Foram exatos 258 dias vivendo todas as experiências de um animal silvestre em seu habitat natural, o Cerrado. Depois de um longo período de reabilitação e adaptação, a loba-guará Pequi finalmente conquistou a liberdade fora do cativeiro em 17 de abril deste ano. O seu destino seria trágico se não fosse o cuidado inicial recebido no Zoológico de Brasília após ser encontrada órfã, ainda filhote, no estado da Bahia, em junho de 2020.
Depois de receber o acolhimento para se desenvolver bem, iniciou-se o período de aclimatação para, então, Pequi ser devolvida ao Cerrado. Após ser solta em uma área de preservação ambiental no Distrito Federal, ela pôde experimentar a independência para caçar, reproduzir, forragear e, sobretudo, sobreviver. A luta para conseguir se manter viva, aliás, é desde seus primeiros dias de vida, ainda na Bahia, mas este ciclo chegou ao fim na madrugada da última quinta-feira (14).
A loba, considerada embaixadora de projetos de conservação ambiental, foi encontrada já sem vida, às margens da BR-080, após ter sido vítima de um atropelamento. Como portava um rádio-colar em seu pescoço, os pesquisadores da ONG Jaguaracambé verificaram uma sinalização diferente na emissão do sinal de satélite.
“Há três meses ela estava muito certinha, sempre frequentando duas fazendas. Num determinado momento, ela saiu em disparada para outro local, precisando atravessar a rodovia, que já era conhecida por ela, apesar de perigosa. Na atualização do GPS, nós recebemos três sinais de que Pequi estaria no mesmo ponto. A gente se deslocou para ver se estava bem ou se era só um tempo de descanso mesmo. Quando chegamos lá, vimos que ela já estava morta”, relata a coordenadora do projeto de reabilitação da Pequi e membro da ONG, Ana Raquel Faria.
São aproximadamente 50 pessoas, entre voluntários, pesquisadores, biólogos e médicos veterinários, que se envolveram durante todo o processo de reabilitação da Pequi, que durou cerca de três anos e meio. De acordo com eles, é importante promover ações de conscientização ambiental e de trânsito.
“São aproximadamente 450 milhões de animais vertebrados atropelados nas rodovias do Brasil por ano. Os motoristas precisam respeitar a velocidade da via e terem cuidado, principalmente à noite, que é o momento com maior movimentação da fauna”, alerta.
A mitigação dos impactos começa antes mesmo de dar início a alguma obra ou prestação de serviço que possa haver dano ao meio ambiente. Por meio dos processos de licenciamento ambiental, executado pelo Instituto Brasília Ambiental, a autarquia propõe medidas para minimizar os impactos à fauna que habita nas redondezas. O instituto recomenda, por exemplo, a implementação de passagens de fauna e redutores de velocidade, que podem ser executados pelo Departamento de Estradas de Rodagem (DER-DF) em obras próximas às unidades de conservação (UCs).
Desde 2019, por meio de uma parceria entre o Brasília Ambiental e o DER-DF, são levadas em conta as questões ambientais na elaboração de projetos de obras rodoviárias. Nas áreas de preservação ambiental que circundam o Distrito Federal, o DER-DF constrói passagens subterrâneas e aéreas nas rodovias para o trânsito seguro de animais. Essas passarelas já foram implementadas em diversos trechos, como na DF-001, DF-085, DF-079, DF-003, VC-533, DF-047, BR-020 e DF-285.
Para reforçar ainda mais a segurança da fauna nativa, o departamento também instala telas de proteção. Foi finalizada em agosto de 2023 a implementação de pelo menos três dessas entre a rodovia DF-097 e o entrocamento com a BR-080 — importante corredor ecológico entre a Floresta Nacional de Brasília e o Parque Nacional de Brasília.
Essas passagens permitem que os animais atravessem com segurança e possam se deslocar pelos corredores ecológicos, promovendo a ligação entre áreas fragmentadas. Isso estimula a dispersão de sementes entre as áreas e evita o isolamento das populações de animais, o que muitas vezes pode causar até a extinção de espécies.
O centro veterinário público de reabilitação foi outra importante iniciativa em prol da vida silvestre nativa. O programa prevê a recepção, triagem, transporte, atendimento veterinário, reabilitação e destinação da fauna do Cerrado. Com investimentos de R$ 8 milhões, o termo de colaboração celebrado no último dia 11 terá duração de cinco anos. A abertura do hospital está prevista para o primeiro trimestre de 2024, em local ainda provisório. Será a primeira parceria via Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (Mrosc) para atendimento de fauna silvestre no país.
Já em casos de atropelamentos fatais de animais silvestres pelas vias do DF, o Serviço de Limpeza Urbana (SLU) faz o recolhimento. De janeiro a setembro de 2023, o SLU recolheu 46,3 toneladas de animais mortos. Em 2022, foram recolhidas 79,95 toneladas. Os corpos de animais mortos coletados são levados para o Aterro Sanitário de Brasília.