Em tempos em que Ozempic e Mounjaro são reis, identificar se há uma insatisfação real com sua estética ou se você está apenas deixando padrões externos afetarem a sua percepção pode ser algo complexo. As comparações e até o desejo em atingir algo que faça parte da realidade do outro são hábitos perigosos que andam lado a lado com a dismorfia corporal.
Também conhecida como transtorno dismórfico corporal, a distorção de autoimagem pode estar escondida por trás do incômodo excessivo com um detalhe do corpo, com a decisão em fazer dietas absurdas por conta própria e da frequente crítica ao se olhar no espelho diversas vezes por dia. É preciso atentar-se aos sinais para identificar que o transtorno está ali.
De acordo com Heloise Manfrim, membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, esse fenômeno faz com que as pessoas tenham um foco obsessivo em características que consideram inadequadas para sua aparência.
“Elas perdem a capacidade de reconhecer de forma realista a beleza do seu corpo. Essa é uma doença tão comum e que acontece com tanta frequência que mais de 4 milhões de pessoas na faixa etária de 15 a 30 anos apresentam esse transtorno no Brasil”, afirma a médica.
Um dos sintomas da dismorfia corporal é o body checking. Segundo a cirurgiã plástica Beatriz Lassance, esse é um distúrbio frequentemente associado a transtornos alimentares como bulimia, anorexia, e dismorfismo corporal.
“O paciente checa seu corpo com fita métrica, balança, roupas antigas e espelho, diversas vezes ao dia. Existe também a comparação com outras pessoas nas redes sociais. Todos estes comportamentos estão associados à superavaliação do corpo, do peso, da alimentação”, explica Beatriz.
A dismorfia também aumenta a busca por clínicas médicas para realização de procedimentos estéticos muitas vezes desnecessários. Um dos responsáveis por isso são as redes sociais.
“Acredito que as redes sociais e o uso de filtro às vezes geram uma busca por algo irreal, então as pessoas ficam obcecadas por parecerem outra pessoa, terem outra característica, o que causa uma distorção de imagem. Com muito filtro, as pessoas tornam-se até irreconhecíveis”, esclarece Paolo Rubez, cirurgião plástico membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.
Qualquer parte do corpo pode gerar essa obsessão, no entanto, as áreas mais comuns são a pele (por exemplo, acne mínima, cicatrizes), cabelo (como afinamento), nariz e formato do corpo.
“Além da indicação do tratamento psiquiátrico, o cirurgião plástico deve recomendar sempre a todas essas pacientes que substituam essas horas de tela do celular por mais tempo de qualidade, para as pessoas com que elas convivem e amam. Sempre que possível pensar nisso, praticar atividade física, cuidar do seu corpo, cuidar da sua saúde mental, porque esses padrões simplesmente não devem existir”, destaca Heloise Manfrim.
Para Beatriz, a insatisfação com o próprio corpo pode ser motivador para mudar hábitos e escolher um estilo de vida mais saudável, mas em pacientes com transtornos alimentares ou dismorfia corporal isto se torna uma obsessão. “Até o exercício físico pode passar de uma forma de autocuidado e melhora da saúde para bodychecking contínuo de partes isoladas do corpo”, comenta a médica.
Para mudar essa realidade, Beatriz afirma que a primeira medida é a autocompaixão. “É fundamental melhorar o ambiente com gatilhos para o bodychecking. Retirar a balança de casa, sumir com as fitas métricas. Alguns psicólogos sugerem o exercício de cobrir espelhos. Saber analisar com crítica as imagens das mídias sociais é importante. Aprender a desconfiar sempre do que está vendo, pode ser a pose em que a foto foi tirada, photoshop, filtro, até a luz da exposição pode favorecer a foto. Medidas de autocuidado podem desviar a atenção do corpo e bodychecking”, aconselha a cirurgiã plástica.