A trajetória de Sonia Dias Souza é marcada por uma transformação profunda e intuitiva que a levou das leis para as artes visuais. Formada em Direito pela USP, trabalhou por cerca de 15 anos no ramo jurídico antes de mergulhar por completo no universo da arte, inicialmente por meio da fotografia. Em uma transição natural e carregada de significados, a artista visual reflete, por meio de suas obras, a sua busca por um caminho mais livre e conectado à essência humana.
Seu início na carreira artística pode ser avaliado como uma combinação de espiritualidade, ciência e contemplação, que a levou para onde ela se encontra hoje, com a mostra Da Terra que Somos, sua segunda exposição individual, em cartaz até fevereiro de 2025 no Museu Nacional da República, em Brasília.
A primeira exibição individual de Sonia, Radical, foi realizada em 2021, no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba. Curiosamente, os principais trabalhos da artista foram expostos em edifícios projetados pelo mesmo arquiteto, que, apesar de se declarar ateu, compartilha com ela a busca por significado por meio da forma. Niemeyer, cuja obra arquitetônica reflete um equilíbrio espiritual e funcional, ecoa o estilo artístico de Sonia – formas que transcendem o físico para dialogar com a essência humana.
Com a mostra Da Terra que Somos, a artista convida o público a refletir sobre a transformação da natureza, a relação do homem com ela e o seu lugar no cosmos. É por meio de 11 fascinantes obras que ela consegue traduzir essas questões universais, unindo materiais extraídos da natureza a conceitos filosóficos e um intenso olhar espiritual.
Quem surgiu primeiro: a galinha ou o ovo? Qual é a origem da vida? De onde vem tudo o que conhecemos? Esses questionamentos acompanham os pensamentos de Sonia desde a sua infância, quando sonhava em ser arqueóloga. Apesar de ter seguido a carreira da advocacia e depois ter migrado para a arte, ela nunca deixou de estudar aquilo que a fascinava: física, biologia, botânica e mitos cosmogônicos, em que, posteriormente, encontrou os alicerces para suas obras.
A ligação de Sonia com a natureza não é apenas conceitual. Na exposição, as peças exibidas propõem uma imersão, muitas vezes provocando o público a desacelerar e contemplar. Ela utiliza elementos naturais como ponto de partida para suas criações, como sementes de Pau-Brasil e acácia, galhos de uva, argila, espinhos e feltro, que dialogam com temas como ciclos de vida, morte e renascimento.
Criada em um lar que mesclava crenças – seu pai era judeu, e sua mãe, católica –, Sonia moldou, a partir dessa diversidade, uma visão universalista, que se reflete tanto em sua vida, quanto em sua arte. “O meu altar tem setenta centímetros de altura e lá tem todo mundo: Jesus Cristo, Nossa Senhora Aparecida, Santa Rita de Cássia, budas, flores de lótus, meus gurus… Eu sou universal, sou de todo mundo”, compartilha. Esses diferentes elementos coexistem em harmonia em sua vida, o que simboliza a integração espiritual que ela expressa por meio de sua arte.
Além disso, Sonia tem uma forte conexão com a filosofia Seicho-No-Ie, uma prática japonesa que promove o equilíbrio entre corpo, mente e espírito, e enfatiza a harmonia com a natureza e a gratidão como pilares para transformadores. “Para mim, a espiritualidade é uma troca”, afirma a artista. “Não é só pedir, é sobre agradecer também”, acredita.
Esses princípios se destacam em obras como O Sangue Não Tem Cor, que explora a interconexão humana. Para Sonia, cada criação é uma maneira de convidar o espectador a olhar para si e refletir. “Coloque-se na frente de uma obra e, em silêncio, contemple”, sugere.
Apesar de considerar difícil fazer com que esse estado de contemplação seja atingido pelo grande público, Sonia pôde presenciar, de perto, essa experiência. “Enquanto eu explicava sobre as obras, em uma visita guiada em Brasília, as pessoas estavam todas em silêncio, paradas no tempo”, relembra. “O papel da arte também é de incitar perguntas, e não somente dar as respostas”, ressalta.
Por meio da obra Sem Título: Círculo Fechado de Cipós Vermelhos, Sonia trabalha a ideia de que o processo importa mais do que o resultado. Para ela, a arte é um reflexo do fluxo natural da vida, em que cada curva ou desvio conta uma história única. “Cada cipó que está na peça provoca o exercício de aceitar as coisas como elas são. Por ser um elemento natural, ele caminha para os lados, não é perfeitamente redondo. Ao juntar, torcer e pintar, tive que aceitar o cipó do jeito que ele veio e se ofereceu”, comenta. “É uma expressão metafórica da nossa jornada imperfeita”, completa.
Com uma visão que ultrapassa fronteiras culturais e temporais, Sonia Dias Souza se consolida como uma artista que desafia convenções e inspira novas formas de entender o mundo. Sua arte não busca respostas, mas oferece caminhos, ou portais, para quem estiver disposto a entrar e explorar o desconhecido. Essa jornada está intimamente ligada aos valores de aceitação, equilíbrio e harmonia que guiam sua prática espiritual e sua vida como artista.
*A reportagem está publicada na edição de dezembro da revista GPS|Brasília (confira aqui a versão digital).