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Coluna doutor Clayton Camargos: stress e ‘comida gostosa’

Quem nunca pensou que merecia um docinho ou delivery por um dia difícil? Qual é o impacto que essas refeições trazem à nossa saúde?

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Enquanto algumas pessoas comem menos durante períodos de estresse, a maioria se alimenta mais do que o habitual e escolhe opções ricas em calorias, com alto teor de açúcar e gordura. Dessa forma, para indivíduos estressados, pode parecer que comidas gostosas sejam fontes ideais de harmonia e prazer. 

 

No entanto, um estudo australiano conduzido em camundongos e publicado em maio deste ano no periódico científico Neuron sugere que reflitamos duas vezes antes de consumir guloseimas. Clique aqui para acessar o estudo.

 

Essa pesquisa apresentou que a combinação de estresse e comida reconfortante, também percebida como ‘gostosa’, e em inglês denominada comfort foods, desliga um dispositivo cerebral que sinaliza quando já consumimos o suficiente. Isso pode levar a uma indulgência excessiva com relação à comida que consideramos saborosa, bem como ao aumento de peso e à obesidade, fontes potencialmente de ainda mais estresse.

 

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Foto: Unsplash

 

Alimentos saborosos também podem ser ricos em calorias. Muitas vezes quando estamos ansiosos e passando por momentos estressantes pensamos: “Eu mereço comida gostosa. Eu quero comer comida boa. Eu vou comer todas as delícias que estiverem ao meu alcance e só sairei da mesa quando acabar de comer tudo o que eu conseguir”.

 

O estresse pode anular uma resposta natural do cérebro que diminui o prazer obtido ao se alimentar, o que significa que o sistema nervoso central é continuamente recompensado pelo ato de comer. O estresse crônico, combinado com uma dieta hipercalórica, pode levar a um aumento progressivo na ingestão de alimentos, assim como a uma preferência por itens doces e altamente palatáveis, promovendo o aumento ponderal e a obesidade.  

 

A área do cérebro afetada é a habênula lateral, uma estrutura que existe tanto em camundongos quanto em humanos. Sob condições normais, a curto prazo, na presença de uma dieta de alto valor energético, essa região produz uma sensação discretamente desagradável, desligando a resposta de recompensa cerebral e tornando assim a comida menos prazerosa.  

 

Trabalhando com camundongos cronicamente estressados, os pesquisadores observaram que a habênula lateral permanecia estranhamente silenciosa quando alimentos ricos em gordura eram ingeridos. Portanto, os ratos continuaram a comer, aparentemente por prazer, sem ficarem saciados.

 

No mesmo estudo, os pesquisadores realizaram um ‘teste de preferência por sucralose’, permitindo que os camundongos escolhessem entre beber água pura ou água adoçada artificialmente com sucralose. Qual foi o resultado? Os camundongos estressados com uma dieta rica em gordura consumiram três vezes mais bebida adoçada com sucralose do que os ratos que estavam exclusivamente sob uma dieta rica em gordura, sugerindo que o estresse não apenas ativa a recompensa ao comer, mas especificamente impulsiona o desejo por alimentos doces e saborosos. Quando os cientistas reativaram a habênula lateral usando luz optogenética, capaz de controlar a atividade neuronal, os animais pararam de comer em excesso.

 

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Foto: Unsplash

 

O artigo mostra que camundongos estressados, sob uma dieta rica em gordura, aumentaram o dobro de peso em comparação com ratos na mesma dieta que não estavam estressados.

 

De uma perspectiva evolutiva, o comportamento alimentar provavelmente é o mais crítico, pois é preservado em todas as espécies para apoiar a sobrevivência. Os animais que vivem na natureza não têm o privilégio de consumir fontes de alimentos com alto teor calórico. Portanto, seus sistemas de estresse permitem que eles sobrevivam ajustando seu uso e suprimento de energia de acordo com as demandas atuais.

 

Alimentos com alta densidade calórica proporcionam uma maneira rápida de obter combustível. Afinal, na natureza selvagem, ter mais energia armazenada no corpo é certamente melhor do que ter menos. No entanto, nos seres humanos modernos, o estresse não deveria ser relevante para nossa sobrevivência literal. Deveria, mas não é. O estresse acaba interferindo no equilíbrio energético saudável.

 

Qual a aplicabilidade desse estudo feito em camundongos para os seres humanos? Nós somos mamíferos como os ratos, e as investigações com animais não humanos fornecem um controle experimental realmente rígido com informações valiosas que muitas vezes não conseguiremos alcançar em nossa espécie.

 

Com efeito, podemos destacar algumas semelhanças entre humanos e outros animais: a estrutura anatômica, assim como a função da habênula, são altamente conservadas em todas as espécies, incluindo a nossa. Trata-se de uma região que desempenha um papel crítico na regulação da resposta afetiva. Sob ativação, desencadeia um comportamento aversivo, que é um dos mecanismos que estimulam o sofrimento emocional. No entanto, quando é silenciada, induz o oposto, que é uma solução de recompensa. Observa-se ainda que uma molécula importante identificada no estudo para o comportamento da habênula lateral também está presente em humanos.

 

No centro do aumento de peso estava a molécula NPY, que o cérebro produz naturalmente ante ao estresse. Quando os pesquisadores impediram que o NPY ativasse as células cerebrais na habênula lateral em camundongos estressados com uma dieta rica em gordura, os animais consumiram menos comida resultando em menor elevação ponderal.

 

Sob situações estressantes, é comum utilizarmos muita energia e a sensação de recompensa proporcionada pela comida pode nos acalmar; é nesse momento que um aumento de energia por meio da alimentação poderá ser útil. No entanto, quando o estresse é experimentado por longos períodos de tempo, a equação parece mudar, levando a maus hábitos alimentares que se tornam um estilo de vida prejudicial.  

 

O que são ‘alimentos gostosos ou reconfortantes’ ou ‘comfort foods’?Não está totalmente claro se existe uma definição universal para esses termos ou conceito especificamente.

 

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Foto: Unsplash

 

O senso comum afirma que comida reconfortante é aquela que é saborosa e nos faz sentir bem. Normalmente, é densa em calorias, rica em açúcar e gordura, e muitas vezes tem um valor nostálgico e sentimental. No entanto, pouco se testou sobre isso sistematicamente. Às vezes, esses alimentos são designados de ‘hiperpalatáveis’, pois são recompensadores e estimulam a secreção de neurotransmissores associados ao bem-estar, como a serotonina.

 

Entregar-se a alimentos reconfortantes ocasionalmente não representa um problema. Por outro lado, em todo o mundo, sabemos que o excesso ponderal é extremamente censurado: o estigma do peso é aflitivo e estimula uma resposta biológica ao estresse.  

 

Comer comida gostosa em excesso reacional ao estresse é semelhante à ingestão ocasional de álcool para relaxar. É aceitável fazê-lo de vez em quando, mas se feito com frequência, pode trazer repercussões deletérias para o corpo. De toda sorte, é importante ressaltar que os alimentos saborosos não precisam necessariamente ser ricos em açúcar, gordura ou calorias para serem reconfortantes.

 

O estudo australiano fornece uma camada de conhecimento sobre a fisiologia do estresse e seu impacto na ingestão de alimentos. Como todos os estados de doença, existem contribuintes fisiológicos e psicológicos para o estresse. As evidências do estudo o identificam como um regulador crítico dos hábitos alimentares que pode substituir a capacidade natural do cérebro de equilibrar as necessidades de energia, e enfatizam o quanto pode comprometer um metabolismo energético saudável.

 

O estresse crônico alimenta o consumo de alimentos saborosos e pode contribuir para o desenvolvimento da obesidade. Embora as vias neurais tenham sido detectadas, ainda não se sabe ao certo como orquestram os padrões alimentares. Um lembrete, se você está lidando com estresse de longo prazo: procure comer alimentos de qualidade e guarde distância controlada de ultraprocessados e industrializados. A pesquisa destaca o quão crucial é uma dieta saudável em tempos de ansiedade.