vivendo.
Como nunca tínhamos atuado, os conflitos reais nos ajudaram muito na interpretação das cenas de ficção. Essa mistura de realidade e ficção é a essência da narrativa. O fato de sermos os protagonistas e de termos filmado com o celular também faz parte da gramática desse roteiro. Além disso, montadora do filme – Alice Furtado – também fez parte desse processo de escrita. Com seu distanciamento e sensibilidade, conseguiu desenhar o contorno de cada personagem de forma surpreendente. Redescobrimos o roteiro do filme a partir do encontro com ela.
3. Como foi seu tempo na França e quando voltou ao Brasil?
Eu morei na França por quase três anos, mas agora estou de volta no Brasil. Fui pra fazer a residência com o Claude Lelouch e depois acabei ficando mais tempo por conta das oportunidades de trabalho que surgiram. Durante a residência, além de realizar o “La Parle” eu também trabalhei num filme do Lelouch, “Os Melhores Anos de uma Vida”, com a Anouk Aimée e o Jean-Louis Trintignant. Foi uma experiência extraordinária.
4. Como era mudar de idioma no meio das falas?
Desde que eu entrei na residência, o maior desafio foi a barreira da língua. Apesar de falar francês, eu logo entrei num ambiente criativo e tive que defender minhas ideias, roteiros e projetos em francês. Quando Lelouch falou que seria interessante a gente ter a experiência de atuar, pois isso seria fundamental pra gente entender nosso papel na direção, eu nunca imaginei que conseguiria fazer isso em francês. Acredito que o ambiente de confiança e intimidade do “La Parle” me ajudou muito a errar sem medo até me sentir mais solta pra transitar entre um idioma e outro.
5. O filme fala bastante sobre família, teve alguma inspiração pessoal?
Acho que no meu caso a maior inspiração pra esse projeto foi essa relação com a memória que construímos através da figura dos avós. Sempre fui muito próxima dos meus e sinto que essas relações estarão sempre presentes de alguma forma nos meus filmes. Meus avós maternos, Doro e Jorge, foram no cinema ver o “La Parle”. Foi uma alegria imensa. E a Sylvinha, minha avó paterna que é uma das personagens do filme, infelizmente partiu logo que terminamos a montagem. Esse filme é uma homenagem pra ela. Agora ele vai pro mundo, e espero que essa história tenha eco, que ela possa se conectar com a memória de muitas outras pessoas.
6. Porque fazer planos mais fechados?
Acho que os planos mais fechados são um reflexo dessa narrativa intimista tanto em relação aos personagens, como em relação ao próprio aparelho. Fui muito natural filmar com o Iphone e também muito intuitivo, justamente por já termos essa intimidade do dia a dia. Pra cuidar dessa questão da qualidade, usamos o aplicativo FiLMiC Pro e alguns acessórios. Mesmo assim, em alguns momentos assumimos os defeitos. Um pouco no sentido da conversa que tivemos com o Lelouch no começo do processo, o que chamamos de defeito também faz parte da linguagem e da emoção dessa imagem.
7. Porque um filme em preto e branco?
A decisão sobre o filme ser em preto e branco foi um processo. Surgiu como uma ideia de trazer esse contraste entre passado e presente. Uma memória jovem, feita com um Iphone que vai de encontro ao imaginário que temos do passado. Aí quando a Fanny nos contou sobre a consulta médica que inspirou a cena final, tivemos certeza de que esse era o caminho. Foi uma confirmação muito clara. Não vou falar mais que isso pra deixar a surpresa pra quem for assistir.
Assista o trailer: