Marcado por uma combinação de desatenção, hiperatividade e impulsividade, o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) segue sendo um dos desafios mais subestimados da saúde mental, especialmente no que diz respeito à identificação e ao tratamento adequado. Neste Dia Mundial do TDAH, celebrado anualmente em 13 de julho, especialistas destacam a importância de combater o estigma e promover informação qualificada sobre o transtorno.
Apesar de mais conhecido hoje do que em décadas passadas, o TDAH ainda é alvo frequente de diagnósticos errados e interpretações equivocadas que o confundem com falta de disciplina, imaturidade ou mania de internet. No entanto, trata-se de um transtorno do neurodesenvolvimento com bases genéticas e neurológicas bem estabelecidas.
De acordo com dados recentes do Ministério da Saúde, 7,6% das crianças e adolescentes brasileiros entre 6 e 17 anos convivem com o TDAH, o número chama atenção para a necessidade da criação de políticas públicas e ações educativas voltadas para a saúde mental infantojuvenil.
O diagnóstico precoce e o acompanhamento multidisciplinar são essenciais para garantir qualidade de vida às pessoas com TDAH, minimizar impactos emocionais e favorecer o pleno desenvolvimento social e profissional ao longo da vida.
“O TDAH é uma condição com base biológica e genética, que afeta a capacidade de manter o foco, de regular os impulsos e, em alguns casos, de conter a hiperatividade. Não é falta de educação, nem falta de esforço. É um cérebro que funciona de forma diferente”, explica a psiquiatra Carla Vieira, do CAPS Infantojuvenil M’Boi Mirim, em parceria com a Secretaria Municipal da Saúde (SMS-SP).
De acordo com a médica, os sintomas costumam surgir ainda nos primeiros anos de vida e acompanham o indivíduo em diversas fases. Entre os sinais mais visíveis, estão sinais como a agitação, impulsividade e dificuldades escolares. Já na adolescência, essa hiperatividade tende a se tornar mais interna, e problemas de organização e impulsividade ganham espaço. Na vida adulta, os sinais que se destacam são a desatenção, a desorganização e a dificuldade em manter uma rotina funcional.
“Muitos adultos que atendo só percebem que têm TDAH depois que os filhos são diagnosticados. Eles começam a se identificar com os sintomas e entendem que a vida inteira lutaram contra algo que nunca souberam nomear”, revela a psiquiatra.
Apesar dos indícios evidentes, o diagnóstico de TDAH pode levar anos para ser feito, especialmente entre as mulheres, cujo quadro costuma se manifestar de forma mais silenciosa, marcado principalmente pela desatenção. Por não apresentarem a hiperatividade típica que frequentemente desperta alertas, muitas seguem sem receber o cuidado adequado, convivendo com prejuízos acumulados na vida acadêmica, profissional e emocional.
“Essas meninas acabam sendo rotuladas como distraídas, sonhadoras, desorganizadas. E crescem tentando se adaptar, sem saber que há um motivo para suas dificuldades”, afirma Carla Vieira.
Como o diagnóstico deve ser feito
Após destacar os principais sintomas e impactos do TDAH, outro ponto crucial entra em pauta, o diagnóstico e o tratamento adequados. A médica neurologista Denise Diniz, por sua vez, explica que o diagnóstico deve ser resultado de uma avaliação clínica detalhada, envolvendo múltiplas fontes de informação.
“O diagnóstico é feito com base em uma avaliação clínica abrangente, que inclui histórico médico, conversas com familiares e professores, observação do comportamento e, em alguns casos, testes neuropsicológicos”, detalha a médica.
Ainda segundo a especialista, uma vez confirmado o TDAH, é essencial garantir o acompanhamento médico contínuo. “Depois do diagnóstico, é importante que a criança ou adulto tenha um acompanhamento médico. O tratamento do TDAH geralmente envolve uma abordagem multimodal que inclui terapia comportamental, apoio educacional, intervenções psicossociais e, em alguns casos, medicação”, explica.
“Podem ser indicados alguns medicamentos que ajudam a controlar os sintomas, mas sempre sob a supervisão de um médico especializado. A terapia comportamental é outra estratégia usada para diminuir a impulsividade e os comportamentos inadequados”, pondera a médica Denise Diniz.
Tratamento do TDAH exige abordagem individualizada
O tratamento do TDAH deve ser pensado de forma individualizada, considerando as necessidades específicas de cada paciente. A psiquiatra Carla Vieira destaca que, embora os medicamentos estimulantes sejam amplamente utilizados, eles não são a única forma de intervenção eficaz. “A terapia cognitivo-comportamental, as mudanças de estilo de vida e a psicoeducação são pilares fundamentais. O tratamento não é uma receita única. Ele precisa ser ajustado à realidade de cada paciente”, explica.
Para a médica, um dos principais obstáculos no enfrentamento do TDAH continua sendo a falta de acesso ao diagnóstico precoce e ao acompanhamento adequado. Carla ressalta a importância de investir na capacitação de profissionais da saúde e da educação, além de fortalecer os vínculos entre essas duas áreas. “Ainda vemos muitas crianças sendo rotuladas como ‘difíceis’ na escola, sem receber o suporte necessário. Precisamos capacitar professores, estruturar planos de ensino individualizados e criar pontes entre as equipes pedagógicas e os profissionais de saúde”.
O preconceito também é um desafio frequente enfrentado por pacientes com TDAH. “Ouço muito no consultório que TDAH é desculpa, que é invenção da indústria farmacêutica, que é falta de esforço. Isso machuca e atrasa o tratamento. Precisamos entender que não se trata de falta de vontade, e sim de uma condição legítima, reconhecida pelas principais entidades de saúde do mundo”, afirma Carla.
Segundo a psiquiatra, quando há diagnóstico correto, acompanhamento contínuo e empatia, é possível transformar profundamente a vida de quem convive com o transtorno. “O TDAH não define uma pessoa, mas compreender como ele funciona pode mudar completamente sua trajetória. A informação é o primeiro passo para isso”.