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Coluna Dr. Clayton Camargos: Obesidade é doença?

Mencione a palavra “obesidade” e as opiniões – e equívocos – aparecerão. No entanto, não se trata de um resultado da falta de força de vontade ou descuido com a aparência

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De acordo com a Federação Mundial de Obesidade, atualmente, 22,4% dos adultos brasileiros está portador de obesidade. Somos a quarta maior população de obesos em todo o mundo.

 

O que é obesidade?
A obesidade é uma doença em que o acúmulo excessivo de gordura causa prejuízos à saúde.

 

Então, qual a sua origem e como pode ser gerenciada?
O equívoco mais comum sobre a obesidade é que se trata simplesmente de um distúrbio do ‘estilo de vida’ – que as pessoas portam excesso de peso por causa de sua dieta ou (in)atividade física. Todavia, é muito mais complexa e causada por fatores diversos.

 

Sabemos que dois indivíduos com a mesma estatura e dieta podem ter diferentes níveis de obesidade, devido, por exemplo, a motores como a taxa metabólica basal, que é a quantidade de energia dispensada à manutenção das funções vitais em repouso. Por isso, seu gerenciamento requer uma abordagem sistêmica e personalizada, tomando em consideração os fatores de risco e necessidades específicas.

 

Para predizer e classificar o excesso ponderal, a Organização Mundial de Saúde (OMS) orienta a utilização de marcadores como Índice de Massa Corporal (IMC) e circunferência do abdômen que, embora sejam estimativas da quantidade de gordura que uma pessoa possui, não são exatos. Com efeito, alguns fisiculturistas e atletas de alto desempenho podem ser tão musculosos que têm um IMC que os classifica na faixa da obesidade.
 

A maioria dos especialistas usará o IMC para fazer sua melhor estimativa sobre a obesidade em um indivíduo, mas isso pode não ser determinante para todos. O mais importante é a porcentagem de massa gorda em relação à magra, isto é, quanto se tem de gordura corporal frente à quantidade de músculos e água, por exemplo. E que não é calculado por meio do IMC, e sim por métodos como hidrodensitometria, absormetria de raios-X de dupla energia (DEXA), bioimpedância, ultrasom, adipometria e outras tecnologias.

 

O IMC igual ou superior a 30 classifica o indivíduo como obeso. Com relação ao perímetro abdominal, que é a aferição com a trena antropométrica aplicada em cima da cicatriz umbilical, uma pessoa corre maior risco de condições relacionadas à obesidade quando a circunferência é superior a 101,6 cm para homens e 88,9 cm para mulheres não grávidas.

 

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A obesidade é estar doente ou portar uma doença?
Estar doente pode ser uma experiência de descontinuidade em estados de ser e desempenhos de papéis percebidos. De acordo com o paradigma científico da medicina moderna, portar uma doença significa que há anormalidades na função e/ou estrutura dos órgãos e sistemas do corpo.

Apesar da obesidade ser considerada uma doença, não há sintomas específicos que a acompanham. Assim como a hipertensão, é conhecida como uma enfermidade ‘silenciosa’ e pode não apresentar manifestações axiomáticas.

 

Anos de pesquisa levaram os especialistas a concluir que a obesidade é uma condição de saúde que é mais do que um conceito de ‘calorias que entram e saem’.

 

A American Medical Association (AMA), em 2013, reconheceu oficialmente a obesidade como uma doença crônica. A entidade também afirma que é um estado de enfermidade com múltiplas alterações funcionais que requerem uma variedade de opções para tratamento e prevenção. A OMS confirma essa posição.

 

O ambiente
Quando você não tem acesso a alimentos frescos, pode ser mais difícil fazer escolhas saudáveis. Também é complicado se você reside em uma área que não tem bons parques, calçadas ou opções acessíveis de atividade física. E acredite ou não, os anúncios de alimentos ultraprocessados e industrializados também influenciam a maneira como você come.

Os genes
Sim, eles afetam como você engorda, e aumentam o risco de obesidade. Pesquisas mostram que podem contribuir para o seu desenvolvimento em condições como a síndrome de Prader-Willi, um distúrbio genético que causa excesso ponderal com risco de morte em crianças. Variações em alguns genes fazem com que você sinta mais fome e coma em excesso.

Outras condições
Mais de 100 possíveis causas ou fatores de risco para obesidade foram identificados. Por exemplo, políticas agrícolas ou como nossos bairros são construídos. De outra parte, tem havido interesse sobre o impacto no microbioma e como os hormônios intestinais desempenham um papel relevante na condução metabólica.

Condições hormonais, como hipotireoidismo, síndromes de Cushing e dos ovários policísticos (SOP), podem levar à obesidade. Alguns medicamentos também colaboram à sua manifestação, e incluem corticosteróides (esteróides), anticonvulsivantes e antidepressivos.

Indivíduos que sofrem de depressão ou ansiedade podem experimentar aumento ou diminuição de peso devido à sua condição ou aos medicamentos utilizados em seus tratamentos. De acordo com o Centers for Disease Control and Prevention (CDC) dos Estados Unidos, 43% dos adultos com depressão estão obesos, o que significa que aqueles que recebem esse diagnóstico apresentam uma probabilidade maior de estar acima do peso do que aqueles que não sofrem de depressão.

 

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Opções de tratamento para obesidade
Como a obesidade é uma doença plurifatorial existe uma variedade de opções para seu tratamento. As intervenções no estilo de vida que se concentram na mudança da dieta e no nível de atividade física de uma pessoa, ao mesmo tempo em que as capacitam com ferramentas e habilidades comportamentais, aumentarão seu sucesso. Os recursos farmacoterapêuticos também serão bem vindos.

Os procedimentos cirúrgicos endoscópicos e bariátricos estão associados à maior redução de peso, entretanto, estão reservados às formas mais graves ou aos portadores de problemas de saúde significativos secundários à obesidade.
Mais de 220 condições foram associadas à obesidade, em destaque:

 

Diabetes tipo 2
Viver com obesidade pode torná-lo mais exposto ao diabetes tipo II. Além disso, também faz com que sua evolução aconteça mais rapidamente.

 

Doença cardiovascular
Quando a gordura corporal aumenta, eleva-se o risco de insuficiência cardíaca, doença arterial coronariana, fibrilação atrial e até morte súbita.

 

Doença hepática
A doença hepática gordurosa não alcoólica, esteatose, está associada à obesidade. O excesso de peso combinado com maior concentração de açúcar no sangue, resistência à insulina e altos níveis de triglicerídeos produzirá acúmulo de gordura no fígado. Esse excesso também levará à inflamação ou tecido cicatricial nesse órgão.

 

Apneia obstrutiva do sono
Embora o peso não seja a única razão pela qual as pessoas desenvolvem apneia do sono, seu excesso dificulta a respiração durante a noite. A regionalização de tecido adiposo no pescoço compromete o fluxo de ar das vias aéreas superiores. A gordura abdominal tensiona o diafragma dificultando o funcionamento adequado dos pulmões. O risco de apneia obstrutiva do sono se eleva à medida que o IMC aumenta.

 

Certos tipos de câncer
De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (INCA), existem evidências de que níveis mais altos de gordura corporal aumentarão os riscos de certos tipos de câncer. E incluem endométrio, fígado, rim, mama, ovário e tireóide.

 

Por que é importante lembrar que a obesidade é uma doença crônica?
A obesidade nem sempre reflete problemas de saúde, mesmo sendo um fator de risco para outras condições de adoecimento, entretanto, não existem garantias que um indivíduo necessariamente será debilitado por essa patologia. Certos aspectos da obesidade são evitáveis: uma pessoa pode idealmente fazer alterações em sua dieta e rotina de exercícios para construir e manter a saúde do coração, capacidade pulmonar, amplitude, velocidade de movimento e conforto.

No entanto, os especialistas reconhecem que alguns indivíduos fazem essas alterações, mas ainda assim não conseguem emagrecer quantidades significativas de peso. As pessoas frequentemente assumem que, uma vez magras, a obesidade está “curada”. Não é verdade. Infelizmente, após a redução de peso, identifica-se um desafio mais complexo: a manutenção do resultado alcançado.

Portanto, como muitas afecções de longo prazo, com o transcurso do tempo, o aumento ponderal tende a recidivar e deteriorar. As opções de tratamento de duração ampliadas são as mais indicadas para esse perfil de doença crônica não transmissível.

 

Como podemos ser melhores defensores de nós mesmos ou de nossos entes queridos que vivem com obesidade?
É importante lembrar que ninguém deve se sentir estigmatizado ou discriminado por conta de seu peso ou imagem corporal. O preconceito contra pessoas portadoras de obesidade é conhecido como gordofobia e deve ser combatido.

É recomendado procurar por profissionais de saúde cuja compreensão sobre o excesso ponderal não seja uma questão exclusiva de ‘força de vontade’. Alguns especialistas expressam a preocupação de que chamá-la de doença pode promover a cultura de irresponsabilidade pessoal.

Por essas razões, é provável que o debate sobre se a obesidade é ou não uma doença continue até que surjam outros métodos para determiná-la de forma numérica, precisa e confiável, levando em consideração não apenas a dimensão biológica, mas também a social e comportamental.