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CPI: coronel Naime expõe conivência do Exército com golpistas

Segundo Jorge Eduardo Naime Barreto, então comandante Operacional da PMDF durante os atos golpistas de 8 de janeiro, Alto Comando chegou a utilizar um blindado para impedir desmonte das estruturas utilizadas por golpistas na área militar

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A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Atos Antidemocráticos ouviu, nesta quinta-feira (16), o depoimento do coronel Jorge Eduardo Naime Barreto, então comandante Operacional da Polícia Militar (PMDF) durante as depredações contra os prédios da Praça dos Três Poderes, em 8 de janeiro. 

 

O oficial, que estava de férias no dia dos atos, foi preso por determinação do STF após o quebra-quebra na área central de Brasília.  A princípio, por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), o militar teve a garantia de não comparecer ou, caso decidisse aceitar a convocação, pudesse ter o direito de permanecer em silêncio. No entanto, compareceu e respondeu a todas as perguntas feitas pelos parlamentares.

 

Em sua fala aos distritais, o coronel Naime afirmou que seu afastamento estava de acordo com os procedimentos legais, classificou a dificuldade de atuação das forças policiais contra os manifestantes como “apagão” e jogou luz sobre uma suposta conivência do Exército com os golpistas acampados em frente ao QG, em Brasília.

 

Jorge Eduardo Naime Barreto está preso por decisão da Suprema Corte. Embora estivesse licenciado no dia 8 de janeiro, o coronel foi visto à paisana durante o momento da invasão do Congresso. Sobre isso, afirmou que se deslocou até o local para auxiliar no comando da ação por conta da vasta experiência em operações de choque.

 

Segundo o militar, mesmo sem participar do planejamento, “causa estranheza” o efetivo disponibilizado para acompanhar as manifestações daquele dia, quando apenas 200 alunos do curso de formação da PMDF foram deslocados até a Esplanada dos Ministérios – em comparação, Naime informou que mais de 2.100 PMs participaram da posse do presidente Lula, uma semana antes.

 

A facilidade com que os manifestantes entraram nos prédios públicos foi impressionante. Em 30 anos de polícia eu nunca vi aquela facilidade acontecer. A Polícia Militar tem sua parcela de responsabilidade no fato? Tem. Mas, minimamente, se tivesse tido uma resistência mínima nos prédios federais [seria diferente]“, afirma Naime.

 

O ponto alto da fala de Naime, no entanto, foi sobre o acampamento montado por bolsonaristas em frente ao QG do Exército. O militar relatou que existiam denúncias de diversas violações no local relatas por PMs infiltrados. São denúncias de estupro, tráfico de drogas, golpes, entre outros.

 

A gente já tinha informações sobre o comércio de tendas, em que a pessoa alugava até por R$ 600 para o ambulante vender ali. Tínhamos conhecimento da ‘máfia do Pix’, de lideranças que ficavam ali. Não temos nomes, mas elas ficavam no acampamento pedindo para que as pessoas fizessem Pix para manter o acampamento”, afirmou. 

 

O acampamento, segundo Naime, foi o “epicentro” de todos os problemas vividos pela capital federal nos dias 12 de dezembro do ano passado e 8 de janeiro. “Escutei relatos que falei: ‘Não é possível’. Uma pessoa me abordou e disse que era extraterrestre, estava infiltrado e, assim que o Exército tomasse, eles iam ajudar a tomar o poder”, lembrou. 

 

O coronel relatou que a bolha do acampamento vivia de informações geradas internamente e que acreditou que o andamento do governo Lula pudesse arrefecer o clima entre os bolsonaristas. “Tem documento meu alertando sobre isso [a existência dos acampamentos]“, disse o coronel, que revelou mais de um caso envolvendo o Exército impedindo a ação da Polícia Militar no sentido de desmontar as estruturas. 

 

No dia 29 de dezembro, botei 553 homens à disposição do Exército para retirar o acampamento definitivamente e a operação foi cancelada“, lembra. “No dia 13 de dezembro, logo após os atos do dia 12, botei mais 300 e tantos policiais na Torre de TV prontos para poder atuar. Novamente foi cancelada a operação“, revelou.

 

Quem ficava no acampamento era gente paga. Quem estava orquestrando estava hospedado nos hotéis“, afirmou.

 

No episódio mais grave, Jorge Eduardo Naime afirma que foi impedido por um tenente do Exército de se aproximar da área militar após os atos de 8 de janeiro para prender vândalos que se deslocaram para lá. “Efetuamos mais 50 prisões de pessoas que estavam a caminho do acampamento. Retornei para a [Catedral] Rainha da Paz para poder ir a uma reunião para saber quais eram as ordens. Nisso o major Da Silva, que estava comigo lá, me toca e fala: ‘Olha para trás’. Quando olho, tinha uma linha de choque do Exército montada, com blindados, e por interessante que parecesse eles não estavam voltados para o acampamento, mas voltados para a PM, protegendo o acampamento“, revelou.

 

O nome do general Gustavo Henrique Dutra de Menezes, ex-chefe do Comando Militar do Planalto foi citado como presente no momento da proteção dos golpistas.

 

O deputado Hermeto (MDB), relator da CPI, afirmou que a comissão precisa ouvir o general para esclarecer a ação das Forças Armadas no episódio. “Nós temos que aprofundar a linha no Exército. O que aconteceu foi que o Exército trabalhou contra a Polícia Militar“, afirmou. 

 

 

Veja a íntegra da sessão da CPI desta quinta-feira:

 

 

 

 

Veja os principais momentos do depoimento:

 

Coronel Jorge Eduardo Naime Barreto afirmou que trabalhou durante as operações do 7 de setembro de 2021 e comandou as tropas durante a posse do presidente Lula, no dia 1º de janeiro. “Sempre que eu estive à frente dos policiamentos, a Polícia Militar do Distrito Federal tirou nota 10“, disse.

 

– Segundo o coronel, por conta da sequência de eventos, suas férias foram adiadas para janeiro.

 

– Polícia Militar do Distrito Federal manteve policiais infiltrados no acampamento em frente ao QG do Exército.

 

Presidente da CPI, deputado Chico Vigilante (PT) protagonizou momento inusitado ao interromper fala do coronel Naime para oferecer um café: “Toma um cafezinho, coronel?

 

– Coronel Naime afirma que informação repassada pela Secretaria de Segurança para a Polícia Militar era de que as movimentações de radicais tinham “pouca adesão” no fim de semana.

 

– Deputado Chico Vigilante faz a leitura de um relatório de inteligência da SSP que antecipa a existência de caravanas com direção a Brasília antes do dia 8 de janeiro e informa a possibilidade de manifestações. Coronel Naime afirma que no dia do relatório, 6 de janeiro, estava afastado.

 

– Coronel Naime informa que o efetivo da posse do presidente Lula foi de mais de 2.100 policiais. Sobre o efetivo de apenas 200 alunos do curso de formação no dia 8 de janeiro, com o restante da tropa de “sobreaviso“, coronel Naime diz que não participou do planejamento. “[Mas] Causa estranheza“, ponderou. 

 

– Coronel explica a diferença entre “sobreaviso” e “prontidão“. “Sobreaviso o policial fica em casa, só atento ao telefone e tem todo o tempo do policial se arrumar em casa, pegar um transporte, se apresentar. O tempo é bem distante“, aponta. “Não é uma ordem normal do coronel Augusto (Fábio Augusto Vieira, ex-comandante-geral da Polícia Militar do Distrito Federal)“, revela.

 

– Coronel Naime diz que foi abordado por homem que se dizia um extraterreste à espera da intervenção golpista do Exército durante visita ao acampamento do QG. Segundo ele, o sentimento era de que a posse do novo governo acabaria com a bolha dos bolsonaristas.

 

– “A facilidade com que os manifestantes entraram nos prédios públicos foi impressionante. Em 30 anos de polícia eu nunca vi aquela facilidade acontecer. A Polícia Militar tem sua parcela de responsabilidade no fato? Tem. Mas, minimamente, se tivesse tido uma resistência mínima nos prédios federais [seria diferente]“, afirma Naime.

 

– Coronel Naime afirma que não teve qualquer contato com o ex-presidente Jair Bolsonaro depois do 7 de setembro de 2021.

 

– Questionado se é filiado a algum partido, o coronel Naime diz que não e se diz contra a qualquer filiação partidária por parte de militares.

 

Deputado Hermeto (MDB), relator da CPI, diz que o que ocorreu no dia 8 de janeiro foi um “apagão“.

 

– Hermeto diz que recebeu informações sobre um complô para derrubar o ex-comandante coronel Fábio Augusto e que o coronel Naime tinha intenção de assumir o cargo. 

 

– Coronel Naime afirma que todo militar em sua posição sonha com o cargo de comandante, mas que nunca “trairia um irmão“. Segundo ele, o coronel Fábio Augusto fazia parte de seu círculo íntimo e foi “injustiçado“. 

 

– Sobre um suposto “corpo mole“, o coronel se defendeu: “Eu saí da minha casa, larguei minha família, minha esposa, meus filhos… me apresentei para o combate, fui lesionado, difamado, caluniado e, por fim, fui preso. Essa foi minha recompensa por ter seguido os valores que eu aprendi a vida inteira na Polícia Militar“. Sob aplausos de militares presentes, o oficial continuou: “Eu, com 30 anos de serviço, condecorado, que nunca sofri uma punição na PMDF, fui vilipendiado, caluniado e me encontro preso há mais de 40 dias longe da minha família e dos meus amigos“.

 

– Chico Vigilante afirma que a ex-mulher de Naime pediu para ser ouvida pela CPI, mas teve o pedido negado.

 

– Coronel Naime relembra uma série de problemas conjugais com sua ex-mulher, que chegou a acusar o oficial de estuprar a própria filha, denúncia que nunca teria sido comprovada.

 

A CPI decidiu adiar o depoimento do coronel Marcelo Casimiro Vasconcelos Rodrigues, ex-comandante do 1º Comando de Policiamento Regional (1º CPR) da PMDF, para a próxima quinta-feira, dia 23 de março. Em depoimento à Polícia Federal, o militar disse que o efetivo da corporação escalado para trabalhar no dia 8 de janeiro era “razoável para a segurança da manifestação”;

 

– Sobre o acampamento do QG, coronel Naime afirma que os presentes viviam em uma bolha. “Parecia um seita“, classificou. Segundo ele, o local foi o “epicentro” de todos os problemas vividos pelo DF nos atos. O oficial relatou casos de estupro, tráfico de drogas e outras violações no local.

 

– Deputado Hermeto pergunta se houve indisposição com o Exército durante tentativas de desmontar o acampamento bolsonarista. O coronel Naime confirmou e revelou que o Exército montou uma linha de proteção, inclusive com o uso de um blindado, para isolar o acampamento de possíveis ações da Polícia Militar após a dispersão dos atos.

 

Hermeto sugere que a CPI ouça o general Gustavo Henrique Dutra de Menezes, ex-chefe do Comando Militar do Planalto. Em seu depoimento à Polícia Federal, o coronel Naime já havia apontado interferências do general Dutra durante ações da polícia no acampamento golpista.

 

Os distritais iniciam as perguntas direcionadas ao coronal Naime

 

– O primeiro será o deputado Pastor Daniel de Castro (PP), que afirma que foi contra o acampamento, mas considera que muitos presos nos atos são inocentes. O parlamentar aponta a existência de informações contraditórias entre relatórios de inteligência da SSP e do governo federal sobre a gravidade das intenções dos movimentos golpistas.

 

– O coronel Naime afirma não saber as razões das divergências e não ter informações sobre o planejamento e o diálogo entre as forças locais e o governo federal por estar de férias.

 

– Pastor Daniel de Castro questiona quais órgãos de segurança falharam. Coronel Naime diz que não pode ser “leviano“, mas aponta que os setores de inteligência tiveram problemas mais graves, principalmente dentro do GDF.

 

Deputado Fábio Felix (PSOL) recebe a palavra da comissão. O distrital diz que, mesmo sendo crítico do trabalho cotidiano da PMDF, não considera a corporação a única culpada pelos problemas do dia 8 de janeiro. O parlamentar elogiou o cumprimento de acordos de não-violência firmados entre a polícia e movimentos durante manifestações.

 

– Questionado se participou de grupos de WhatsApp de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, coronel Naime confirma que participava de grupos, mas diz que era para manutenção de “contatos de informação” e não de convicção pessoal. O oficial também nega que já tenha participado de manifestações contra o resultado das urnas.

 

– Sobre os atos do dia 12 de dezembro, data da diplomação do presidente Lula, o coronel Naime afirma que prisões não foram efetuadas porque a PMDF chegou ao local quando os vândalos já haviam evadido. Ele argumenta que o primeiro embate foi com a Polícia Federal, que tampouco efetuou prisões.

 

Deputado Gabriel Magno (PT) recebe a palavra para seus questionamentos.

 

– O parlamentar pergunta se já não era de conhecimento do coronel e dos superiores as movimentações dos golpistas no momento em que o recesso foi concedido ao oficial da PM. Jorge Eduardo Naime alega que a Polícia Militar passou a tratar os eventos golpistas de forma oficial no dia 5 de janeiro.

 

– Sobre sua declaração de que o acampamento do QG foi o epicentro dos atos, o coronel Naime afirma que sempre foi crítico da existência da aglomeração dos bolsonaristas na área militar. “Tem documento meu alertando sobre isso [a existência dos acampamentos]“, disse.

 

– A deputada Paula Belmonte (Cidadania) recebe a palavra e faz uma defesa das pessoas que estavam acampadas no QG. A parlamentar criticou o uso da Polícia Militar durante as eleições de 2022.

 

– Ao comentar as relações políticas dentro da PMDF, o coronel Naime classifica como “covardia” o afastamento do governador Ibaneis Rocha do cargo, mas afirma que o emedebista se afastou da corporação no último ano do primeiro mandato.

 

– Belmonte questiona se não foi possível prender nenhum envolvido nos atos do dia 12 de dezembro do ano passado, mesmo com imagens disponíveis. A deputada do Cidadania diz que a CPI precisa ir à fundo na questão dos financiadores dos atos.

 

– Naime afirma que não sabe a razão pela qual está preso.

 

– Paula Belmonte diz que os pais estavam acampados no QG do Exército. “Meu pai e minha mãe estavam ali [nos acampamentos] orando, rezando e não são terroristas. Não são golpistas“, disse ela.

 

– A deputada encerrou sua participação antes do fim do tempo. O presidente da CPI, Chico Vigilante ironizou: “Vossa excelência ainda tinha um minuto e vinte e cinco segundos. Para que nunca mais se diga nessa Casa que eu cerceei o direito de quem quer falar“, disse, em referência à acusação de Belmonte de que foi silenciada em sessão passada.

 

– O deputado Thiago Manzoni (PL) recebe a palavra e faz um elogio à participação do coronel Naime na CPI. “Saio com outra impressão do senhor“, afirmou.

 

– A palavra é passada ao deputado Max Maciel (PSOL). O parlamentar relembrou a participação de policiais militares em uma reunião de “orientação” dos golpistas sobre o trajeto até a Esplanada dos Ministérios. O coronel Naime afirma que reuniões com os líderes de quaisquer manifestações é um protocolo da PMDF. 

 

– Chico Vigilante agradece a participação do coronel, mesmo com a garantia de silêncio dada pelo STF. O presidente da CPI faz duras críticas à ausência do ex-secretário Anderson Torres. “Que ele tenha a coragem que o senhor teve. Que venha aqui nessa CPI explicar por que ele foi para os Estados Unidos e deixou a secretaria sem comando“, disse.

 

– No final da sessão desta quinta-feira, a CPI aprovou novo requerimento de convocação do ex-secretário de Segurança Pública, Anderson Torres, que segue preso em Brasília.