Cada vez mais procurados por turistas, fotógrafos e até por produções televisivas e cinematográficas, os blocos residenciais da SQN 107 despertam curiosidade e dividem opiniões sobre a estética diferente das demais quadras de Brasília.
Compartilhados por perfis badalados no Twitter, os edifícios, embora atribuídos erroneamente a Oscar Niemeyer, foram desenhados em 1965, por Mayumi Watanabe e Sérgio Souza Lima, do Centro de Estudos e Planejamento da Universidade de Brasília (Ceplan-UnB).
A inspiração é no brutalismo, movimento arquitetônico que valoriza a exposição do concreto e que aposta nas brises, originalmente chamada de brise-solei ou “quebra-sol”, tradução livre do idioma francês. A modalidade é creditada a Charles-Edouard Jeanneret-Gris, conhecido internacionalmente como Le Corbusier, ícone da arquitetura mundial.
“O brutalismo é uma das minhas fontes de inspiração, onde a estrutura é realçada e não encoberta. O prédio da 107 Norte é um dos maiores exemplos em Brasília. Construído com paredes estruturais externas, o concreto mostra as formas originais que moldaram a construção. Vez ou outra, nos deparamos com proprietários que passam massa corrida e pintam as paredes. Para nós, arquitetos, é um enorme prazer retirar essas marcas do tempo e trazer novamente os elementos desse movimento“, disse ao Portal GPS o arquiteto Arnaldo Pinho, um dos mais renomados da cidade.
Detalhamento
Os blocos F, G e I da quadra foram idealizados para abrigar professores da Universidade de Brasília (UnB), mas hoje acabaram atraindo outras famílias, após a autorização das vendas das unidades pela instituição federal.
Em cada um dos três prédios, há 24 apartamentos e as unidades têm cerca de 120m², com uma vaga na garagem. Originalmente, a proposta prevê dois quartos, suíte, banheiro social, cozinha, área, quarto e ainda banheiro de serviço.
“Os apartamentos são muito bem Iluminados, naturalmente, e oferecem grandes espaços internos que possibilitam a movimentação de câmeras e equipe. Sem contar ainda com a receptividade e colaboração dos moradores da quadra que entendem e apoiam toda aquela movimentação”, emendou o produtor Fernando Toledo, que escolhe cenários para as gravações das grandes produções nacionais.
Por ser considerado mais espaçoso do que os do mesmo padrão no centro da capital federal, os imóveis da 107 Norte acabaram sofrendo variações. Há unidades que reduziram, por exemplo, o número de dormitórios. Da mesma forma, pelo tamanho da sala, houve quem optasse por um terceiro quarto, a depender da necessidade familiar.
“Primeiro, os prédios da 107 Norte têm um padrão absolutamente diferente de todos os outros em Brasília. Então, naturalmente, por contraste, eles já geram essa atração. Segundo, a questão do concreto, rústico, ele é um elemento atraente, eu sinto uma coisa orgânica, quase natural, a partir do concreto armado, puro, na natureza, no meio de árvores… E aquelas linhas estreitas, que vão da base até o topo… elas conferem uma elegância ao prédio também. Então, eles são muito harmônicos. A consequência é ter muitos filmes querendo rodar naquele espaço“, afirmou o diretor de cinema Marcus Ligocki Jr.
Na prática, cada bloco une quatro edificações separadas, mas integradas pelo hall dos elevadores. Justamente por isso, não há comunicação entre paredes dos vizinhos laterais. A ideia original reforça a sensação de que cada apartamento fosse o “único” no andar, porém compartilhando escadas e os três elevadores – um de serviço e os outros dois sociais.
Embora a concepção fuja dos tradicionais cobogós, que são queridinhos pelos brasilienses, os idealizadores quebraram as formas rígidas atribuídas ao concreto com a leveza dos painéis de azulejos assinados por Athos Bulcão. Há a obra em todos os 6 andares internos de cada um dos três blocos.
Os prédios integrariam um projeto interrompido durante a transição para o governo militar, no fim da década de 1960. A concepção original seria de criar a Unidade de Vizinhança São Miguel, juntamente com as quadras 108, 307 e 308 Norte, mas a perspectiva planejada não chegou a sair do papel.
Com a ascensão do governo militar, os idealizadores desistiram de seguir o programa previsto e, assim, as demais três superquadras acabaram recebendo outras edificações, todas parecidas entre si. Elas abrigariam, a princípio, integrantes do corpo diplomático do Brasil, assim como outros servidores públicos.
Além das inspirações brasilienses, como Athos Bulcão, a quadra também recebeu uma murada com azulejos assinados por Francisco Brennand, que morreu em 2019, aos 92 anos, após uma infecção respiratória.
Embora seja reconhecido mundialmente pelas esculturas e a cerâmica, a quadra recebeu as obras do artista nordestino, quando esteve inspirado na azulejaria portuguesa.
Cinemateca
Embora haja controvérsia individual sobre a beleza dos prédios, a 107 Norte tem chamado cada vez mais atenção das emissoras e dos produtores de locação dos filmes.
“Quando a gente vai escolher locação, a gente busca também imagens marcantes, imagens únicas e que possam representar e dar um ambiente ideal para o desenvolvimento da trama, da história, resolução dos conflitos e também marcar como algo único, porque é assim que todo diretor deseja que o seu filme seja lembrado: como uma peça única e especial“, emendou Ligocki Jr.
A quadra foi cenário de produções da TV Globo, como “Amor ao Quadrado“, do brasiliense René Sampaio e com tem roteiro de Celso Duvecchi. O filme foi gravado em dez dias, em 2016, estreando na véspera de Natal daquele ano.
“Sempre que preciso gravar em um apartamento que mostre que estamos em Brasília, sem cair no clichê da arquitetura de Niemeyer, opto pelos blocos da 107 Norte e pela história que a quadra tem“, declarou o produtor Fernando Toledo.
A produção, já exibida em TV aberta nacional, contou a história de Oscar, um cupido prestes a se aposentar e que precisaria treinar um sucessor, que é atrapalhado, mas tinha a missão de formar três casais em até 24 horas.
Além disso, recentemente, o local foi palco para gravações da segunda temporada da série “Justiça“, nova fase da trama, com 28 episódios. Entre os nomes no elenco, Murilo Benício, Marco Ricca e Adriano Garib, Leandra Leal, Julia Lemmertz, Paolla Oliveira e Marcello Novaes.
*A reportagem integra uma série especial do GPS em homenagem aos 63 anos de Brasília. A publicação do conteúdo, na visão editorial do portal, tem o objetivo de difundir e de eternizar as histórias sobre a nossa capital federal.