Da cozinha de grandes hotéis para barraca de rua em Ceilândia: conheça a história do chef Karl Max

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A vida de Karl Max, um chef de cozinha respeitado e com uma história repleta de superações, é marcada por uma série de eventos inusitados, que transformaram seu nome, sua profissão e seu destino. Filho de um bombeiro carioca e uma goiana, o brasiliense nasceu sob uma mistura de ironia e resistência, em plena ditadura militar, quando o nome de Karl Marx, o filósofo que estudava o papel das lutas de classes na mudança econômica, não podia ser mencionado no Brasil.

A irreverência do chef começa justamente pelo nome. Sua mãe, que nem conhecia o filósofo alemão, estudou com um aluno chamado Karl Marx, e admirava a bondade do garoto. Então, decidiu que se tivesse um filho o chamaria assim, acreditando que o garoto herdaria as qualidades do amigo. No entanto, para fazer o registro, o pai encontrou resistência no cartório, porque o nome não era apenas polêmico, mas também perigoso. Com a pressão de autoridades e a ameaça de perseguições que marcaram à época da ditadura, foi feita uma pequena adaptação na certidão e Marx virou Max.

O jovem professor de matemática encontrou seu caminho no universo gastronômico de maneira inusitada. Em sua juventude, foi chamado por um tio, que hoje é garçom aposentado, para fazer um “bico” em um restaurante francês, onde iniciou seu trabalho como ajudante, limpando o chão, mas se encantou pelo lugar: “Eu nunca tinha entrado em um restaurante francês. Achei uma coisa linda”. 

O dono do restaurante percebeu rapidamente o seu potencial. Em pouco tempo, Karl ficou impressionado pela arte da cozinha e começou a se “intrometer” sempre que podia. Não demorou muito para ser treinado como cozinheiro. Aos 19 anos, foi orientado pelo chef a se manter dedicado, enquanto lhe ensinou técnicas da cozinha francesa.

Karl se destacou, e com dois anos de experiência, começou a liderar sua própria cozinha em um restaurante de luxo, com um público seleto composto por políticos e figuras da alta sociedade, como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nos últimos mandatos, inclusive na posse presidencial. Sua ascensão na gastronomia o levou a trabalhar no Hotel Nacional de Brasília, onde se destacou se tornando chef executivo de cozinha, onde ficou por 16 anos.

No entanto, um dos momentos mais desafiadores de sua trajetória profissional aconteceu em 2015, na crise econômica, quando de foi demitido do segundo hotel que trabalhou em Brasília. Seu salário, que girava em torno de R$ 7 mil mensais, foi reduzido a ofertas irrisórias de R$ 1,2 mil, e foi sincero nas recusas: “Não me leve a mal, mas se eu sentar lá na comunidade onde eu moro, no asfalto, no meio da pista, vendendo coxinha, eu tiro isso aí”, disse na época. 

Com o incentivo de sua esposa, Karl se aventurou no mundo do empreendedorismo. Sem medo Passou a vender panetones e marmitas, atividades que o aproximaram do público de rua e ajudaram a tornar seu nome uma referência da comida de qualidade em Brasília.

Seu trabalho com marmitas se destacou pela qualidade e sofisticação. “Fiquei nesse empreendimento em três anos. Aí eu tive um pequeno problema na Câmara dos Deputados. O assessor de um deputado que eu entregava reclamou por causa de um real da marmita“, conta. Indignado, Karl se recusou a a diminuir o preço das marmitas – que na época custavam R$ 13. Pegou todas elas, no dia, e distribuiu para pessoas em situação de rua.

A reviravolta de sua carreira veio quando ele decidiu se dedicar novamente ao negócio de comida depois de três meses. Karl Max continuou a escrever sua história com pratos que encantam e resistem aos ventos da adversidade. Juntamente com sua esposa, ele começou a vender comida em um food truck em Ceilândia, oferecendo pratos sofisticados a um preço justo.

Morador da região administrativa há mais de 30 anos, ele diz que a relação com o local foi amor à primeira vista. Inicialmente, com sanduíches, hoje a Tenda do Chef Karl Max oferece um cardápio variados, com massas e carnes na Praça da Bíblia, todas às quartas, quintas, sábados e domingos, onde os clientes, de todos os lugares do Brasil e do mundo, fazem fila para provar a famosa comida do chef que esbanja simpatia e irreverência.

Rotina

“Eu levanto às 8h, na correria, para ir na feira do produtor, mercado. Quando dá 11h, eu ligo pra minha esposa colocar as panelas no fogo pra cozinhar os macarrões e tal, toda a nossa mise en place montamos no dia. A partir das 19h, a tenda está aberta e, às vezes só vou dormir 4 horas da manhã”, revela. 

O gosto pelo seu trabalho é tão grande que nem mesmo excelentes propostas de emprego fora do País fizeram Karl sair da rua. Canadá, Portugal, Estados Unidos e França foram alguns dos lugares que chamaram o chef para comandar restaurantes ou grande redes de hotéis, mas ele decidiu continuar empreendendo.

Seu sonho agora é transformar a praça onde trabalha, ajudando na sua revitalização, criando uma vila gastronômica. Com sua influência já levou a demanda para o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, e o assunto está sendo discutido junto às secretarias competentes. Karl acredita que as obras devem iniciar no fim deste ano. 

“Essa é a minha ideia, continuar com essa percepção de que a comunidade pode sim comer bem, com um preço justo e acessível“, reforça.