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Clayton Camargos: A polêmica da prescrição de hormônios para beleza corporal

O nutricionista conta que muitos fisiculturistas recorrem à práticas ilegais para alcançarem o corpo desejado, ignorando o perigo à saúde que podem representam

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Você já se questionou como os fisiculturistas alcançam todo aquele tamanho considerável de corpo? Enquanto alguns talvez hipertrofiem seus músculos por meio de uma rotina árdua de treinamento de força combinada a uma dieta balanceada, outros podem ter recorrido a práticas ilegais, utilizando esteroides anabolizantes.

 

Os esteroides são compostos sintéticos similares ao hormônio testosterona e podem ser empregados legalmente em tratamentos clínicos. Em determinados casos, especialistas o prescrevem para tratarem pessoas que sofrem de anemia específica ou sarcopenia secundária à quimioterapia oncológica, bem como àqueles que apresentem insuficiência na produção natural de testosterona ou de outros hormônios sexuais, especialmente durante as pausas fisiológicas inerentes ao envelhecimento.

 

Ademais, é imprescindível que os pacientes que fazem uso de esteroides anabolizantes, quando atestada a indicação, sejam submetidos a monitoramento periódico, de modo que eventuais efeitos colaterais possam ser identificados e tratados precocemente.

 

Com efeito, é crucial que os profissionais exerçam cautela ao prescreverem esteroides anabolizantes, sobretudo para pessoas jovens e sadias que objetivem o aumento da massa muscular. A prescrição dessas substâncias deve ser feita apenas quando houver condições clínicas específicas que justifiquem seu emprego.

 

O Conselho Federal de Medicina (CFM) é o órgão responsável por regulamentar a atuação médica no Brasil e, recentemente, divulgou um posicionamento sobre a prescrição de hormônios anabolizantes para fins estéticos e incremento do desempenho esportivo, que você confere neste link.

 

Antes de abordar os prós e contras da receita desses medicamentos, é importante destacar que o CFM reitera que a prescrição de hormônios anabolizantes para fins estéticos é considerada inadequada e não condizente com a prática médica. Conforme o posicionamento, “a busca incessante pelo corpo perfeito, incentivada pela sociedade, pode acarretar riscos à saúde, que variam de reações adversas e complicações até morte”.

 

Algumas pessoas que utilizam esteroides optam por tomá-los em cápsulas, enquanto outras preferem injetá-los diretamente nos músculos utilizando agulhas hipodérmicas, ou ainda a implantação de dispositivos subcutâneos, e também cremes de aplicação transdérmica.

 

No que diz respeito aos benefícios da prescrição de hormônios anabolizantes, é possível destacar que tais medicamentos podem promover o ganho de massa muscular e a redução de gordura corporal em curto prazo. Aliás, em algumas circunstâncias específicas, como em casos de atletas que precisam melhorar sua performance, pode haver um benefício ergogênico com o uso desses medicamentos, mesmo considerado doping pelas entidades de esportes de alto rendimento.

 

Porém, os malefícios da prescrição desses hormônios são muitos e podem causar diversos efeitos colaterais, quais sejam: dislipidemias, hipertensão arterial, arritmia cardíaca, acidentes tromboembólicos, acne, seborreia, calvície, ginecomastia, atrofia testicular,  hipertrofia clitoriana, infertilidade, disfunção erétil, entre outros.  

 

Quando os usuários consomem repetidamente doses cada vez maiores de uma droga, são considerados “abusadores”. É sabido que esses abusadores tomam quantidades 10 a 100 vezes maiores do que a carga prescrita para fins terapêuticos.

 

O abuso de esteroides pode gerar consequências extremamente danosas, inclusive letais: o fígado, órgão vital e responsável por uma série de funções importantes no organismo, pode ser particularmente afetado pelo uso abusivo dessas substâncias. Uma das complicações mais preocupantes é o desenvolvimento de tumores, tanto benignos quanto malignos, que podem se tornar um risco para a saúde do indivíduo. Ademais, a peliose hepática, uma condição incomum caracterizada pela formação de cistos repletos de sangue que podem se romper, gerando sangramento interno e aumentando ainda mais os riscos associados ao uso impróprio dessas substâncias.

 

Os esteroides também podem provocar efeitos deletérios para o coração, podendo ocasionar ataques cardíacos fulminantes e acidentes vasculares cerebrais, mesmo em atletas jovens. Isso ocorre devido ao uso abusivo dessas substâncias, que pode levar ao desenvolvimento da aterosclerose, caracterizada pela acumulação de placas de gordura dentro das artérias, obstruindo o fluxo sanguíneo. Quando há bloqueio do fluxo sanguíneo para o coração, pode ocorrer um ataque cardíaco. Por outro lado, quando o fluxo sanguíneo para o cérebro é interrompido, pode acontecer um acidente vascular cerebral.

 

Considera-se ainda que os esteroides anabolizantes podem afetar a saúde mental das pessoas que os usam, e alguns estudos sugerem que essas substâncias podem aumentar o risco de comportamento agressivo e violento.  

 

Acredita-se que isso ocorra porque os esteroides afetam os níveis de neurotransmissores no cérebro, incluindo a serotonina, dopamina e noradrenalina, que desempenham um papel importante na regulação do humor e comportamento. Seu uso prolongado também pode levar a alterações na função e estrutura cerebral, o que pode aumentar o risco de problemas psicológicos e comportamentais.  

 

Os hormônios têm a capacidade de afetar o sistema límbico do cérebro, que é responsável por regular nossas emoções e humores. Como resultado, o uso abusivo dessas substâncias pode causar irritabilidade, ansiedade e depressão. Em casos extremos, pode até desencadear quadros psicóticos, como mania, delírios e comportamentos violentos. Por isso, é importante que os usuários estejam cientes desses riscos e procurem ajuda especializada caso enfrentem sofrimentos psicológicos adjuvantes ao seu uso.

 

Destarte, essas substâncias têm potencial para causar dependência física e psicológica em seus usuários. Quando alguém se torna viciado em esteroides, pode sentir uma compulsão irresistível de usá-los, o que pode levar a um comportamento obsessivo e a uma necessidade constante de aumentar as doses.

 

Além disso, quando uma pessoa para abruptamente de utiliza-los, pode sofrer sintomas de abstinência, tais como: fadiga, irritabilidade, insônia, perda de apetite e depressão. Esse conjunto de manifestações estimulam o indivíduo a retomar o consumo para aliviar o desconforto, perpetuando um ciclo vicioso.

 

É importante ressaltar que nem todos os  usuários de esteroides anabolizantes apresentarão esses efeitos colaterais. No entanto, o risco deve ser considerado ao decidir sobre o consumo dessas substâncias.

 

O fato de existir um médico ou outro profissional do setor da saúde prescrevendo e supervisionando o tratamento com o protagonismo dessas substâncias não garantirá segurança ao paciente, tampouco impedirá a manifestação latente de efeitos adversos ao organismo. Sobretudo, porque não ocorrem estudos que ofereçam guias clínicos consagrados cientificamente com o objetivo de alcançar resultados estéticos sem prejuízos para saúde, aliás, não existe literatura científica registrada para essa finalidade.

 

Portanto, o argumento de que é melhor que se tenha um prescritor formalizado para esse propósito é mais seguro do que deixar o paciente sob auto prescrição marginal e suas ameaças adjacentes não se sustenta. Afinal, não é possível que o profissional controle um tratamento para algo que não existe diagnóstico, e menos ainda apoio científico substancial à tomada de conduta e seguimento terapêutico.

 

Trata-se, contudo, de uma relação de risco sob um acordo tácito entre profissional e paciente onde ambos assumem paripassu os benefícios e prejuízos decorrentes desse contrato fiduciário. Afinal, na sociedade da informação, em especial à respeito desse tema, a posição do leigo no lugar da vítima é altamente questionável.

 

A pauta acendeu um debate sobre a competência da regulação da corporação médica alertar à respeito dos perigos da prescrição de hormônios para efeito estético e não condenar, por exemplo, o uso de contraceptivos hormonais ou a hormonioterapia para mudança de gênero que podem ter efeitos adversos semelhantes aos dos esteroides. Pois bem, são temas similares que exigem abordagens diferentes. Isto é, a equidade do risco sanitário.

 

Em tempo: a polêmica ainda se estendeu por conta da postura do CFM, à ocasião da fase aguda da pandemia, não ter constrangido a destinação de vermífugos para tratamento da Covid-19, mas, agora, ter proscrito hormônios para fins de embelezamento corporal. É uma discussão assimétrica e sem aplicação produtiva.

 

Por último, de acordo com a posição adotada pelo mesmo Conselho, a prescrição de hormônios anabolizantes com o objetivo de melhorar a aparência estética é ilegal e pode acarretar processos ético-profissionais e criminais. O médico que prescrever esses medicamentos sem uma indicação clínica adequada estará infringindo as normas da representação de categoria e sujeito a penalidades.

 

É importante (re)afirmar que os tratamentos conservadores, tais como a combinação de uma alimentação equilibrada com suplementação nutricional adequada e a prática regular de exercícios físicos, são as formas mais seguras de se alcançar um corpo saudável, atraente e longevo.