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Cibele Amaral: a literatura de uma protagonista

Uma das cineastas mais bem-sucedidas do cenário nacional usa dois elementos inspiracionais para expandir sua mente fervilhante para as telas: Brasília e a psicologia
Fotos: Mário Miranda

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Narradora brasiliense apaixonada, Cibele Amaral há muito vem tecendo fios de histórias que se entrelaçam no cinema. Com uma energia dinâmica que nunca cessa, ela mantém sempre uma nova empreitada em sua mente fervilhante. Diplomada nas terras italianas, a cineasta transcende as fronteiras convencionais da criatividade, tanto em termos de concepção quanto em alcance geográfico. A raiz de sua inspiração, no entanto, encontra-se firmemente arraigada no solo intelectual de Brasília, uma presença constante e fundamental em sua arena criativa. A cidade molda e é moldada pela visão da diretora, esculpindo os mais diversos cenários que povoam suas narrativas multifacetadas.

“Brasília pode ser diferentes cidades. Em cada projeto, ela se revela com ares e humores distintos. Mas o importante é criar essa identidade. Quando fiz meu primeiro longa, Um Assalto de Fé, ele foi super pirateado e, naquela época, era vendido em DVD por camelôs. As pessoas amavam ver Brasília na tela e contavam a história do filme. Agora, nas plataformas, acontece também a mesma coisa, recebo mensagens no Instagram de pessoas felizes em ver sua cidade fazendo parte da cultura do País”, revela.

Fotos: Mário Miranda

Premiada em importantes festivais de cinema, como de Gramado, de Brasília e do Rio de Janeiro, Cibele tem no currículo produções tais como Por que Você Não Chora? e Rir Pra Não Chorar. “Brasília me inspira pelo que tem de bom e de ruim. Já mostrei seu lado mais solar, sua energia, como também seu lado frio, cheio de espaços enormes nos quais o ser humano se sente perdido e solitário”, explica.

No presente, Cibele tece três projetos ao mesmo tempo: a série Réus, para o canal Prime Box Brazil; o longa-metragem de terror O Morto na Sala; e Socorro ou a alternativa O Socorro Não Virá – títulos que tangenciam um projeto de ficção científica utópica, engendrada para sondar as profundezas do narcisismo intelectual.

O escuro e a luz

Desde o início da sua trajetória cinematográfica, Cibele levou para as produções temas inspirados em sua formação acadêmica, a psicologia. “Sempre achei que o ser humano lida muito mal com a porção sombra. A sociopatia é vista como algo distante e monstruoso, não humano. Mas há um lado sombrio em todos nós que precisa ser revelado, enxergado e necessita de luz”, acredita.

Fotos: Mário Miranda
Fotos: Mário Miranda

E, dentro desse olhar nasce Réus, uma série que ela classifica como “criminal, policial e com muita psicologia”. Conta a história de uma menina que sofreu maus tratos inimagináveis na infância e que perde completamente a empatia pelos outros. Seus pais adotivos buscam toda a ajuda e a personagem Larissa consegue crescer e desenvolver essa capacidade novamente. Ela se torna uma excelente policial e detetive e trabalha com casos difíceis. O agente Doria traz o oposto dessa história, alguém que nunca olhou para sombra e que, de repente, acaba sendo devorado por ela.

A atriz brasiliense Juliana Tavares dá vida à personagem. Já Doria é interpretado por Cláudio Heinrich. “Cláudio sofreu uma transformação completa para fazer o personagem. Treino de voz, de luta e muito trabalho de atuação. Ele é um ator dedicado. Juliana é talentosíssima e a cara da personagem. Os dois dão um show”, adianta Cibele, que também é atriz, produtora e roteirista.

Para ambientar a história, a diretora foi atrás de uma Brasília sombria e noturna. “Queríamos uma cara de cidade mais típica, urbana e optamos por gravar muitas cenas em Taguatinga e Águas Claras. Temos o Mercado Sul, o Córrego do Cortado, o cemitério de Taguatinga, muitas ruas, becos e casas abandonadas. Também construímos uma delegacia de polícia no Setor Gráfico. Tivemos, ainda, a felicidade de conseguir o prédio da Direção Geral da Polícia Civil do DF para ilustrar o exterior da delegacia”, conta.

O lado sombrio de Brasília também é explorado no filme de terror O Morto na Sala. Nele, um grupo de jovens diverso e cheio de energia aluga uma casa por aplicativo para passar um feriado juntos. Por algum motivo, que depois se descobre ser sobrenatural, a casa os prende lá dentro e, para sair, eles terão que encontrar o morto que está ali. Além da capital, o filme terá sequências em regiões do Entorno da capital e fora do País, em Los Angeles.

Já o filme Socorro é sobre um autor, muito narcisista, que sonha em fazer um filme de ficção científica. É uma metalinguagem, um filme dentro do filme, que exprime um mundo utópico que o protagonista criou. É também uma comédia sobre o criador e a criatura e as desventuras desse autor e sua amiga produtora tentando fazer o projeto dar certo. “É um filme que traz locações maravilhosas de Brasília. Fizemos imagens lindas em monumentos de Brasília, em uma fábrica de gelo e em uma mineradora, por exemplo”, conta.

Fotos: Mário Miranda

Como uma mulher que circula pelo universo cinematográfico, ela não deixa de questionar os desafios. “As melhores oportunidades sempre vão para os homens. Acho que o cinema e o audiovisual ainda estão muito tímidos aqui no Brasil quando se fala de empoderamento feminino. As mulheres são minoria nas funções de protagonismo como roteiro e direção. E mesmo as que estão sempre trabalhando, como eu, devem isso à própria resiliência”, analisa. “O audiovisual pode e deve mudar essa realidade, principalmente trazendo para as telas boas relações entre mulheres, histórias contadas por mulheres. Precisamos de oportunidades”, finaliza.